Por ocasião dos 80 anos do poeta moçambicano
A Escola Portuguesa de Moçambique irá lançar hoje uma antologia do poeta moçambicano Virgílio de Lemos. Intitulada “A Invenção das Ilhas”, a obra será apresentada pelo arquitecto José Forjaz. Na ocasião, será igualmente lançado o livro “Meu Mar de Tochas Líquidas” que reúne poemas de Lee-Le-Yang, um dos heterónimos de Virgílio de Lemos. A organização, selecção de poemas e prefácios de ambas as obras são da autoria do professor universitário António Cabrita.
Virgílio de Lemos, é no, dizer de Eduardo Lourenço - um dos incontornáveis pensadores portugueses do século XX -, e a par com José Craveirinha e Rui Knopfli, um dos três poetas de vulto de Moçambique. Acrescente-se a este juízo, o de Luís Carlos Patraquim (um dos grandes poetas moçambicanos pós-independência) para quem Eugénio de Lemos foi “o mais experimentalista dos poetas moçambicanos”, e percebe-se porque a edição de uma antologia que fizesse uma panorâmica pela obra vasta e dispersa deste poeta, tão desconhecido na sua terra, se tornava imperiosa.
Virgílio de Lemos - irmão do pintor Eugénio de Lemos - foi um dos grandes impulsionadores do movimento literário moçambicano nos finais dos anos 40 e anos 50, e editou, em 1952, juntamente com Domingos Azevedo e Reinaldo Ferreira, a folha de poesia Msaho (contemporânea da revista Négritude de Aimé Césaire, de quem foi amigo e colaborador em revistas como “Presénce Africaine”) que procurava enaltecer as culturas locais moçambicanas e criar uma poética moçambicana, que rompesse com os paradigmas literários impostos pela colonização.
Preso pela PIDE
Após ter sido absolvido de um processo judicial por crime de desrespeito à bandeira portuguesa com um poema escrito, em 1954, pelo heterónimo Duarte Galvão (no qual dizia que a bandeira portuguesa era “uma kapulana verde e branca”), Virgílio de Lemos colaborou, entre 1954 e 1961, com a génese da resistência moçambicana, escrevendo para várias publicações como “O Brado Africano”; “A Voz de Moçambique” - o jornal de esquerda da altura - “Tribuna”, “Notícias”. Entre 1961 e 1962, o Poeta esteve preso, acusado pela PIDE de subversão e de incitamento à independência de Moçambique.
Depois da sua libertação e dado o clima de repressão política, Virgílio de Lemos saiu de Moçambique, percorreu as ilhas do oceano Índico, mais tarde, as do Dodecanese (Grécia) e da América Central, passando, em
Africaines” (Bélgica) ou “Bonniers Literãra Magasin” (Suécia).
Na sua obra literária, escrita tanto em português como em francês, destacam-se
Poemas do Tempo Presente (1960), obra apreendida pelo órgão de censura da
época - a PIDE; L’Obscene Pensée d’Alice (1989), L’Aveugle et L’Absurde (1990),
Ilha de Moçambique: a língua é o exílio do que sonhas (1999), Negra Azul (1999) e Eroticus Mozambicanus (1999), uma antologia saída no Brasil pela prestigiada
editora Nova Fronteira, onde é estudado nas universidades, e Para Fazer um Mar, 2001.
Heterónimos como Pessoa
Respondendo a um dos maiores desafios do Modernismo e sob influência de Fernando Pessoa, Virgílio de Lemos desdobrou-se em heterónimos, numa multiplicação de vozes realmente distintas da sua, sendo de realçar os livros de Duarte Galvão e de Lee-Li-Yang, uma lusa-macaense e o primeiro heterónomo-mulher no mundo de língua portuguesa.
A sua escrita é poética fragmentária, sintética, com imagens surrealistas e eivada de uma dimensão cósmica, onde se abordam sobretudo as temáticas do onirismo, da liberdade do desejo, das problemáticas existenciais. O lirismo de Virgílio não desprezou, no entanto, a crítica às injustiças sociais e a repressão colonial.
Poeta de um raro cosmopolitismo, Virgílio de Lemos foi um dos poetas moçambicanos que mais se deixou embeber pela grande poesia universal, do modernismo brasileiro ao Concretismo, à poesia inglesa de Whitman, Shakespeare, Eliot, ou à francesa de Rimbaud, Baudelaire, Verlaine, Michel
Leiris (com trabalharia no Museu do Homem, em Paris) e Saint John-Perse; a tudo absorveu e transformou no seu cadinho alquímico.