Sentença do julgamento marcada para 26 de Fevereiro
A sentença será proferida na sede do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo
Iniciado a 16 de Novembro último, na escola secundária Francisco Manyanga, mais concretamente na sala de conferências «Aires Aly», terminou ontem, a fase de produção de provas do julgamento dos cinco réus indiciados do desfalque de cerca de 55 milhões de meticais da empresa Aeroportos de Moçambique (AdM).
Neste que já é considerado, pela maioria dos advogados presentes, o “julgamento do sistema, do establishment e da nomenclatura”, o Ministério Público (MP) pediu a condenação de todos os réus. Por seu turno as respectivas defesas julgam que os seus constituintes devem ser absolvidos pois, segundo os advogados dos réus, não se provou que eles sejam criminosos. Apelaram ao tribunal para julgar os factos de acordo com a realidade moçambicana. A sentença foi marcada para o dia 26 de Fevereiro na sede do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo.
Da acusação do MP
Diodino Cambaza: o antigo presidente do Conselho de Administração (PCA) dos AdM é acusado pelo MP, que manteve a acusação dos crimes, de “autoria material e moral de forma continuada, crime de falsas declarações, crime de desvio de fundos do Estado e abuso de cargo e função”. De referir que Diodino Cambaza é réu preso no presente processo.
Antenor Pereira
O antigo administrador financeiro dos AdM é acusado de co-autoria dos crimes dos quais Cambaza é acusado. Também está preso.
Maria Deolinda Matos
A ex-administradora da Sociedade Moçambicana de Serviços (SMS), uma Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada (SARL), é acusada pelo MP de ser cúmplice do esquema montado naquela empresa comparticipada pelas Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) e pelos AdM, ambas detentoras de respectivamente 50% do capital da mesma. Também está presa.
António Munguambe
Para este antigo ministro dos Transportes e Comunicações – Ministério de que também Armando Guebuza foi titular depois de resgatado por Joaquim Chissano, após o ostracismo a que foi votado por Samora Machel – o Ministério Público (MP) manteve a mesma acusação. Desvio de fundos do Estado na qualidade de encobridor. Responde em liberdade.
António Bulande
Ao sobrinho de Munguambe, então seu chefe de gabinete do ministro no MTC, o MP manteve a acusação nos mesmos termos e pelos mesmos crimes cometidos por Munguambe. Está em liberdade.
De realçar que na acusação, o MP, representante do Estado, refere que todos os cinco réus agiram em “premeditação e em pacto” para defraudarem a empresa AdM. (Luís Nhachote)
Na hora das alegações orais
Defesa desconsertada dividiu advogados
Filipe Sitoe, jurisconsulto de Maria Deolinda Matos, administradora delegada da SMS, questionou as razões da sua constituinte estar detida e o ex-ministro e seu respectivo ex-chefe de gabinete estarem a gozar de liberdade quando estes foram beneficiários do esquema.
Abdul Gani, Vasconcelos Porto, Damião Cumbana, à excepção de Máximo Dias, condenaram as alegações do colega que consideram que melhor cabia ao Ministério Público (MP)
Os cinco advogados de defesa, que vem defendendo igual número de réus no presente processo dos AdM, estiveram divididos quanto à estratégia de defesa dos seus constituintes por razões que a seguir se explicam.
Filipe Sitoe
O jurisconsulto Filipe Sitoe, que defende os interesses da ré Deolinda Matos, nas suas alegações e na rota do MP, disse que a sua cliente deve ser absolvida pois ela não é cúmplice do esquema montado pelo quarteto que com ela se sentou no banco dos réus.
Sitoe disse que Maria Deolinda Matos não devia estar ali, mas sim Maria João Coito, então PCA da SMS, a quem catalogou de “pombo-correio” das mensagens do accionistas da AdM naquela sociedade anónima.
Sitoe considera que Maria João Coito “é uma séria candidata a ré”, pois desde a fase de instrução até à produção de provas “deu uma virada de 180 graus”.
Sitoe nas suas alegações questionou o tribunal, as razões da sua cliente estar detida, alegando que ela não beneficiou de nada. Mas o “ministro Munguambe e o seu chefe de gabinete, o Dr Bulande não estão detidos”, porquê?
