O pensamento
Viriato Caetano Dias
Por melhor que sejam as intenções do Governo de tornar a máquina administrativa mais célere, a pobreza absoluta que não dá tréguas ao povo moçambicano, há-de sempre condicionar o sucesso dessas intenções. É assim que grandes projectos com pernas para andar, nunca chegam sequer a gatinhar. A governação electrónica – no meio desses projectos – é uma excepção.
A Governação Electrónica é mais uma, dentre várias “inovações”, que o “Homem” do século XXI inventou. Mas, esqueceu-se de lhe atribuir um “conceito global”, tal como cão é cão e gato é gato. Cada governo, cada país, a seu belo prazer, vai-lhe atribuindo conceitos diferentes, de acordo com a vontade dos seus perfilhados. É assim que acontece, na prática, quando uma “inovação” nasce sem um “pai”, como as nossas crianças, órfãs de pai e/ou mãe, estão nesta vida “maledita”, coitadas, só e só!
Cá por mim, a Governação Electrónica não é mais do que o uso das novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no sector público e não só – pretende-se que seja uma estratégia conjunta do Governo, o Sector Privado, a Sociedade Civil e as Comunidades Rurais – para a melhoria de vida dos moçambicanos e do país em geral.
Desde 2002 que o Governo tem apostado na Governação Electrónica, entre os mais diversos objectivos realizáveis, destaco apenas dois: (1) “Proporcionar acesso universal à informação a todos os cidadãos para melhorar o seu nível e desempenho na educação, ciência e tecnologia, saúde, cultura. Entretenimento e nas suas actividades em geral” (2) “Criar uma rede electrónica do Governo que concorra para aumentar a eficácia e eficiência das instituições do Estado e contribua para a redução dos custos operacionais e melhoria da qualidade de serviços prestados ao publico.”
Estou em altura e em condições de assumir (porque uma parte muito ínfima da minha vida profissional está ligada às TICs) que o Governo já superou em mais de 50% os objectivos acima mencionados, estando, neste momento, a superar os restantes. Julgo não estar equivocado nem a exagerar, muito menos a desinformar a ninguém, quando digo que o acesso às TICs atingiu, só em 2009, mais de 50% da população activa no país. É uma autêntica “revolução tecnológica” que os factos não escondem.
Ver um filme de ´Amitabh Bachchan’ já não constitui um sonho para muitas crianças / adultos que nas décadas de 80 e 90, lutavam por um lugar no Cine Kudeka, em Tete. Lembro-me da azáfama das pessoas em conseguir um assento naquele Cine. Era com se tivessem ganho uma passagem para o paraíso. Actualmente, este desejo passou para a história “das memórias individual e/ou colectiva.” Os telemóveis, que no inicio de 1999 (não tenham a menor dúvida), constituíam uma espécie de “apartheid tecnológico” entre as “castas”. Hoje a realidade é bem diferente, falar de Portugal com o meu amigo “Mandvezo” no Distrito de Zóbwè, em Tete, deixou de ser um mito! Assim como deixou de ser mito ter o mundo em nossas mãos.
Certamente que não estou esquecido que as TICs “lavaram” a imagem de algumas instituições públicas e privadas, que quando fossem visitadas pelos cidadãos, difícil era alguém sair de lá, sem deixar “um recado” aos serviços. Era frequente ouvir-se dizer palavras como estas: “estes gajos não trabalham nada, pá! Estes gajos são preguiçosos, isto só pode estar a acontecer em Moçambique! Estou aqui há mais de 4 horas na “fila indiana” à espera da minha vez para ser atendido, ou ainda, o meu chefe ainda não chegou / assinou os documentos; ora porque a certidão X ou Y não estava pronta, ora porque a mesma certidão tinha que ser emitida em Zumbo quando a pessoa estava em Maputo, ora porque o registo criminal demorava, no mínimo, 9 meses para chegar ao destinatário” etc., etc., etc., por outro lado – da parte dos funcionários – tínhamos outra realidade, a seguinte: “toda esta demora é porque o estafeta não foi levantar ou depositar a encomenda nos correios, estou com dores de coluna devido a esta lastimável máquina de escrever, ora porque as telecomunicações com a capital Maputo eram deficitárias devido ao mau tempo, ora porque a maquina de calcular tinha acabado pilha, ora porque “hoje” não há voo para mandar estes documentos à Lichinga, ora, ora, ora!
Tudo isto mudou. Uma das grandes transformações no sector público tem a ver com a mudança de mentalidade dos seus funcionários. Um simples aparelho (computador) é capaz de controlar a tudo e a todos, sem distinção da cor ou cargo que a pessoa ocupa. A pontualidade e a perfeição passaram a ser as palavras de ordem, quer no sector público como no privado. A emissão de documentos deixou de levar meses e até mesmo anos. Qualquer funcionário, querendo, pode aceder à rede electrónica do governo ou ao portal (extensivo ao público em geral) para pretensões diversas. As conferências, graças ainda às TICs, podem ser dadas via on-line, e o envio de documentos, despachos, relatórios, dossier, etc., deixou de dependente da temperatura ou do voo disponível! Uma mudança total e completa. Ah! Até os jornais electrónicos são um produto a ter em conta da Política de Informática do Governo. Com o seu aparecimento na sociedade, qualquer um, onde quer que a pessoa esteja, pode ter acesso ao jornal via on-line, racionalizando custos e não só (aqui está o essencial) ajuda no meio ambiente.
É sabido, porém, que qualquer iniciativa nova, principalmente num país como o nosso, com uma taxa de analfabetismo a rondar na casa dos 70 % (carece de confirmação) as pessoas não vêem com bons olhos a mudança e, quando tal acontece, o descontentamento é maior. De resto não é um caso isolado do nosso país. Em qualquer sociedade, independentemente do grau académico do seu povo, não há receita que resista a pretextos de mudanças. Tem sido assim, infelizmente, em alguns sectores dentro do Aparelho do Estado, a existência de alguns funcionários que fazem do primitivismo tecnológico das coisas uma esteira para glórias suas e das gerações vindouras. Pior ainda quando essa resistência vem de cima (do topo), associado à superstição, os objectivos até então traçados para sortir efeitos desejados, são forçados a fracassar. Volta-se à estaca zero!
Não compreendo como é que o Portal do Governo distrital de Alto Molócuè, bem como dos Governos Provinciais (com a excepção de Manica, Maputo-Cidade e Maputo-Província) criados há mais de 1 ano pela Unidade Técnica de Implementação da Política de Informática estejam tão esquecidos e tão ignorados pelos seus beneficiários. Uma ferramenta que poderia - bem aproveitada e aplicada como deve ser - mitigar a pobreza absoluta nas províncias e no país em geral virou “património da desgraça” do povo. O pior de tudo, “para o inglês ver”.
É aqui, nas TICs, onde o futuro do país começa!
Zicomo kwambiri (muito obrigado)