por ABM (Cascais, 5 de Dezembro de 2009)
Se há coisa que aprendi na vida é que a vida está sempre pronta para nos ensinar coisas novas. Cabe-nos ter valores fundamentais para que possamos gerir o presente e tentar antecipar algum futuro.
Na área do nosso dinheiro, esta é uma altura de aprender e de analisar esses valores fundamentais. Pois as opções que tomarmos agora e nos próximos tempos poderão ser críticas.
Se se analisarem alguns dos elementos económicos que nos afectam para além do emprego e ou negócio em que estivermos envolvidos – e cinjo-me a Portugal e Moçambique, essencialmente – os indicadores permanecem algo preocupantes.
Moçambique
Em Moçambique, há a relativa boa notícia de que a inflação média baixou para níveis históricos – 1.4% nos dez meses que terminaram em Outubro. Mas o défice da balança, o corte no investimento e fontes de financiamento externos podem vir a dar problemas e a desvalorização já observada na cotação do Metical auguram dias de renovada inflação. Pois – e o governo moçambicano é o primeiro a dizê-lo e muito bem – Moçambique ainda importa imenso, mas, mais importante, importa demasiadas coisas que não deveria ter que importar. Essa velha solução “terceiro-mundista” e pouco “globalizadora” que se chama a substituição das importações, deveria ser “o” desígnio nacional. O país tem uma relativa almofada na aparentemente perpétua disposição de cerca de vinte países para subsidiarem os custos do seu funcionamento e os projectos de infra-estrutura. Mas essa disposição não é na verdade perpétua. A confiança dos agentes económicos locais baixou e o resultado foi a saída de milhões de dólares em moeda estrangeira do mercado pela porta do cavalo, dinheiro esse que faz falta ao país. Quando há poucos anos foi relativamente fácil montar a operação de aquisição da maioria do capital da HCB (a “reversão”…) hoje a montagem da operação de financiamento da barragem e central de Mpanda-Nkua (cuja construção defendo devia ser iniciada ainda nesta legislatura) está a ser menos fácil. Para além de toda a trepidação em termos do impacto ambiental, as fontes de financiamento não são o que eram há cinco anos.
E há ainda assuntos por encerrar, como por exemplo a manutenção dos preços dos combustíveis a níveis artificialmente subsidiados pelo governo. Mais cedo ou mais tarde, esses valores vão ter que ser ajustados, com as previsíveis consequências para os factores de custo.
No entanto, politicamente o país saiu de uma eleição importante com um mandato forte para o governo do partido maioritário em quase todas as esferas da governação. E em termos macroeconómicos a gestão tem sido particularmente cuidadosa.
Não se passa o mesmo em Portugal.
Portugal
As mais recentes estimativas para a economia portuguesa são quase assustadoras. Apesar de se esperar uma inflação nominal negativa este ano, há certos factores como o custo dos combustíveis que estão a níveis historicamente muito altos. O défice orçamental, que se estima agora em cerca de 8.5%, é uma loucura, apenas ofuscado na zona Euro pela Irlanda, Espanha, Itália e a Grécia, que são loucuras absolutas (mas com a desgraça dos outros todos podemos aguentar, não é?). Estes valores não levam em conta a intenção do governo central em continuar com chamados mega-projectos, cujo custo será enorme e cujo financiamento terá que vir de fora, e ainda com elementos pouco descuráveis como a contabilização da intervenção do Estado na nacionalização do Banco Português de Negócios e do Banco Privado Português, cujos processos se vão arrastando sem fim à vista. Adicione-se a esse contexto a maior dívida externa privada da história de Portugal e a crescente onda de desemprego, que deverá subir para os 11 ou 12 por cento antes que o próximo ano termine. A pressão política para aumentar os subsídios aos desempregados e as empresas já tecnicamente falidas e sem vendas aumentará e com ela os custos do governo. Governo esse que não só não tem qualquer maioria ou mandato especial para governar, como ainda por cima tem que lidar com a oposição menos organizada e mais descabida que já se viu numa geração.
O efeito destes condicionalismos económicos e políticos serão uma maior tensão social, uma maior chance de algum “caos” em termos de tomada de decisões, um contínuo aumento nos impostos directos e indirectos, uma maior pressão sobre o património e os rendimentos dos contribuintes particulares e empresas, bem como medidas “anti-corrupção” – não tanto porque a corrupção seja algo errado ou imoral, mas porque o governo central precisa desesperadamente de mais dinheiro para custear os seus programas e pagar as suas dívidas.
Curiosamente, mais por causa dos problemas similares nos Estados Unidos, o euro até agora tem mantido um valor considerável contra o dólar e a libra. Mas isso pode mudar, se se vier a confirmar que a economia europeia demorará a recuperar e irá absorver directamente os custos de financiamento dos défices acumulados dos seus estados via aquilo que os americanos já fizeram – imprimindo mais papel-moeda. Uma descida no valor do euro ajudaria nas exportações mas pressionaria a inflação e subiria as taxas de juro. Domesticamente, os efeitos poderiam ser perversos.
No caso português, corre-se ainda o risco de alguma contaminação resultante da deterioração económica em Espanha, um parceiro privilegiado e muito entrosado já com Portugal, onde a taxa de desemprego já se cifra em 20% e que está a passar por uma quebra sem precedente no sector imobiliário.
Claro que há muito pior que isso. Não consigo imaginar o que é viver estes dias no Zimbabué. Que cola com o centro de Moçambique.
In http://ma-schamba.com/cat/politica-mocambique/economia-mocambique/