Rafael Marques escreve ao presidente Eduardo dos Santos
O activista e jornalista Rafael Marques escreveu ao presidente do seu País, Angola, sobre as actividades empresariais do PGR do seu País. As preocupações em Angola, África do Sul, Moçambique, Zimbabwe, têm muitas características semelhantes, dando ideia do que está a tornar-se a Justiça na região da SADC. Aqui fica para já e para que se conheça a carta do cidadão de Angola ao seu chefe de Estado:
Ao
Presidente da República
Sua Excelência José Eduardo dos Santos
RE: A Actividade Empresarial do Procurador-Geral da República
Na qualidade de cidadão nacional, atento aos actos de governação do país, recorro aos bons ofícios de Sua Excelência para manifestar a minha profunda preocupação com o silêncio institucional que encobre a recente denúncia pública sobre a participação do Procurador-Geral da República no capital social da Imexco.1
1 Vide Semanário Angolense, de
2 Vide Artigo 3° da
3 Vide o n° 2 do Artigo 5° da mesma lei.
4 Dos Santos, José Eduardo (2008) Devemos Corrigir Todas as Práticas Negativas que Afectam a Imagem do Governo, Discurso proferido na abertura da XI Reunião Extraordinária do Comité Central do MPLA.
5 Ibidem.
Gostaria, antes de mais, explicar as razões que me levam a dirigir esta correspondência à Sua Excelência.
De acordo com a legislação em vigor, a Procuradoria-Geral da República “é uma unidade orgânica subordinada ao Presidente da República, como Chefe de Estado (…)”
Como o mais alto magistrado da Nação, Sua Excelência tem reiterado, ao longo dos anos, sem efeito prático, a necessidade de se combater a corrupção e o abuso de poder. Em 2008, Sua Excelência afirmou, de forma categórica, a urgência em separar “a actividade empresarial privada da actividade política e administrativa dos dirigentes e chefes que ocupam cargos no governo e na administração pública em geral.”4 Mais disse, “devemos aprovar regras mais claras para pôr cobro a certa promiscuidade que se verifica hoje.”5 2
Queira, por isso, aceitar a minha petição como um acto de cidadania dirigido à competente entidade. Assim, reporto-me aos factos.
A 13 de Setembro de 2008, o Diário da República consagrou a alteração do pacto social da Imexco, por decisão dos seus sócios. Estes são os Srs. Salim Firojali Hassam e Faizal Samsudin Alybay Ussene (ambos de nacionalidade portuguesa), os generais António dos Santos Neto (actual presidente do Tribunal Supremo Militar) e João Maria Moreira de Sousa (actual Procurador-Geral da República). Essa decisão respeita o Artigo n° 13, dos estatutos da Imexco sobre a representação de todos os accionistas na Assembleia-Geral da empresa, cujas decisões são obrigatórias e vinculativas. 6 Em resumo, ambos generais e magistrados representam-se a si próprios na Assembleia-Geral da Imexco, uma empresa ligada aos sectores imobiliário, de investimentos, importação e exportação.
6 Imexco Investimentos, S.A, Diário da República, III Série, N° 26, 13 de Fevereiro de 2008, pp. 1107-9.
7 Construtel Serviços Limitada, Diário da República, III Série, N° 12, 20 de Janeiro de 2009, p. 545.
8 Ibid., p. 546.
9 Deljomar Limitada, Diário da República, III Série, N° 100, 3 de Junho de 2008, pp. 3977-8.
10 Prestcom – Prestação de Serviços e Comércio Geral Limitada, Diário da República, III Série, N° 145, 3 de Dezembro de 2007, pp. 5355-6.
