JOÃO MANUEL ROCHA
Argentina e Brasil são os principais destinos. Números ainda são baixos, mas parecem dar forma a um novo fluxo. Reforço dos controlos fronteiriços na Europa explica tendência
O bairro El Once, em Buenos Aires, uma das zonas mais movimentadas da cidade, onde tradicionalmente se concentrava a comunidade judaica, passou a ter uma nova designação, pelo menos para parte dos seus mais recentes habitantes. Os senegaleses, que se têm instalado numa área onde também se concentram pequenos comerciantes chineses, coreanos e paraguaios, baptizaram-na como "Pequena Dacar".
A nova designação já surgiu na imprensa e é sintoma de uma tendência: o número de africanos que procuram asilo na Argentina tem vindo a crescer, ainda que, em muitos casos, a sua motivação seja pura e simplesmente escapar à pobreza. Os números desta nova rota migratória ainda não são elevados, mas têm vindo a ganhar alguma expressão e deverão continuar a aumentar.
Os africanos residentes na Argentina eram há poucos anos algumas dezenas, mas actualmente ultrapassam os três mil, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Nos últimos dois anos, segundo o jornal Clarín, o número de refugiados aumentou 142 por cento. São maioritariamente senegaleses, que vivem sobretudo da venda de bijutaria.
Em muitos casos, ao embarcarem, estes novos imigrantes nem sabem para onde vão. Foi o que aconteceu com Ibrahim Rahman. "Uma noite fui para o porto. Pensava que ia para a Europa. Só depois me dei conta que estava na Argentina", contou à Reuters um antigo menino-soldado que há anos escapou à guerra civil na Serra Leoa e atravessou o Atlântico num navio de carga, numa viagem de 35 dias.
Escondidos, Atlântico fora
"Vemos casos em que chegam escondidos no leme de um navio. Imagine-se o que é cruzar o Atlântico escondido num espaço tão reduzido, tentando não serem vistos pela tripulação", disse à agência noticiosa Fernando Manzanares, responsável dos serviços de imigração da Argentina, que qualifica como "muito favoráveis" as políticas migratórias do seu país. "É um reflexo da história. O que se passou com os imigrantes europeus há cem anos está a ocorrer agora com os imigrantes africanos", acrescentou.
Os imigrantes podem pedir asilo ou visto de trabalho temporário de três meses, renovável. Mas, segundo o Clarín, o aumento de pedidos de asilo levou já a um endurecimento dos critérios de atribuição de vistos. A maioria acaba por trabalhar clandestinamente, sem direito a assistência médica e sem fazer descontos. A Comissão Católica das Migrações diz que quando lhes é recusada autorização de residência, os imigrantes permanecem no país e convertem-se em alvos fáceis das redes de tráfico de pessoas.
A Argentina, tal como o Brasil - onde os africanos são 65 por cento dos que requerentes de asilo, segundo dados do Comité Nacional para os Refugiados, divulgados pela Reuters - estão a ser destinos para novos emigrantes da África Ocidental, principalmente do Senegal, Costa do Marfim e República Democrática do Congo. Os que vêm da África Oriental, de países como a Somália e a Etiópia, parecem preferir o México ou a Guatemala.
Um caso contado pela Reuters é o de Mohamed Hassen, um somali condutor de camiões, que vendeu os bens, atravessou o Quénia e Tanzânia e chegou a Moçambique, onde pagou 1500 dólares a um passador que o levou num navio até São Paulo. Atravessou depois a Colômbia, o Panamá, a Costa Rica, a Nicarágua e a Guatemala, onde foi detido e espera pela resposta ao pedido de asilo que apresentou.
O objectivo último dos que viajam para países mais a norte será, em muitos casos, entrar nos Estados Unidos, explicou Carolina Podestá, responsável pela informação do ACNUR para a América Latina, que relaciona a atracção pela América Latina com o endurecimento dos controlos fronteiriços nos países europeus.
PÚBLICO – 23.11.2009