Resposta a Sousa e Castro (e Alves Fraga)
(…) Em relação aos acontecimentos anteriores a 25 de Abril de
1974, nos quais estive razoavelmente envolvido, não encontro
de si registo significativo em nenhum deles. (…)
Sousa e Castro, in texto de 26-12-2009
Sobre o conteúdo da carta deste oficial, que tive dificuldade em encontrar na net, posso dizer que o enquadramento feito é completamente equívoco. É que eu não estou a comentar os factos como actor “significativo”, nem sequer como interveniente nos mesmos, mas pura e simplesmente como investigador da nossa História recente e nomeadamente, do ocorrido no pré, durante e pós 25 de Abril, quer na Metrópole, quer no Ultramar. Isto após um Curso Complementar de Informação que terminei na Universidade Católica (em pós laboral) em 1993.
Assim as “balizas” da resposta de Sousa e Castro ao meu texto estão defraudadas à partida. E quando diz ter pedido informações minhas a Vasco Lourenço, foi bater à porta errada, já que é mentira eu “ter sido um dos raros oficiais, de patente abaixo de tenente-coronel, saneados na sequência do 25 de Abril”. Houve de facto uma proposta do Conselho da Arma de Infantaria, a que aquele oficial pertencia, mas que foi suspensa em finais de 1974 e mais tarde anulada. Deste modo fica esclarecida a dúvida de Alves Fraga (aquele senhor que diz de si – “para quem como eu faz História, através da busca constante da verdade…), de eu ter participado no Posto de Comando do 25 de Novembro, como oficial no activo, “apesar de «saneado»”.
Quando decorrer o julgamento da acção judicial que coloquei recentemente contra Vasco Lourenço, por difamação contra mim, num texto que difundiu publicamente, poderá Sousa e Castro e o público em geral, ficar mais esclarecido sobre o sucedido naquela época.
Apenas chamaria a atenção para o facto de haver oficiais convencidos de que o processo dos saneamentos foi “muito democrático”, quando para mim foi uma das maiores vergonhas do pós-25 de Abril. Recordo o texto que postei na net em Maio passado, na sequência da publicação do livro de Vasco Lourenço, que iniciava deste modo:
“(…) Apesar de constar no Programa do MFA (agora lei constitucional) a dignificação do processo penal em todas as suas fases, venham a reali-
zar-se “julgamentos secretos”, em que se praticam violações dos art.ºs 7.º, 8.º, 10.º e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (…).
Requerimento ao CEMGFA do Major Inf.ª Manuel Bernardo em 1-2-1975
E mais à frente referia:
(…) Estará este oficial (Vasco Lourenço) a falar da mesma realidade descrita por aqueles 28 majores (moção do meu Curso de Infantaria/ 1960), por Casanova Ferreira, por Brochado Miranda, ou por Sousa Menezes? Procedimento democrático? Considero que tais afirmações não têm a mínima credibilidade; e sublinha-se ainda que nem uma única vez Vasco Lourenço refere o carácter secreto das decisões, sem qualquer direito a serem conhecidos os fundamentos das mesmas, como seria da mais elementar justiça, para quem delas quisesse recorrer. Tal procedimento, como já foi salientado, era contrário aos mais elementares Direitos do Homem “
A ingenuidade de Sousa e Castro brada aos céus, quando faz afirmações como estas:
(…) Apesar da probabilidade de termos errado, é absolutamente certo que se indícios houvesse, por ínfimos que fossem, de que se tinha empenhado no derrube da ditadura, tal acto não se verificaria.”
Eu passo a explicar…
Actividades conspirativas e de apoio no 16 de Março de 1974
Respondendo à letra às acusações depreciativas de ter sido “saneado” e de não ser apenas “um certo capitão” de Novembro, posso acrescentar que participei, a partir de Moçambique, na conspiração do Movimento dos Capitães – fui um dos dois capitães que assinaram, em Setembro e Novembro, em Boane (comandante da companhia do COM), os documentos contestatários, incluindo o pedido de demissão de oficial do Exército, que fora sugerido pela delegação do Movimento em Luanda (vide meu livro “Combater em Moçambique; Guerra e Descolonização; 1964-1975”/2003, pp 221, 222 e 237).
Quando regressei a Lisboa, em Janeiro de 1974, e inesperadamente fui colocado na Academia Militar, mantive a ligação aos oficiais envolvidos na contestação, neste estabelecimento militar, como Otelo Saraiva de Carvalho e Florindo Morais.
A minha colaboração no 16 de Março consistiu no facto de ter apoiado Otelo, quando ele me pediu telefonicamente, na manhã desse dia, que lhe enviasse dois oficiais para a rotunda da Encarnação, onde ele se encontrava com o Miquelina Simões. De facto consegui que o então TCor. Fisher Lopes Pires fosse com o Major Nuno Bívar (ia à Amadora dar uma aula) ter àquele local. (in Otelo Saraiva de Carvalho, “Alvorada de Abril”/1977, pp 278 e 281). E as minhas actividades relacionadas com o Movimento estão descritas no livro de Manuel Barão da Cunha “Radiografia Militar”/1975, pp
Considerações sobre a descolonização…
No restante texto da carta, na minha opinião, Sousa e Castro, continua a utilizar a técnica da omissão quando lhe convém. Depois do já referido caso do 28 de Setembro, e quando pretende, mais uma vez, depreciar a actuação de Jaime Neves, ao referir “o seu apoio indefectível a Soares Carneiro, durante as Presidenciais de 1980, corroborando o coro de ataques e insultos ao seu comandante de Outono de 1975 (Eanes)” ?!!!!!
