USD30 milhões malparados
-No período 2003-8, dos 35 beneficiários dos créditos, apenas 13 reembolsaram e, destes, apenas um tem efectuado pagamentos em todos os anos
-19 (52,2%) nunca reembolsaram. A maioria está ligada à Frelimo
-O Governo ignora apelos do TA, no sentido de recorrer a meios coercivos de que dispõem para exigir o pagamento do valor
Por Francisco Carmona
Tal como vem acontecendo desde 2002, o Tribunal Administrativo (TA) volta à carga e acusa as autoridades governamentais de ignorarem todos os alertas desta instituição no sentido de cobrarem os fundos do Tesouro na maioria entregues às elites políticas ligadas ao partido Frelimo, através de critérios pouco claros. Pelas contas que se fazem na base dos números publicados pelo TA, a inércia governamental está a prejudicar o Estado em 30 milhões de dólares que estão neste momento nas mãos da nomenklatura.
Este posicionamento vem expresso no mais recente relatório do TA sobre a Conta Geral do Estado referente ao exercício económico de 2008 e já na posse do SAVANA.
Segundo uma fonte do chamado Tribunal de Contas, o documento já foi oficialmente entregue ao Presidente da Assembleia da República, Eduardo Mulémbwè, a 30 de Novembro. Deverá ser debatido pelos deputados que provavelmente tomarão posse a 10 de Janeiro de 2009, após o Conselho Constitucional promulgar os resultados eleitorais a 28 deste mês.
“Não estão a ser accionados os mecanismos contratuais previstos para o cumprimento das obrigações dos adjudicatários, desigadamente no respeitante aos prazos, montantes de amortização e juros de mora, assim como não está a ser feita a cobrança coersiva prevista nos dispositivos legais”, lamenta o TA.
O TA sublinha que tem vindo, desde
Assim, o Tribunal afirma que no período entre 2003-8, dos 35 beneficiários dos fundos, apenas 13 (37,1%) reembolsaram. Destes, acrescenta o TA, apenas um tem efectuado pagamentos regularmente, em todos os anos. Três (8.6%) foram outorgados em 2008 e os restantes 19 (54.2%) nunca reembolsaram qualquer montante. Basicamente (ver tabela), um número considerável das empresas que não honram com os seus compromissos têm na sua estrutura accionista figuras ligadas ao partido Frelimo, que retiraram dinheiro do Estado, sem fazer o devido retorno em tempo útil.
Aliás, ao conceder estes empréstimos, o principal desiderato do Estado era criar uma burguesia interna que pudesse alavancar o desenvolvimento nacional que, por seu turno, deveria concorrer para o combate à pobreza, principalmente através da redução do índice de desemprego. Porém, a construção desta burguesia foi claramente baseada no saque de fundos públicos, através do crédito concedido com fundos do Tesouro, para financiar empresas sem recursos humanos e equipamentos adequados para que operassem com sucesso.
Recorde-se que os empréstimos foram feitos com base em fundos concedidos ao Estado, entre donativos e créditos destinados ao reforço da Balança de Pagamentos de Moçambique. Donativos do Japão, da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e créditos do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e da Agência de Desenvolvimento Internacional (IDA), um dos braços do Banco Mundial, foram concedidos a empresas nacionais sem garantias reais de retorno e a taxas de juro altamente concessionais.
Governo
Questionado pelo TA sobre o facto de muitos beneficiários não honrarem com os seus compromissos, o Governo recorreu a uma resposta “politicamente correcta”. Diz que tem vindo a desenvolver acções “… no sentido de incentivar as empresas devedoras a honrarem os seus compromissos. Graças a esses incentivos, dois devedores pagaram integralmente as suas dívidas”.
Dos restantes devedores, o Governo afirma que 46% reprogramaram a sua dívida e estão a pagar regularmente. 39%, ainda encontram-se no período de graça, após reprogramação das suas dívidas e 15% encontram-se numa situação duvidosa. Contudo, sobre estes números, o TA indigna-se. Afirma que o Governo não remeteu ao tribunal a lista das empresas cujas dívidas foram reprogramadas e das que estão numa situação duvidosa, assim como as adendas dos acordos.
“Também não foram detectados pagamentos nas análises feitas às contas bancárias, onde habitualmente dão entrada os valores das prestações, correspondentes aos créditos concedidos pelo Estado”, afirma a Conta Geral do Estado de 2008 que, tal como no passado, volta a pôr a nu a gestão pouco criteriosa dos fundos dos Estado.
O perfil dos devedores
Das 19 firmas que não amortizam as suas dívidas e que viram os prazos de reembolsos amplamente ultrapassados, destaque vai para a TransAustral. Esta firma é participada pelo conhecido General João Américo Mpfumo, veterano da luta de libertação e antigo comandante da Força Aérea de Moçambique. Actualmente, Mpfumo é presidente da Câmara do Comércio.