“Houve quem teve Audi A6, salários sem trabalhar, casas, reabilitações, dinheiros. A Dr.ª Deolinda não viu e nem beneficiou de nada disto mas está detida na cadeia de Ndlavela. Isto é demolidor, Meritíssimo, para quem tem mais de 35 anos de rectidão” disse o defensor de Deolinda Matos perante a estupefacção dos seus pares.
“Este fraude tem um mentor conhecido e famoso” concluiu.
Vasconcelos Porto
O jurisconsulto de Diodino Cambaza, imbuído de linguagem futebolística disse ao tribunal que desde a primeira hora este o tratou com estigma ao recusar a audição de algumas testemunhas por ele solicitadas e aceitar outras por ele recusadas. Considerou que a arbitragem o colocou sempre em “fora de jogo”. Disse que o seu constituinte foi acusado no “jogo” em base de três peças: a denuncia de Hermegildo Mavale, ex-administrador financeiro dos AdM, num relatório preliminar do Ministério das finanças e no Zeca Alfazema, um agente imobiliário, de quem disse ter sido a pessoa “que deu à imprensa os documentos das casas”.
Porto disse nas suas legações que ao prescindir das declarações de Hermegildo Mavale, Maria João Coito e António Loureiro (que no entanto mesmo assim vieram a acontecer), fazia-o porque aqueles todos eram membros do CA dos AdM e agora todos atiram as responsabilidades a Cambaza quando funcionavam em colégio e podiam votar contra as ordens que achassem que fossem contra os seus princípios, sem que o tenham feito.
Abdul Gani
O advogado do ex-ministro Munguambe começou as suas alegações enumerando as qualidades profissionais do seu cliente, que vão desde a formação académica aos vários cargos assumidos no governo moçambicano como sinal de uma pessoa idónea e séria. “Inesperadamente esta aqui no banco dos réus como o mais vil dos criminosos”.
Gani disse que Munguambe ao pedir bolsas de estudo não o fez como superior hierárquico mas sim como alguém que está a fazer um pedido e “não a dar uma ordem”. “Por isso é que em algumas instituições por si tuteladas houve recusa”, alegou o advogado de Munguambe.
Gani referiu ainda que Munguambe não agiu com intenção dolosa, por isso quando os factos emergiram e ele viu que podia incorrer em crime, devolveu o carro e o dinheiro aos AdM.
Damião Cumbana
O jurisconsulto de António Bulande, então chefe de gabinete de Munguambe no MTC, disse que o seu cliente teve dois contractos, um com os AdM e outro com a SMS. Com a primeira empresa consistiu em empréstimos financeiros, “que está a pagar”, e com a segunda, um outro de “trabalho subscrito sem oposição das partes”.
Sobre o polémico contracto de trabalho, Cumbana considerou que o Conselho de Administração da SMS “não era composto por crianças, nem por pessoas com intervalos de lucidez”. Ele defendeu a tese de que se a SMS não lhe deu trabalho – a Bulande – “a culpa não é dele”, mas que quando solicitado a fazê-lo, fez o que tinha a fazer.
Máximo Dias
O defensor de Antenor Pereira, começou por referir nas suas alegações que o presente julgamento era mais de carácter pedagógico e didáctico, pois era o sistema que estava em julgamento. Dias, um veterano das lides da advocacia disse que muitos factos em julgamento começaram antes do seu cliente estar afecto às AdM. “Ele iniciou as suas actividades num vespeiro, onde foi encontrar práticas instituídas”. Dias referiu que no relatório de auditoria e sindicância está explicito que Antenor Pereira foi a “única pessoa que pagou aos AdM os 25.000 U$D que pediu emprestado”. Adiante, Dias disse que o caso AdM era apenas a ponta do iceberg, de práticas instituídas, pois disse saber, sem dizer quais, que outros dirigentes deste país usam bens das empresas por si tuteladas, impunemente.
Na generalidade, todos os advogados, sem excepção, apelaram à absolvição dos seus clientes. (Luís Nhachote)
CANALMOZ – 23.12.2009