Andrea Pacheco Pacifico1
A pesquisa da bacharela Grace Olsson demonstra enorme fôlego e determinação na defesa da aplicação dos direitos das crianças refugiadas em nível internacional, especialmente por ter sido fruto de um trabalho final de graduação em Direito.
A realidade social do mundo moderno encontra-se recheada de conflitos armados,onde as maiores vítimas são os cidadãos de países menos desenvolvidos. E, nesta seara, encontram-se as crianças, aqueles seres que ainda não viveram o suficiente para saber que existe, sim a felicidade. Estas crianças, que presenciaram e continuam a presenciar as mais profundas atrocidades que um indivíduo pode cometer contra outro, sonham com um passado que não tiveram, com um presente que não possuem e com um futuro que provavelmente não chegarão a assistir.
Algumas destas crianças sobrevivem no Campo de Refugiados de Maratane, a dois mil quilómetros da capital de Moçambique, de forma precária e desiludida. Foi esta realidade que levou Grace Olsson a percorrer o campo, a residir por algumas vezes no local, a imergir na vida destas crianças para, assim, avaliar o grau de dificuldades que elas passam e as formas de auxílio que porventura possam ser colocadas em prática para aliviar e, por que não, tratar das deficiências, físicas, mentais e espirituais que afetam as suas vidas.
De forma detalhada, acurada e precisa, Grace abordou a problemática global do refúgio, definindo o que vem a ser chamado de criança refugiada pelo regime internacional do refúgio. Então, ela bem analisou o sistema jurídico internacional cujo fim precípuo é proteger, promover e defender os refugiados, aprofundando-se na relação entre a Convenção dos Refugiados de 1951 e a Convenção Universal dos Direitos da Criança de 1989.
Com base em sua vivência no Campo de Maratane e em entrevistas realizadas com as próprias crianças, com seus responsáveis, com órgãos internacionais e locais presentes no Campo, ela conseguiu averiguar que certos direitos universais, tais como o direito à vida, à prote-ção, à nacionalidade, de locomoção, assim como a liberdade de expressão, de pensamento, de consciência e de crença, à família, à saúde, à alimentação, à higiene, ao lazer, à educação, à segurança e à assistência jurídica são claramente violados. Alguns destes chegam a ser
respeitados e protegidos de forma precária, enquanto outros não são ao menos mencionados.
O Campo de Maratane é uma vitória para os refugiados e para as crianças ali residentes, pois sem ele esta população já teria morrido por falta de opção onde estabelecer-se. Assim é que as soluções duráveis a serem aplicadas aos refugiados, bem explicadas por Grace Olsson, precisam ser melhor analisadas e implementadas no Campo de Maratane. A integração local, por exemplo, levaria os órgãos internacionais e locais que atuam no Campo a encontrar líderes naquela comunidade, especialmente crianças aptas a auxiliar seu próprio grupo a reerguer-se e, solidariamente, construir uma nova vida.
Os agradecimentos à autora pelo trabalho, que preencherá uma lacuna no meio académico e social, vão junto com as congratulações pela força de vontade, pela sua coragem e pela obstinação em entrar em contato profundo com as crianças refugiadas e suas famílias no Campo de Maratane, vivenciando dores, sofrimentos, depressão, letargia, sentimentos de aflição, de incerteza e de medos constantes, sem ao menos ter passado por um processo de adaptação e preparação prévia psicológica e mental, o que resultou, na autora, em uma nova forma de viver.
Enfim, todo aquele que um dia se depara com a realidade nua e cruel do mundo dos refugiados fica marcado para sempre, pois sua própria vida passa a ser em função da melhoria daqueles indivíduos, nossos irmãos, seres como nós, que perderam seu passado, sua identidade, sua família, seu lar, seu presente e não sabem se terão futuro, a menos que novas pessoas como Grace Olsson surjam no planeta terra.
'Advogada e socióloga;
Professora doutora de Direito e Relações Internacionais, com ênfase em migração e refugiados,-
Membro do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos;
Membro da Federação Interamericana de Advogados e da American Society of International Law; Vice-presidente da Comissão de Relações Internacionais da OAB/AL
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Conclusão
Tendo em vista que este trabalho tem natureza teórica e prática, foram empregadas como meios de efetivação pesquisas no Campo de Refugiado de Maratane, em Nampula, Moçambique, África: sistema de fotografias, entrevistas com crianças refugiadas e com o médico, enfermeiro, professores e administradores do Campo de Refugiados, psicólogo do Hospital Central de Nampula e o Representante do ACNUR - Alto Comissariado para as Nações Unidas para os Refugiados, em Moçambique. Adotei, também, pesquisas bibliográficas, em sua grande maioria em língua inglesa (conforme bibliografia anexa), uma vez que o tema não é muito divulgado e estudado no meio académico brasileiro ou em outros países de idioma português. Baseei-me, também, em artigos de revistas e de pesquisa em páginas web bem como foi feito um estudo aprofundado da Legislação Internacional acerca do assunto.
