O sofrimento que identificava a população de Memba há cerca de duas décadas parece ter chegado ao fim. Antes influenciado pela guerra civil que durou mais de 16 anos que para além de um rasto de mortes deixou a fome como característica da região, obrigando as suas populações a consumirem mandioca amarga, deixou também cicatrizes profundas em milhares de famílias. Para complicar mais o nível de vida daquela população veio o ciclone Nádia, que praticamente “arrasou” o distrito.
O segredo desta viragem residiu, tal como apurou a nossa Reportagem no terreno, da persistência por parte das autoridades governamentais locais na sensibilização das populações sobre a necessidade de acabar com a fome que afectava o distrito, o que passava pelo aumento das áreas de cultivo, além do cumprimento rigoroso das instruções emanadas pelos técnicos agrários visando o controlo das doenças e pragas que afectam as principais culturas.
Para complementar esse esforço, o governo de Memba, em parceria com as organizações não-governamentais nacionais e estrangeiras que operam naquele distrito, desenhou um plano de intervenção para um período e cinco anos que potencia a alocação de insumos agrícolas, sobretudo sementes melhoradas, incluindo estacas de mandioqueira tolerante à podridão radicular e ainda recursos financeiros.
Orlando Sabonete, director dos serviços distritais de Actividades Económica em Memba, explicou que os recursos financeiros alocados aos produtores no âmbito do financiamento de iniciativas locais foram, maioritariamente, direccionados à lavoura, com recurso a três tractores adquiridos pelo Governo local com fundos públicos, pois ficou claro que a enxada de cabo curto não teria impacto no esforço de acabar com a fome.
UMA AUTÊNTICA REVOLUÇÃO
Segundo o nosso entrevistado, na safra 2000/2001 os produtores de Memba trabalharam uma área estimada em 47 mil hectares para, na campanha agrícola 2008/2009, aquele distrito vir a subir para um total de 97.741 hectares de área explorada.
Consequentemente, os volumes de produção agrícola registados nas campanhas agrícolas em referência registaram uma subida de 46 mil toneladas para cerca de 201 mil toneladas, sendo que o peso nas culturas alimentares foi de, aproximadamente, 95 porcento das colheitas globais. Para além da castanha de caju produzida em pequenas quantidades, Memba não tem outra cultura de rendimento.
Para suprir o défice alimentar que se fazia sentir no distrito no início do ano 2000, as populações eram obrigadas a recorrer ao comércio na cidade portuária de Nacala, que dista cerca de 90 quilómetros de estrada terraplenada, bem como ao sector informal que garantia o abastecimento de bens essenciais a preços especulativos.
No entanto, a revolução verde lançada pelo governo tem vindo a contribuir, de forma decisiva, para acabar com a fome em Memba. Segundo o nosso entrevistado, a injecção de fundos aos governos distritais para investir em projectos de geração de rendimento e sobretudo de produção de alimentos iniciou uma nova era de mudança de atitude das populações.
Com três tractores e as respectivas alfaias agrícolas disponibilizados pelo governo para os pontos considerados potenciais para a agricultura, os produtores aderiram aos apelos para incrementar os volumes de produção e, rapidamente, começaram a surgir gritos solicitando sementes melhoradas das principais culturas praticadas na região.
Através de feiras agrícolas o governo e parceiros colocaram a disposição dos produtores sementes melhoradas de amendoim, milho e arroz, para além de incrementar a oferta das de feijões e gergelim.Em relação à cultura de mandioca, que constitui a base de alimentação das populações locais, o governo e seus parceiros desencadearam uma autêntica batalha visando a substituição das variedades susceptíveis ao fenómeno da podridão radicular e amarga, em toda a extensão territorial do distrito. Passados três anos da operação conseguimos abranger 80 porcento de todo o distrito, o que consideramos muito positivo, pois o trabalho prossegue – explicou Orlando Sabonete.Na última safra, 45 projectos de produção de comida submetidos individualmente ou pelas associações de produtores de Memba foram aprovados no ano passado. Para a presente safra o número de projectos aprovados vai subir, como forma de corresponder à expectativa que reina no seio dos produtores locais.
Para a campanha agrícola 2009/2010 Memba tem um plano de exploração de 111 411 hectares para uma produção estimada de 218 mil toneladas de produtos diversos. 200 hectares já foram lavrados mecanicamente, enquanto outros 35 940 foram trabalhados com recurso a enxada.
