A FACE DO DIÁLOGO
Nos tempos em que os homens rudes imperavam, os bandidos nas cruzes penduravam. Hoje que vivemos na época das luzes, no peito dos bandidos penduram cruzes – António Marinho Pinto, Bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal
Dei comigo na semana passada a estudar o “Fenómeno Corrupção”. Recorri a vários livros científicos, compêndios, obras religiosas, artigos de opinião e mais alguma coisa para tentar perceber este fenómeno macabro que não pára de causar vítimas mortais no mundo todo. Até os mais imbuídos na matéria, inclusive aqueles que faziam da corrupção uma esteira (modo) de vida, não foram poupados.
Consultei a todos eles. Apenas houve uma única excepção no rol dos programados: os curandeiros.
Difícil foi encontrar um curandeiro que me pudesse fazer compreender através daquele seu mundo da mistificação e da magia o motivo que leva um “vampiro” (porque não tenho outro nome a dar a um corrupto que não seja este) a alimentar-se do sangue do seu próximo. Ninguém dos meus “inquiridos” deu-me, para já, uma explicação plausível que não me levasse a concluir que a corrupção mais não é do que um alimento (maná) sempre apetecível dos políticos.
Não há vacina que a combata, nasceu com os homens.
Nós somos, enfim, “herdeiros” de Caim. Não há outra explicação.
Não há um dia que passa em que a minha refeição é tomada sem um caso de corrupção. Podemos dizer que este é o ano de fartura para os jornalistas que não disfarçam o sorriso ao abrirem os seus telejornais, ou quando escrevem os seus editoriais sobre os casos de corrupção. Ao fazê-lo, aplicam-lhe os melhores métodos do ofício nunca antes vistos, tudo para anunciar a “boa nova” aos destinatários. Os noticiários radiofónicos, sem querer ficar atrás da festa, descrevem o cenário como se estivessem a relatar uma partida de futebol daquelas de “cortar o coração”.
Tudo isto têm uma explicação: se no passado recente os ladrões de patos eram levados às cruzes, actualmente o cenário é o contrário, são os proprietários dos patos ou “filhos” destes que às cruzes vão. Os maus exemplos vêm de todos os lados, de Moçambique, de Timor-Leste, de Portugal, da França, até mesmo de “locais santos”, como é caso do Vaticano! O vício, a ganância, a ambição desmedida, o desejo ardente pelo poder tornam as pessoas vulneráveis ao mal. A moralidade, a ética, a deontologia profissional e religiosa são bens que nos dias de hoje perderam a cotação.
“Num val´pena, Muna, a corrupção é o que está a dar aqui no país da marrabenta! Dizia um amigo meu, ao telefone, de Nampula.
Não compreendo como é que aquelas pessoas que fazem da inteligência uma profissão para dirigir “massas” e promover o bem-estar social possam, instigadas pelo dinheiro, meter-se em labirintos da corrupção, destruindo não só a si, mas também os pilares de desenvolvimento dos países que representam. O pior de tudo é que essas mesmas pessoas são portadoras de um programa de governação repleto de versos e prosas tão lindas, tão lindas de fazer inveja a Luís Vaz de Camões.
Palavras douradas, mas que não combatem a corrupção, pelo contrário, promovem-na. Tudo não passa de discursos esfarrapados para saciarem os seus estômagos à custa do povo que dizem representar.
Uma cambada de oportunistas sem bandeira, sem escrúpulos nem moral.
Basta olhar para o julgamento do “Caso Aeroportos de Moçambique” para perceber o quão o Estado foi burlado por pessoas instruídas. Não tiveram pena nenhuma de minimizar o sofrimento de milhões de pessoas que estão a braços com a miséria um pouco por todo o país. Dinheiro que daria para construir muitas escolas, hospitais, reabilitar estradas, etc., foi usado para multiplicar os apetites pessoais de certas “castas” familiares e partidárias. Tinha razão o músico Jeremias Nguenha quando dizia que “estes gajos comem sozinhos e deixam o povo a chupar o dedo”. Disse o meu amigo. Para depois acrescentar:
“De tanto a barriga avançar (feito poderosos de todo o terreno) até lhes saem corcundas, tal é o efeito da riqueza transbordante. Outro até tem lábios cor-de-rosa”, rematou.
