Por administradores e primeiros secretários do partido no poder
O jornalista e director do semanário Magazine Independente, Salomão Moyana, afirmou, em Maputo, que os Fundos de Investimento de Iniciativas Locais, FIIL, que o Executivo injecta, aos distritos, anualmente, mais do que os desenvolver, servem para aliciar pessoas a serem membros da Frelimo.
Moyana disse que a concessão dos FIIL – também, conhecidos por sete milhões de meticais, por ser, inicialmente, de sete milhões de meticais alocados para cada distrito – tem à cabeça os administradores e primeiros secretários do partido no poder, Frelimo.
Falando, há dias, numa palestra subordinada ao tema “Ciência Política como Factor de Desenvolvimento”, na na Universidade A Politécnica, Moyana disse que os famosos sete milhões de meticais podem ser usados para a elaboração de trabalhos de carácter científico, por estudantes da Ciência Política, para aferirem até que ponto os mesmos servem para ajudar os distritos a desenvolver, assim como em que medida servem para o aliciamento político de pessoas a filiarem-se no partido no poder.
“Os sete milhões de meticais servem para agradar algumas bases e os que se beneficiam deste dinheiro são escolhidos, a dedo, pelo administrador e pelo primeiro secretário distrital. O caso mais caricato é que os que não o devolvem são apelados a fazê-lo e não há medida tomada, senão preservar a lealdade política”, disse, afirmando que a introdução do curso de Ciência Política, nesta instituição de ensino superior, vai permitir que situações desta natureza sejam vistas de uma forma crítica.
“Para que servem os sete milhões?” – questiona o jornalista e prossegue – “não servem para o desenvolvimento económico do distrito, mas sim, para fins políticos”.
Ana Matos, estudante de Ciência Política, disse que a sociedade civil deve ser mais forte e actuante, uma vez que a maior parte da população moçambicana é rural e os camponeses estão dispersos. Segundo Matos, a falta da Ciência Política nota-se ausente, nestes locais. “Os camponeses são auto-suficientes e não querem saber de nada. Isto diminui o debate”, observou.
O académico Raul Chambote disse que a abertura do curso de Ciência Política, por parte da A Politécnica, é bem vinda, para os moçambicanos, pois, o conhecimento da política, no País, é assegurado por poucos moçambicanos que se formaram, no exterior.
Chambone indicou que 90 porcento das assinaturas de financiamentos de dívida do Estado são feitos pelos gestores de empresas, bancos e políticos e isto pode valer a dívida de um Estado sendo que se os jovens quiserem vivem bem, a nossa geração deve se acautelar desta situação.
Afirmou que estas assinaturas, muitas vezes, são feitas por pessoas que não são contabilistas e esta é uma das oportunidades que a A Politécnica criou, para se conhecer as regras deste jogo entre outros.
“Por que é que as grandes assinaturas com o Fundo Monetário Internacional,
FMI, e o Banco Mundial, BM, são decididos por políticos e, no fim, todos carregamos o fardo?” – questiona, afirmando que a Ciência Política pode ajudar, na interpretação deste e outros fenómenos.
Lembrou que o recém-terminado processo eleitoral deu, aos moçambicanos, um grande exemplo.
“Em muitos casos, não participamos na política, mas legitimamos os observatórios
da pobreza”, disse, explicando que os Conselhos Consultivos distritais não existem, na Lei (o Decreto 11/2005). Este documento fala, apenas, da participação local que é dirigida pelo administrador distrital.
“Se não entendemos a política não vamos entender as regras de jogo, na distribuição de recursos”, observou.
Como que a sustentar suas declarações, a fonte disse, por exemplo, que, nas zonas rurais, passam torres de alta e média tensões de transporte de energia eléctrica, nas proximidades das zonas residenciais de algumas comunidades, mas, por ausência de conhecimentos da Ciência Política, as pessoas pensam que, apesar de a energia passar perto das suas residências, só pode ser usada por aqueles que vivem nas cidades.