Segundo Orlando Sabonete, as reservas alimentares que o distrito de Memba possui neste momento cobrem as necessidades das populações locais até Junho do próximo ano.
PRODUTORES ACREDITAM NO SUCESSO
Silva Vaquina, líder comunitário e presidente de uma associação de agricultores em Memba, anotou que a população local tem uma ligação forte com a cultura indiana “porque nos anos 1800 os indianos vieram se fixar em Memba que passou a ser uma zona preferencial para trocas comerciais, sobretudo de produtos da Índia e de outros pontos da Ásia.
Como estavam vocacionados ao exercício do comércio, os indianos pouco se preocupavam como a produção agrícola, e aquelas famílias que se interessavam faziam no máximo um hectare de culturas que constituem a base da sua alimentação, com destaque para feijões, mandioca e arroz nas pequenas baixas e margens dos rios Mecubúri e Lúrio, disse aquele sexagenário.
Segundo ele, a entrada de colonos de origem alemã nos finais dos anos 1800 e seguidamente da companhia João Ferreira dos Santos, de origem portuguesa, que introduziram as culturas do coqueiro e sisal, não contribuiu para a mudança de mentalidade das populações de Memba sobre a necessidade de trabalhar a terra para produzir a riqueza.
As famílias de Memba ficaram muito influenciadas no comércio quando eram empregados dos indianos que não viam na terra algo importante para as suas vidas. Com os casamentos entre homens do interior, em particular Eráti e Nacâroa, que vinham a Memba para trocar produtos agrícolas com pescado, iniciou um processo de valorização da agricultura mas que ficou estagnado com a guerra civil – explicou.
Silva Vaquina destacou o trabalho de sensibilização das comunidades daquele distrito costeiro feito pelo governo no sentido de explorar todo o potencial que as terras têm para a agricultura e acredita que as metas fixadas para a próxima campanha serão cumpridas.
FOMENTO DO CAJU AUMENTA RENDA
Os produtores de Memba demonstram nas últimas duas campanhas agrícolas um interesse invulgar pela cultura do caju, tendo iniciado um processo de multiplicação de mudas enxertadas para posterior venda aos interessados.
Tudo indica que o negócio é rentável, pois um produtor local já multiplicou cerca de 16 mil mudas, as quais comercializou com sucesso ao longo do presente ano, contribuindo deste modo para o processo de substituição do parque cajuícola local com sinais de velhice, atendendo aos rendimentos obtidos nos últimos anos.
Para o próximo ano o desafio é o mesmo e o referido produtor vai contar com o apoio dos técnicos do INCAJU no processo de multiplicação de mudas para que os resultados possam ser ainda superiores aos alcançados.
Por trás desta iniciativa criadora a nossa Reportagem constatou que um grupo de jovens e alguns idosos à mistura, com experiência no ramo do caju, estão envolvidos na pulverização com atomizadores, o que garante alguma capacidade ao nível do distrito para o maneio do cajueiro contra o efeito do oídio e outras doenças.
O negócio é rentável, pois 16 novos atomizadores acabam de ser adquiridos por alguns provedores de serviços de pulverização para reforçar o número já existente ao nível do distrito que produz em média 400 toneladas de castanha de caju. A tradição das populações de Memba é a pesca.
CONFLITO HOMEM ANIMAL
As populações que vivem no posto administrativo do Lúrio, na fronteira com a vizinha província de Cabo Delgado, uma área considerada pelo governo de Memba como sendo de grande potencial para a agricultura, vivem momentos difíceis e não conseguem superá-los devido à sua relutância em abandonar a região, apesar de apelos nesse sentido.
Orlando Sabonete destacou que os camponeses do povoado de Chaonde, no Lúrio, e em Mazua, conseguiram resultados extraordinários na última safra em quase todas as culturas alimentares. Este facto atrai os macacos e elefantes que invadem os seus celeiros à procura de alimentos para o consumo e o confronto entre os animais e o Homem que tudo faz para os abater, torna-se aceso, sem contudo causar vítimas humanas.
O nosso informador precisou que a saída mais provável para acabar o conflito Homem/animal naquele ponto de Memba é a retirada das populações para outras zonas relativamente seguras e com terras aráveis, pois os elefantes que se deslocaram de uma reserva do lado de Cabo Delgado, multiplicaram-se, aliado ao facto das condições locais serem favoráveis para se tornar no seu habitat devido à pela abundância de água do rio Lúrio e recursos florestais.
- CARLOS TEMBE