Aqui omite o enquadramento partidário da época, já que Soares Carneiro conseguira o apoio do PSD, do CDS e de parte significativa do PS, enquanto Ramalho Eanes (PR) tinha aceite o apoio do PCP! Para Jaime Neves, para mim e julgo que para grande parte dos oficiais e da população em geral, era uma situação bastante difícil de aceitar em relação ao PR.
Sobre a descolonização, apesar de não lhe agradar os comentários feitos, Sousa e Castro tem alguma razão quando refere serem Mário Soares e Almeida Santos os protagonistas do processo. Aliás, na sequência da publicação do livro “Quase Memórias” deste último político, em 2006, tive ocasião de manter uma polémica com ele na net, entre Setembro e Novembro, não apenas por não concordar com afirmações produzidas e as más transcrições de livros meus, mas também por o leitor desprevenido ficar a ideia de que a responsabilidade pelo vergonhoso processo descolonizador ser apenas dos militares. Para mim as culpas devem ser repartidas por políticos e militares. (vide meu livro “Guerra Paz e Fuzilamento dos Guerreiros; Guiné 1970-1980”/2007, pp
Sobre o pessoal envolvido na descolonização, vir dizer que Rosa Coutinho regressou muito antes da independência (a seguir ao Alvor) e que “os três movimentos angolanos estavam, á altura, em absoluto pé de igualdade.”, não traz qualquer aproximação à realidade então vivida
Por amor de Deus, igualdade em quê? Basta ler o que afirma o General Silva Cardoso, em entrevista que me deu (depois ampliado no seu livro “Angola; Anatomia de uma Tragédia”/2000):
“(…) Os procedimentos do MFA de Angola (Pezarat Correia, José Emílio da Silva, Correia Jesuíno e Soares Rodrigues), com Rosa Coutinho em Alto-Comissário, era de afastar todos aqueles que se opusessem à estratégia delineada, no sentido de equipar, armar e potenciar o MPLA, de modo a não ter problemas, aquando da tomada do poder”.
E mais à frente sobre o ocorrido pouco tempo antes do Acordo do Alvor e de ser nomeado Alto-Comissário para Angola, Silva Cardoso acrescentava a sua conversa com o General Costa Gomes:
“(…) Já dei muito a Angola, tanto antes como depois do 25 de Abril. Haver uma saída minimamente digna, sei, agora, que isso é impossível. O MPLA vai enveredar pela via da força, assim como a FNLA também está preparada para tomar o poder, pelo mesmo meio. Aquilo vai ser um inferno, uma verdadeira tragédia.(…)”
(…)”Quando cheguei a Luanda, para assumir as funções de Alto-Comissário e perguntei por Iko Carreira, disseram que estava na União Soviética a seleccionar armamento para equipar o MPLA, o qual chegou a Ponta Negra, a bordo de navios. (…)”
(…) Tínhamos um serviço de informações a funcionar onde se fazia o registo de todos os incidentes cometidos pelos movimentos. À data da minha partida (Julho de 1975) a situação era sensivelmente 800 atribuídos ao MPLA, 350 à FNLA e 180 à UNITA. (vide o meu livro “Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975”/2004, pp 271, 273, 275 e 277.)
Outras considerações…
Depois da situação descrita terá alguma lógica fazer uma analogia entre o dito “saneamento político” de Rosa Coutinho, com o sucedido comigo? Diz Sousa e Castro: “Julgo que até pela sua eventual iniquidade terão bastante paralelismo”! Face aos níveis distintos de responsabilidade e de funções, julgo que não há comparação possível. Podia por exemplo fazê-lo em relação a Otelo ou Carlos Fabião…
Sobre o “facto histórico” que pretende “impor” acerca da “actuação negativa” de Jaime Neves, frente aos blindados chefiados por Pato Anselmo, na Avenida das Naus, segundo oficiais, quer do grupo deste militar, quer dos subalternos de Salgueiro Maia, a acção do agora General Jaime Neves foi decisiva para a rendição. Como resultado da sua conversa, sozinho em frente da coluna, as guarnições dos blindados viraram as torres no sentido inverso, apesar da indecisão de Pato Anselmo. O que aliás, é confirmado pelas fotografias de Eduardo Gajeiro, como referi anteriormente.
No entanto Sousa e Castro tem razão no pormenor da coluna de Salgueiro Maia ter chegado ao Terreiro do Paço, antes de Jaime Neves e a sua equipa, assim como eu me ter enganado, por lapso, na identificação do oficial que terá comandado (ou coordenado) as forças nesta praça: seria o TCor. Correia de Campos e não o TCor. Costa Campos. Tal como Sousa e Castro no texto agora remetido para a net, disse ser Inês de Medeiros e não Maria de Medeiros, que produziu o filme sobre o 25 de Abril, que ambos consideramos uma caricatura do acontecimento.
Lamentando não ter acedido à proposta de Victor Elias (no Portugal Club) de não voltar a discutir estes assuntos, por razões óbvias, dado estar em causa a minha honorabilidade, acrescento que, pela minha parte, dou por encerrada a minha participação nesta polémica.
Manuel Bernardo 29-12-2009
Veja: http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2009/12/carta-aberta-a-marcelo-rebelo-de-sousa2.html