“O empreendedorismo não pode resolver estes problemas, mas sim, a Ciência Política”, disse, sublinhando que, actualmente, se fala da Reforma no Sector Público, mas existem funcionários que ainda não sabem usar um computador. Afirmou que os sete milhões de meticais são úteis; são adquiridos como uma dívida que o Estado vai pagar: os moçambicanos devem saber disto. (Cláudio Saúte)
Estudo confirma uso dos FILL para aliciamento
Um estudo feito, no distrito de Gorongosa, província de Sofala, e apresentado, este ano, durante a II Conferência do IESE, sobre o tema “Dinâmicas da Pobreza e Padrões de Acumulação em Moçambique”, denuncia, também, a utilização, pelo Estado, do erário público, mais concretamente, dos Fundos de Investimento de Iniciativas Locais, FIIL, com a finalidade da conquista do espaço político, ao nível local, através de construção de alianças locais, numa lógica clientelista, tal como mostra, por exemplo, o caso de um antigo delegado da Renamo, Marichera Gemusse, que se converteu em secretário da célula do partido Frelimo.
A seguir, o Jornal A TribunaFax transcreve, na íntegra, de Marichera Gemusse, um ex-militante do partido Renamo que, à semelhança de tantos, foi aliciado para ser da Frelimo, com base nos FIIL:
“(…) eu nasci aqui, na localidade da Casa Banana. Tenho 50 anos e, sempre, vivi aqui. Durante a guerra, fui uma pessoa importante para a Renamo. Eu mobilizava a população para apoiar os soldados da Renamo.
Nunca fui soldado, mas a Renamo me respeitava muito. Quando a guerra terminou, em
“Todo esse trabalho que fiz não foi reconhecido pela Renamo. A Renamo não me deu nada, nem sequer uma lapiseira, nem subsídio (…) uma vez, quando fui pedir subsídio, para alimentar as minhas crianças, a Renamo disse-me que não tinha nada. Como eu via que não ganhava nada, decidi sair da Renamo em 2005. Fiquei um ano sem fazer política (…) em 2007, apresentei-me na Frelimo. Quando
veio a ministra, em 2007, aqui, na Casa Banana, eu contei toda a minha história, aos jornalistas e toda a gente aplaudiu”, acrescentou.
Continuando, a fonte diz que “o administrador trouxe
Alguns entrevistados, pelos pesquisadores, têm, igualmente, a percepção de que a sua condição de membro do partido no poder facilitou, em grande medida, o processo de aprovação e financiamento dos seus projectos. A este propósito, António da Costa, por exemplo, não tem dúvidas.
“Eu recebi o dinheiro, em 2007. O meu projecto é de compra e venda de cabritos (...) compro cabritos a 600 meticais cada, e revendo a 700. Quando escrevi o meu projecto, eu pedi 26 mil meticais, mas recebi 30 mil meticais. Penso que o facto de eu ser membro da Organização da Juventude Moçambicana, OJM, (um braço do partido no poder para a juventude) tem me ajudado muito. Por exemplo, nesta coisa de projecto, se eu não fosse membro do partido (Frelimo), não teria a facilidade que tive para o meu projecto ser financiado”, diz António Costa citado pelos pesquisadores.
Segundo o estudo, a implantação da burocracia administrativa, escolas, postos de saúde em zonas onde o Estado esteve ausente, durante a guerra civil, tem-se traduzido na implantação das estruturas partidárias da Frelimo, nessas mesmas zonas, mediante o uso de recursos públicos para aliciamento de membros da Renamo, nas antigas bases do partido de Afonso Dhlakama, onde neste momento, existe grande parte de seus militantes e apoiantes.
A questão do uso de meios e dinheiro do Estado, pelo partido no poder, para fins meramente político-partidários é mencionado por muitas fontes credíveis e tal como é o caso dos de J. Hanlon & T. Smart que, na sua obra publicada, em 2008, intitulada “Há mais Bicicletas. Mas há Desenvolvimento?”, consideram que a redução de espaço de separação entre o Estado e o partido no poder não diz respeito, apenas, a Gorongosa.
Hanlon e Smart escrevem que “a seguir às eleições de
Funcionários públicos e figuras da sociedade civil estão, agora, debaixo de pressão para se juntarem ao partido. (…) existem cada vez mais alegações de que é mais fácil obter licenças e empréstimos ou donativos do governo, sendo membro do partido”. (Hanlon & Smart 2008:17).
A TRIBUNA FAX – 27.11.2009