JORGE HEITOR
Dhlakama já reconheceu que, se perder a sua quarta corrida à chefia do Estado moçambicano, nunca mais se deverá voltar a candidatar
A Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), que de 1976 a 1992 travou uma luta armada contra a Frelimo, encontra-se actualmente em risco de perder o seu papel de importante força da oposição parlamentar, depois de, nas legislativas de Dezembro de 2004, só ter conseguido 29,7 por cento dos votos. No entanto, as opiniões divergem sobre até que ponto o seu desgaste se irá ou não traduzir num grande desaire nas eleições do próximo dia 28.
O líder daquele partido, Afonso Dhlakama, que em 2004 averbou para si 31,7 por cento (um pouco mais do que os seus candidatos ao Parlamento), prometeu nestes últimos dias na província de Tete que, se perder as presidenciais de quarta-feira, às quais se candidata pela quarta vez, não voltará a concorrer. E no caso de faltar à palavra - tentando de novo a sua hipótese em 2014 -, pede ao povo que não vote nele.
Paulo Granjo, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, disse ao PÚBLICO ser "bem possível que, com a exclusão do novo MDM (Movimento Democrático de Moçambique) de nove círculos eleitorais (incluindo Manica, um daqueles em que tem mais apoio, e a província de Maputo, onde está em visível expansão nas zonas periurbanas, tanto a Renamo quanto a Frelimo sofram um desgaste muito menor" do que há alguns meses se pensava.
No entanto, acrescentou o mesmo perito, "o MDM e Daviz Simango são (desde a vitória dele como independente no município da Beira) o grande fenómeno político actual, que subverte as regras do jogo que os dois grandes consideravam imutáveis".
Em Abril último, analistas citados pela AFP diziam que a Renamo se arriscava a perder a sua condição de segundo partido moçambicano, a favor do MDM, depois de se ter ficado por menos de um terço dos votos expressos nas legislativas de Dezembro de 2004, face aos 62 por cento da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). Só que, entretanto, a nova força só foi autorizada pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) a concorrer em quatro dos 13 círculos, o que faz uma substancial diferença.
Sobrevive nos meios rurais
Aliás, apesar de ter perdido terreno nos centros urbanos, durante esta última década, a Renamo continua com uma forte base de apoio em meios rurais do Centro e do Norte, afirmou ao PÚBLICO o director da revista Prestígio, de Maputo, Refinaldo Chilengue. E é precisamente nas partes central e setentrional do país que todas as forças estão a apostar, destacou João Chamusse, editor do jornal Canal de Moçambique.
Dos 250 deputados a eleger, 46 correspondem à província de Nampula e 45 à da Zambézia, as mais populosas, precisamente na Zona Centro-Norte, onde a Renamo terá de dar o tudo por tudo para impedir aquilo a que chama a "frelimização da sociedade", que se consubstanciaria se o partido do Presidente Armando Emílio Guebuza chegasse a garantir cerca de três quartos do eleitorado.
Depois de 16 anos de luta armada contra a Frelimo, a Renamo não se conseguiu transformar num partido político com peso suficiente para se constituir como alternativa do poder. E Dhlakama foi sucessivamente derrotado nas presidenciais de 1994, 1999 e 2004 (nas duas primeiras por Joaquim Chissano, na terceira por Guebuza), pelo que no próximo dia 28 não irá ser fácil a sua tarefa, ao ter de enfrentar tanto Guebuza como Simango, que, nas palavras de Refinaldo Chilengue, está a ter grande receptividade junto das camadas jovens.
"Num processo limpo, seria difícil não haver uma segunda volta das presidenciais"
Nas autárquicas de 19 de Novembro de 2008, a Renamo ficou sem o controlo de qualquer município, pelo que começou a surgir a expectativa sobre se esse desaire se iria ou não traduzir nas próximas eleições gerais, com a perspectiva de a Frelimo se tornar tão esmagadoramente preponderante quanto o MPLA o é em Angola (81,76 por cento dos votos nas legislativas de 2008), a SWAPO na Namíbia (76,1 na última ida às urnas) e o ANC na África do Sul (65,9).
Absolutamente ciente de que no Sul de Moçambique não tem qualquer hipótese, Afonso Macacho Marceta Dhlakama, natural do Centro do país, fez campanha essencialmente nas províncias de Nampula, Cabo Delgado, Niassa, Zambézia, Tete e Manica. A tónica do seu discurso foi a despartidarizaçã
14 partidos total ou parcialmente excluídos
Nas legislativas, só a Frelimo e a Renamo concorrem em todos os círculos do país.
É o caso das legislativas: só o partido governamental Frelimo e a sua tradicional opositora Renamo concorrem em todos os 13 círculos. As listas de 14 outros partidos ou coligações foram, parcial ou totalmente, rejeitadas pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), o que impede o teste que a votação seria para o recém-criado Movimento Democrático de Moçambique (MDM).
A exclusão, mais tarde confirmada pelo Conselho Constitucional, foi justificada por irregularidades formais e falta de elementos nos processos de candidatura, mas observadores vêem-na como uma forma de os dois grandes partidos afastarem o concorrente mais temido, o MDM, de Daviz Simango, considerado pela imprensa independente como uma alternativa capaz de se tornar a terceira força do país. O MDM acusou a CNE - composta por elementos da Frelimo e da Renamo e rebaptizada em círculos locais como "Frenamo" - de ter extraviado documentos para impedir as candidaturas e apresentou queixa à Procuradoria-
Os embaixadores dos países que contribuem para o orçamento consideraram ter havido "falta de divulgação de informação" no processo e, numa nota de Setembro, declararam não ser claro "que todos os procedimentos tenham sido seguidos correctamente, nem que tenham sido respeitados os prazos do calendário eleitoral"
PÚBLICO – 25.10.2009