A corrupção no nosso país não é um assunto de hoje nem deve ser vista a partir do “Caso Aeroportos de Moçambique”, que é apenas mais um, dentre vários, denunciados e repudiados pelo povo e pela Comunidade Internacional. Não é por acaso que Moçambique ocupa o 130º lugar (2,5 pontos), uma descida de quatro pontos em relação ao igual período do ano passado, no ranking dos países mais CORRUPTOS do mundo, de acordo com os últimos dados divulgados na semana passada pelo Índice de Percepção da Corrupção 2009, da ONG Transparência Internacional. É caso para dizer que algo vai mal no nosso país, ou será que é do “óculo de madeira” – dirão alguns – que transformou o “capim seco em palha?”
Faz parte da natureza dos mortais seguir os maus exemplos das coisas más, tal como o alcoolismo, a prostituição e o tabagismo, a corrupção é um vírus que gera habituação e contágio nas pessoas, principalmente entre os políticos. É assim que, em Portugal, a corrupção está a deixar o país numa situação de profunda crise de que há na memória dos portugueses.
De acordo com a mesma fonte, Portugal está no 35º lugar com 5,8 pontos, uma diferença não muito grande – como poderá parecer – em relação a Moçambique.
A jovem nação de Timor-Leste não fica atrás.
Ocupa o 143º com 2,2 pontos. Bastou a descoberta do petróleo ser anunciada naquele país irmão para os políticos encarrapitarem-se pelo poder. Vejam o caso de Xanana Gusmão, um líder histórico da resistência Maubere e 2º presidente da República Democrática de Timor-Leste, 1º depois da ocupação indonésia; de presidente depressa passou a 1º ministro, numa eleição descrita por muitos como tendo sido fraudulenta, ganha, aliás, pela Frente Revolucionária de Timor-
Leste Independente (FRETILIN), do nosso bem conhecido amigo Mari Bim Amude Alkatiri. Gusmão, actual Primeiro-Ministro de Timor-Leste, ocupa, simultaneamente, os cargos de Ministro da Defesa Nacional e dos Recursos Minerais e Energia. Tanto poder nas mãos de um só homem que, à semelhança do seu homólogo português, Eng.º José Sócrates, é acusado no seu país de tráfico de influência e corrupção.
A França não foge à regra. Ocupa o 24º com 6,9 pontos. Jacques René Chirac, antigo presidente francês, está a contas com a justiça do seu país, pois é acusado também de prática de corrupção. O Vaticano, como no desporto, cada vez mais a
surpreender-nos pela negativa. Ora porque o padre X ou Y é acusado de tráfico de armas, de corrupção passiva, de abuso sexual de menores, etc.; no futebol idem, não são poucos os casos que acompanhamos de dirigentes desportivos corruptos. Na semana passada foi notícia na SIC Notícias e na RTP-Internacional casos de dirigentes e árbitros acusados de corrupção desportiva. A FIFA prometeu tomar medidas!
Sobre este fenómeno – Corrupção –, escreveu Manuel Caldeira Cabral, no Jornal de Negócios de Portugal do dia 19 de Novembro corrente (estou a citar), enquanto houver pessoas que, com a sua decisão, podem fazer com que outros ganhem ou percam milhares ou milhões de euros, há incentivos à corrupção (sic).
Cá por mim, nem que se aumentem as molduras penais, nem que se fiscalizem as pessoas, nem que se implementem as melhores práticas de gestão, nem que se consultem os curandeiros dos mais “perigosos” que existem, a corrupção levará sempre a melhor. Só há uma única vacina letal contra a corrupção (não falha) que é o VOTO POPULAR!
Kicomo Kwambiri (Muito obrigado)
CORREIO DA MANHÃ – 25.11.2009