“Devemos exigir uso de lenço tal como é permitido a outras mulheres o uso de mini-saias, seios à mostra, costas nuas...”
O lenço é sinal de respeito e obediência para com a lei de Deus, emanada do sagrado Alcorão. O uso do lenço protege as mulheres e é, também, um símbolo de devoção religiosa, tal como uma obediência a Deus
A interdição às raparigas muçulmanas do uso de lenço ou de véu na sala de aulas e no recinto escolar, decisão tomada por direcções de alguns estabelecimentos de ensino no país, durante o período do ramadam, ainda é objecto de crítica por parte da Comunidade Islâmica de Moçambique (CIMO), que vê nisto uma injustiça e quiçá um atropelo à Constituição da República.
Em comunicado publicado e em nosso poder, a CIMO pede e exige a quem de direito, ao abrigo da Constituição da República, para rever a situação e mandar devolver às cidadãs o seu inalienável direito e liberdade de uso de lenço na cabeça, “tal como é permitido a qualquer outra mulher apresentar-se de mini-saia, seios à mostra, costas nuas, calças super-justas e sensuais, maquilhada e tatuada”. A CIMO alega que com esta acção estar-se-á a repor a igualdade dos cidadãos perante a lei.
A referida comunidade entende que a Constituição garante as liberdades individuais do cidadão e promove a igualdade dos cidadãos perante a lei; promove a liberdade, estabilidade e harmonia social e individual; promove uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura de paz e ainda a afirmação da identidade moçambicana das suas tradições e demais valores sócio-culturais. “O uso de um lenço na cabeça pressupõe uma opção pessoal de quem assim age e nada impede em termos legais de assim proceder publicamente. Na altura em que esta questão foi levantada, percebeu-se que há um regulamento escolar proibindo o uso dessa indumentária. Naturalmente, as pessoas que produziram esse regulamento erraram, porque não cuidaram de conhecer o que existe para além do seu universo e, assim, atropelaram a Constituição da República”, disse a CIMO.
Ainda socorrendo-se da legislação mãe, a CIMO, através do documento em nosso poder, defende que de qualquer modo, mesmo havendo o regulamento em causa, o mesmo é suplantado pela Constituição da República que diz, no seu artigo 2, número 4, o seguinte: “As normas constitucionais prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico”.
Num outro desenvolvimento, aquela comunidade religiosa aponta que mais grave do que o supracitado “é que essa norma escolar não cuida de promover a tolerância, a liberdade individual, a cultura de paz e do pluralismo, tão enfatizado na Constituição e despoletou um assunto deveras sensível”.
A CIMO defende que, mais do que se preocupar com questões de lenços, o “regulamento dessas escolas” devia abordar de forma clara e deciva questões muito mais importantes e, por vezes, dramáticas, que afectam os alunos e mancham o bom nome da escola e de todo o sistema de ensino como, entre outros, são os casos das “barracas” que proliferam nas imediações e até adjacente ao muro e às entradas das escolas, comercializando bebidas alcoólicas, para além da conduta imoral de alguns professores que trocam boas notas por favores sexuais das alunas.
MEC DEVE SER FIRME
Numa curta entrevista ao “O País”, o jurista e membro da comunidade islâmica Abdul Carrimo disse que, até ao momento, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) ainda não tomou uma decisão final sobre a questão da interdição ou não do uso do lenço na cabeça na sala de aulas e no recinto escolar.
“O MEC deve tomar uma posição firme sobre este assunto e, por via disso, emitir um comunicado, igualmente com firmeza. E, não apenas aparecer o ministro a dizer que não existe proibição e, volta e meia, o porta-voz do mesmo ministério aparecer a contradizer as palavras do ministro”, afirmou Carrimo, acrescentando que “o ministério como tal deve emitir uma posição firme sobre esta matéria”.
UNIFORME VS LENÇOS NA CABEÇA
Um dos argumentos colocados pelas direcções de algumas escolas que pautaram pela interdição do uso de lenço na cabeça, sobretudo durante o mês de ramadam, consiste no facto de as escolas possuírem uniforme para alunos, daí ser contraditório o uso de lenço.
Porém, instado a pronunciar-se sobre esta matéria, Carrimo disse que tal posição não passa de um argumento falso, dado que o lenço é uma peça pequena que não desfaz o figurino do uniforme. “Se bem que o lenço é classificado de tal maneira, por que não há proibição de uso de mexas, tisagem, dado que tudo isto é artificial?”, questionou Carrimo.
Para o nosso interlocutor, a medida em causa é uma simples perseguição de pessoas mal intencionadas, visto que, segundo Carrimo, tanto na Assembleia da República como em outros sectores públicos, as mulheres apresentam-se de lenço na cabeça. Aliás, a fonte acrescentou que mesmo a primeira-ministra tem-se apresentado de lenço na cabeça em eventos públicos e até no seu gabinete de trabalho.
“Então, por que é que nas escolas tem que haver essa proibição e só para as raparigas muçulmanas?”.
Num outro desenvolvimento, o nosso interlocutor disse que a Comunidade Islâmica já submeteu um documento ao ministério de tutela para dar esclarecimento definitivo sobre o assunto.
O PAÍS – 15.12.2009