A TransAustral beneficiou de um crédito avaliado em 38. 360 mil em 2000, valor que até 31 de Dezembro de 2008 não havia reembolsado. Mpfumo tem igualmente uma empresa denominada Sociedade Geral Africana de Importação e Exportação (SOGA). Em 2000, esta firma beneficiou de um financiamento avaliado em 23.870 mil meticais, valor que ainda não foi pago, segundo o documento do TA.
Mas o relatório do TA referente à Conta Geral do Estado de 2001, publicado em 2003, indica que no caso da empresa SOGA, constatou-se que, efectivamente, quem recebeu os 23.870 mil meticais foi a TransAustral, Lda, detida por Mpfumo, com a finalidade de comprar viaturas para transporte de passageiros, para a cidade de Maputo. Consta que esta frota de viaturas de transporte de passageiros praticamente desapareceu da circulação na cidade de Maputo.
Ao que o SAVANA apurou, as condições do empréstimo foram altamente concessionais: o prazo de reembolso é de cinco anos, com diferimento de um ano a partir da chegada das viaturas.
Recorde-se que os anteriores relatórios do TA indicavam que não constava no processo de concessão do empréstimo qualquer documento para garantir a recuperação dos fundos concedidos, como por exemplo, a constituição de garantias reais, o que, segundo o Tribunal, dificulta a sua recuperação.
TSL
Os Transportes Públicos de Maputo (TPM) e a controversa TSL figuram também entre os 19 beneficiários que nunca cumprem com as suas obrigações. Os TPM, uma empresa estatal, estão a dever cerca de 80 milhões de meticais, contra 67.225 mil meticais da TSL, uma empresa falida.
A Técnica Industrial, Água Vumba, Chá Malate, Nhama Comercial, Cegraf, Mozcocos, Fasol, Colégio Alvor, Metalec, Chá Namal, Lomaco, Mabor, e a Somopesgamba são outras das 19 empresas com contas por ajustar com o Estado, segundo a tabela publicada pelo TA.
Sumbanas
O Colégio Alvor solicitou em 2002 um empréstimo ao Tesouro avaliado em 23.384 mil meticais, montante que ainda não começou a pagar.
Constituída em 2002 e com um capital social de 50 milhões de meticais (antiga família), esta instituição, que tem como finalidade o ensino privado em regime de externato e internato no distrito da Manhiça (Maputo), tem como sócios Amélia Narciso Matos Sumbana, Adriano Fernandes Sumbana, Filomena Panguene (esposa do ministro do Turismo, Fernando Sumbana Jr) e Fernando Andrade Fazenda.
Contudo, segundo o parecer do TA de 2005, o Colégio Alvor solicitou um diferimento da data do início do pagamento da dívida para Setembro de 2006, por não ter iniciado plenamente a sua actividade. Na altura, as autoridades do Ministério das Finanças, dirigido por Manuel Chang, aceitaram este pedido. Contudo, na Conta Geral do Estado de 2007 não consta nenhum pagamento da dívida por parte do Colégio Alvor. Também na conta de 2008 não consta nenhum pagamento. A 31 de Dezembro de 2008, o Colégio Alvor aparece com um saldo de 23.384 mil meticais, não se sabendo se este facto resulta do reprogramento da dívida.
Pachinuapas
A Nhama Comercial Lda figura também como uma das empresas dominadas por figuras políticas da Frelimo que ainda não começou a honrar com os seus compromissos.
Esta empresa tem como sócia, entre outros, Marina Pachinuapa, veterana da luta de libertação nacional. Actualmente Pachinuapa trabalha no Gabinete da Primeira Dama de Moçambique, Maria da Luz Guebuza.
Em 2001, esta empresa foi contrair um empréstimo avaliado em 5.186 mil meticais, mas até ao dia 31 de Dezembro de 2008, esta firma ainda não havia iniciado o pagamento da dívida.
USD 30 milhões
Nas contas do TA, os saldos dos empréstimos concedidos com fundos do Tesouro e que ainda estão fora dos cofres do Estado estão avaliados em 758.600 mil meticais em 31 de Dezembro de 2008, o equivalente a cerca de USD 30 milhões ao câmbio médio de 25 meticais. Isto significa que o Estado moçambicano deixa de encaixar 30 milhões de dólares, dinheiro que está na posse de figuras influentes ligadas ao partido no poder, onde parte significativa do montante é de “difícil cobrança”. A 31 de Dezembro de 2002, o valor em dívida, segundo o TA, estava nos 766.408 mil meticais. De lá a esta parte, a maior fatia foi cobrada em 2003 (27.798 mil meticais). O valor mais baixo foi cobrado em 2006 (1.192 mil meticais).
SAVANA – 18.12.2009