Incendiando casas alheias na calada da noite
· Primeiro uma carta de aviso. Dias depois, à noite, o fogo em toda a casa
· Secretários dos bairros já receberam cartas de aviso e um deles viu a sua casa incendiada
Inicialmente, as vítimas, cujas casas eram incendiadas pelos malfeitores, eram funcionários do Estado que não fossem naturais de Mopeia. Isso levou a que se pensasse que os incêndios fossem protagonizados apenas contra os não naturais. Mas agora, já não há como distinguir os alvos dos incendiários, pois tanto os naturais quanto os não naturais acordam, a altas horas da noite, no meio do fogo, com as suas casas e os seus bens todos a arderem. Ante o olhar impávido das autoridades locais, o que todos os populares sabem dizer é que há perigosos incendiários que ateam fogo nas suas residências e põem-se em fuga, mas ninguém sabe dizer quem são eles, de onde vêm e por que fazem o que fazem, havendo mesmo os que desconfiam que se trata de fantasmas saídos do cemitério.
Na manhã da quarta-feira da semana passada, muito calor se fazia sentir no distrito de Mopeia, província da Zambézia. Mas não era por causa do enorme calor, e nem pelo mero exibicionismo do corpo praticamente nu, que Zinha António, residente no bairro 24 de Julho, apresentava como vestimenta, apenas uma capulana amarrada sobre os seios.
“Só fiquei com esta capulana”, disse, na sua língua materna traduzida pelo nosso guia, aquela senhora que acordou de sobressalto, a meio da noite, para ver o fogo a consumir duma assentada toda a sua casa e todos os seus haveres.
Zinha António e o marido, Luís Francisco, não conseguiram salvar nada do que haviam conseguido juntar desde que se casaram há quase nove anos.
No momento em que a nossa reportagem chegou ao local, ainda se via algum fumo a sair das cinzas que sobraram da modesta casa de pau-a-pique maticada a barro.
Uma tarde apenas, em plena sede distrital da vila de Mopeia, é o suficiente para se ficar com o coração partido ao ver-se pela primeira vez aquele triste cenário de terror e pânico que atravessam os que ali residem.
Cozinhando apenas algumas mangas para alimentar a família, depois de ter ficado absolutamente sem nada para comer, uma vez que as chamas consumiram até a pouca comida que havia sido guardada dentro de casa, Zinha António não tem por que não agradecer a Deus, por uma simples razão: é que, apesar da desgraça que se abateu sobre a sua família, ela e o marido conseguiram salvar a filha da raiva do fogo posto. Foi na filha, a menina Maria Luís, de sete anos, que pensaram logo que, a meio da noite, acordaram ouvindo os gritos dos vizinhos que davam conta de que a casa deles estava a arder.
“Luís, Luís, acordem logo. A vossa casa está a arder”, gritaram os vizinhos, por volta das 22h00. Eles tinham acabado de regressar da machamba. Os dois são camponeses. Jantaram, depois foram tentar descansar, dado que há muito que, ali na vila-sede de Mopeia, os residentes só tentam dormir, tudo porque têm medo de acordarem no meio do fogo pela noite dentro.
Tal como outros populares, que acordaram a meio da noite com as suas casas a arderem, cujas ocorrências vêm sendo registadas desde que o ano iniciou, Zinha não sabe dizer como é que o fogo começou.
“Não sabemos quem queimou a casa”, disse ela, transtornada e a contar que o marido olhou à volta da casa para ver se encontrava alguma pista do malfeitor, mas sem sucesso.
SAVANA – 30.10.2009