Excelência,
A actividade empresarial do titular do cargo de Procurador-Geral da República, o General João Maria Moreira de Sousa, não se esgota na Imexco. A 1 de Dezembro de 2008, em sociedade com a Construtel – Construções e Telecomunicações e o Sr. João Raimundo Belchior, o referido general, enquanto magistrado, estabeleceu a empresa Construtel Serviços Limitada, cujo objecto social inclui a prestação de assessoria jurídica, consultoria e auditoria.7 Nessa empresa, de acordo com o Artigo 7° do seu pacto social, os sócios constituem a Assembleia-Geral dos seus órgãos sociais.8
Na Deljomar Limitada, o General João Maria Moreira de Sousa, enquanto magistrado, faz parte da Assembleia-Geral, em obediência ao Artigo 9° dos seus estatutos. A Deljomar presta serviços de consultoria não especificados intervindo, também, na construção civil, comércio geral, exploração mineira, etc. Com quotas iguais a do Procurador-Geral da República, fazem parte da referida sociedade comercial os Srs. Delfim de Albuquerque e Mário Albuquerque.9
Todavia, é na Prestcom – Prestação de Serviços e Comércio Geral Limitada, que o General João Maria Moreira de Sousa, enquanto magistrado, exerce a função de gerente, conforme o estatuído no Artigo 7° da referida sociedade comercial e legalmente reconhecida pelo Ministério da Justiça.10 Na Prestcom, uma empresa vocacionada ao comércio geral e à prestação de serviços não especificados, o actual Procurador-Geral da República partilha a sociedade com o compatriota Mário Alberto Paulino e o Sr. Moussa Thiam, de nacionalidade Maliana.
Em termos legais, as actividades empresariais do General João Maria Moreira de Sousa, enquanto magistrado, ferem, de forma grave, a lei fundamental do país. 3
O Artigo 141° da Lei Constitucional estabelece, como incompatível, “o exercício de funções públicas ou privadas, excepto as de docência ou de investigação científica e ainda as sindicais da respectiva magistratura”, por parte dos magistrados do Ministério Público. O n° 2 do Artigo 17° da Lei da Procuradoria-Geral da República especifica que o Procurador-Geral é o mais alto magistrado do Ministério Público.
Ademais, como pode, o Procurador-Geral da República estar directamente envolvido, no foro privado, na prestação de assessoria jurídica, consultoria e serviços não especificados? Porquê Sua Excelência, o Sr. Presidente da República, não exerce autoridade para pôr termo aos abusos de poder e de confiança depositados em servidores públicos como o General João Maria Moreira de Sousa?
Ao nível da administração do Estado, o caso do Procurador-Geral da República deve ser visto no quadro de uma prática generalizada aos mais altos níveis do Governo, Forças Armadas Angolanas, Polícia Nacional, Assembleia Nacional e da Presidência da República. Essa prática, conforme dados oficiais que tenho recolhido nos últimos três anos, para a análise académica da economia política de Angola, revelam a efectiva privatização do Estado para benefício exclusivo dos dirigentes, suas famílias, associados estrangeiros e apoiantes.
Todavia, a arrogância com que o Procurador-Geral da República desrespeita a Lei Constitucional e legislação afim ridiculariza, sobremaneira, a seriedade das instituições do Estado, sobretudo a justiça, pois este tem a função de exercer “o controlo da legalidade, de forma a que a lei seja respeitada pelos organismos de Estado e entidades económicas e sociais, em geral, utilizando o mecanismo de protesto, se necessário (…).”11
11 Vide Alínea A do Artigo 2° da Lei da Procuradoria-Geral da República.
Excelência,
Como Chefe de Estado, do Governo, presidente do MPLA (partido no poder) e Deputado à Assembleia Nacional, com mandato suspenso, assume as maiores responsabilidades política e moral, na prevenção e no combate contra a corrupção.
Assim, cabe a Sua Excelência, investido de poderes absolutos e como responsável directo pela conduta do Procurador-Geral da República, anunciar à sociedade medidas concretas que visam garantir o respeito pela lei, por parte dos titulares de cargos públicos e a devolução do poder do Estado à esfera pública.
A Procuradoria-Geral da República requer, para seu governo, uma personalidade com integridade moral e com elevado padrão de ética. Essa personalidade não deve ser vista, pela opinião pública, como sendo influenciado pela necessidade pessoal de aquisição de riqueza ou estar sob suspeita de a obter através de meios ilícitos. Só um procurador respeitador da lei poderá exercer a fiscalização da legalidade dos actos do governo e seus titulares. (Rafael Marques)
CANALMOZ – 30.11.2009