Com relação ao tema, não há extenso material doutrinário e jurisprudencial disponível. Porém baseamos a parte doutrinária relacionando os Direitos da Criança explicitados na Convenção de Genebra de 1951, Protocolo de 1967, Organização da União Africana e Convenção sobre os Direitos da Criança.
Foram valiosos também os comentários em torno do tema por parte das autoridades do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados43:
"A Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada por 155 países, é um grande suporte para a criança refugiada. Os padrões são universais e como tal, a Convenção dos Direitos da Criança é uma poderosa ferramenta para advogados e profissionais de outras áreas disciplinares, na defesa dos direitos das mesmas. E nenhum país pode usar da desculpa de não se encaixar nesses padrões universais."
O por do sol no Campo de Refugiados de Maratane, como em qualquer parte do mundo, leva com consigo a esperança do nascer de um novo dia. O acordar no Campo desperta a criança refugiada para uma nova realidade, novos questionamentos e na mente de cada uma, poucos sonhos concretos. Esta é a sensação sentida ao partir de seu país de origem, andar dias sem fim por estradas pedregosas das savanas africanas e acordar numa barraca de lona, com piso de chão batido, sem higiene, sem saber como se proteger de animais, de homens de dúbias intenções, sem saber como suprir a falta de comida na mesa e como enfrentar um futuro totalmente obscuro.
Objetivamente, 95% das crianças entrevistadas não pensam em fazer o caminho de volta. O medo de viver as mesmas cenas do passado novamente faz de cada uma um ser a precisar de ajuda. Grande é a esperança de que o tempo será um também um remédio para ajudá-la a superar a dor, recolher seus pedaços interiores, reerguer a cabeça e acreditar que o futuro pode vir a ser melhor.
Sonhar, para a criança refugiada é um verbo conjugado sempre no presente, de forma confusa embaçada de cenas em preto e branco e com as cores do arco-íris que somente as mentes infantis são capazes de criar. Se navegar é preciso no mundo dos adultos, no mundo in fantil da criança refugiada, SONHAR é o melhor remédio para a cura de males que um dia, quiçá, deverão ficar para trás.
Em pleno século XXI milhões de crianças no mundo vivem situações de conflitos onde não são simples espectadoras, mas alvo de guerras civis e de tribos rivais onde muitas são vítimas de violência sexual, fome, doenças, fazendo parte assim de genocídios premeditados. Independente da causa que leva a criança a se submeter às humilhações, há de se observar que olhando para o continente africano vemos um cataclisma político de convulsões e lutas com o objetivo principal de controlar os recursos naturais diante de um povo que vive uma pobreza generalizada e economia desorganizada, assim como, a insensibilidade das guerras no continente africano é fruto de revoluções sociais que rompem os padrões das sociedades tradicionais. É de conhecimento público que a maioria do povo africano é fruto de uma cultura guerreira e determinada, mas se voltarmos no tempo e estudarmos o homem africano na forma antropológica concluiremos que, embora eles gerassem combates constantes e possuíssem uma crueza de sentimentos eles tinham por ética, regras e costumes de não violar crianças e mulheres.
Independentemente da razão que leva a criança a ser brutalizada em pleno século XXI faz-se necessário que a comunidade internacional reflita e denuncie de forma ostensiva que a criança seja poupada e preservada de todo e qualquer tipo de conflito. É inadmissível e inconcebível que crianças indefesas sejam atacadas e vitimadas tão brutalmente pelas ações desordenadas e insanas dos adultos.
As necessidades da criança são iguais, independentemente de sua nacionalidade. Ela tem direito à educação, alimentação e cuidados de saúde adequados, habitação e a vida numa comunidade familiar segura. A criança deve ser colocada como razão principal na luta da comunidade internacional para diminuir os horrores da guerra e, ao mesmo tempo, é a esperança de que esse objetivo seja alcançado. O mundo possui um dos instrumentos mais importantes: quase todos os países ratificaram a Convenção sobre os Direitos da Criança, e o ideal é transformar essa Convenção em uma realidade prática, concreta e universal onde todos os países, sem exceção, apliquem-na para fazer do mundo um lugar melhor para se viver, outro mundo possível.
146 ACNUR. Refugee childreri: guidelines on protection and care. 2. ed. Gêneva: UNHCR, 2001, p. 19.
NOTA:
Contacto da autora: [email protected]