(…) Onde estavam os que hoje tão convenientemente pretendem utilizar os fuzilamentos como bandeira política?
Hoje, com o passar das décadas, tudo se torna, para alguns, tão nítido, tão simplista. (…)
José Belo, ex-Alf. Mil.º/Guiné, em 1-12-2009
Apresentando o seu comentário no site de Luís Graça, como reflexões circunstanciais a propósito deste tema, este senhor, imbuído de uma perspectiva de esquerda, típica dos considerados sectores culturalmente mais evoluídos da sociedade portuguesa, acaba por querer desculpar o que é indesculpável…
Já que se pode presumir que o seu texto vem endereçado à minha pessoa, vou tentar explicar que não tem razão. Eu não me oriento por agendas políticas encomendadas, nem utilizei os fuzilamentos como “bandeira política”. Este processo de investigação dos factos ocorridos na Guiné, decorreu de um pedido que me fez o camarada do meu Curso de Infantaria (1956-60), Coronel José Clementino Pais, pouco tempo antes de falecer, em 2006, devido às sequelas resultantes do rebentamento de uma mina na zona de Farim, onde, em 1972, comandava a C. Caç. n.º 14.
Foi assim que, apesar de nunca me ter deslocado à Guiné, avancei com a publicação, em 2007, do referido livro “Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros; Guiné 1970-
(…) Pois é Zé. Agora é a minha vez de te dizer: Paz à tua alma. Podes repousar em paz, com a certeza de que vou tentar cumprir a promessa que te fiz, há cerca de três meses: denunciar o sucedido com os teus soldados da Guiné e muitos “comandos” africanos (a maior parte dos oficiais e sargentos das três companhias existentes) fuzilados após a independência deste território.
Carnaxide – Março de 2006
As listagens dos fuzilados
Já que voltei de novo a ser acusado de apenas salientar os “comandos” africanos, posso referir que do meu texto anterior datado de 8-11-2009 e não publicado no site de Luís Graça (junta-se em anexo, assim como as três relações abaixo indicadas) já se destacavam os três anexos constantes do citado livro e onde as listagens dos fuzilados eram referidas:
1. Relação nominal de 98 indivíduos dados como fuzilados no jornal oficial do PAIGC de 29-11-1980, dos 500 que o General Nino Vieira considerou estarem enterrados em valas comuns nas proximidades das prisões.
2. Relação nominal de 86 ex-militares, milícias, régulos e cipaios, que incluía 14 fuzileiros especiais (7 sargentos e 7 marinheiros), com base na informação num livro do Ten-Coronel Queba Sambú, dissidente do PAIGC e na então existente Associação Portuguesa dos Antigos Combatentes da Guiné (apoiada pelo José Pais).
3. Relação nominal dos 53 oficiais, sargentos e praças, “comandos” africanos da Guiné, fuzilados clandestinamente (à semelhança dos anteriores) homenageados pela Liga dos Combatentes, na cerimónia de 14 de Novembro passado.
Recordando outras circunstâncias…
O ex-combatente José Belo refere no seu texto:
(…) O ajuste de contas surgiu na primeira oportunidade; mas não teria sido possível algo de semelhante se alguns dos fuzilados tivessem, noutras circunstâncias, tido a mesma oportunidade em relação aos guerrilheiros?
É uma pergunta menos conveniente, mas de considerar, tendo em conta que alguns de nós conheceram pessoalmente muitos dos fuzilados. Para nós, os que não pretendem utilizar estes CAMARADAS que ao nosso lado (tantas vezes à nossa frente!) lutaram, carregaram aos ombros os seus/nossos mortos, comungaram literalmente a mesma terra vermelha de sangue......não existem "agendas políticas", como não deverão existir
complexos colectivos de culpas.
Sobre o comportamento dos “comandos” africanos em operações, o Furriel “Cmd” Júlio Jaquité (Ob. cit. pp351) afirma:
Quando o Luís Cabral, em certo dia, na TV em Lisboa, afirmou que os comandos africanos eram assassinos, eu telefonei para essa estação de televisão e perguntei como é que se fazia um programa daqueles sem nos convidar. Os “comandos” africanos em relação à população, não matavam ninguém; e quando prendíamos militares do PAIGC, éramos obrigados a entregá-los no Comando-Chefe para serem ouvidos. Era expressamente proibido matar alguém no mato.
E este graduado esclarecia ainda:
(…) quando alguém era feito prisioneiro ninguém o podia magoar, pois era punido, tanto disciplinarmente, como
Agora pergunto eu. A existir este tipo de comportamento em operações, alguém acredita que os “comandos” africanos guineenses viessem a praticar tais fuzilamentos clandestinos em massa?
À semelhança do Prof. Dr. Manuel Rebocho, que numa tese de doutoramento (agora em livro) veio questionar o comportamento dos oficiais do quadro permanente (QP) do Exército em operações no Ultramar, também José Belo faz a distinção entre os das “agendas políticas” e os que combatiam e morriam no terreno.
Apenas recordo que a maior parte dos oficiais do QP da minha geração, fez quatro comissões por escala no Ultramar; isto é, estiveram no início da guerra em Angola e acabaram por tentar acabar com a guerra, com a sua contestação, que levou ao 25 de Abril de 1974. Eu, por exemplo, depois dos tempos de subalterno (alferes e tenente), fui sempre nomeado para comandar companhias, até Dezembro de 1973, quando regressei da 4.ª comissão em Moçambique.
E muitos morreram e ficaram feridos, como o José Pais, que num livro publicado (Histórias de Guerra; Índia, Angola e Guiné/2002, por mim prefaciado), descreve o que lhe sucedeu, numa conversa havida com o seu enfermeiro africano:
(…) -Tem cuidado, que pode haver mais minas – disse-lhe o capitão ainda consciente.
-Não faz mal, nosso capitão – respondeu o Queta valentemente.
- Pede sangue para Farim O Rh+. Não me dês água. Tenho a barriga furada. Vou ter muita sede. Se me dás água matas-me.
- Fica descansado nosso capitão. Eu sabe.
Deu-lhe a morfina, fez-lhe o garrote, pôs-lhe um penso na femural arrancada, que esguichava sangue, como uma torneira. (…)
Deste modo, espero ter esclarecido os leitores sobre a maneira como avancei para este trabalho que, à semelhança de outros realizados em relação a Moçambique e Timor, além da investigação feita nos arquivos, são incluídos os depoimentos dos participantes nos acontecimentos para, no futuro, se poder fazer uma mais realista reconstituição histórica
E termino lembrando a opinião de um investigador americano (J. P. Cann) sobre a nossa Guerra do Ultramar:
(…) Em 1971, o Exército dera credibilidade a Portugal em todos os teatros de operações e encontrava-se preparado para aguentar um compasso de espera, a fim de negociar uma descolonização. (…)
Cor. Ref. Manuel Amaro Bernardo
3-12-2009
ANEXO II - Download Anexo II Militares afr fuzilados
ANEXOIII - Download AnexoIII Relação de pessoal cmd fuzilado na Guiné