Senhor Ajudante General Comandante do Pessoal do Exército : Meu General : Começo, meu General, por apresentar-lhe os meus mais respeitosos cumprimentos, endereçando estes naturalmente à pessoa de V. Exa., mas, na pessoa de V. Exa., às próprias Forças Armadas de Portugal. Forças Armadas de Portugal que, hoje e aqui, V. Exa. representa. E agradecendo-lhe também, calorosamente, a oportunidade que nos deu de, também hoje e aqui, todos nos podermos encontrar e para que todos, em conjunto, possamos pensar um pouco o Portugal que somos. Sentidamente: bem-haja por isso meu General. Meus Ilustres Camaradas de Armas : Minhas Senhoras e meus Senhores :
Convidou-me o Tenente-Coronel Piloto Aviador da Força Aérea Portuguesa, João José Brandão Ferreira, para que eu aqui viesse hoje apresentar o seu livro "Em Nome da Pátria". Refiro que este convite muitíssimo me honrou: porque desde logo se trata de uma obra notável; também porque o Tenente-Coronel Brandão Ferreira vem prestando serviços exemplares e inestimáveis a Portugal, pois de todo não se tem coibido de, com frontalidade total – à boa maneira de Oficial das Forças Armadas de Portugal –, enunciar a defesa permanente de uma Portugalidade que teima, contra ventos e marés, em manter-se viva. E nessa medida, nessa exacta medida, todos nós lhe devemos mostrar a nossa gratidão. E esta é uma oportunidade que não quero, e sobretudo não devo, perder: exactamente a oportunidade que por ele me foi dada de, aqui, perante este conjunto de notáveis assistentes, lhe dar conta desse sentimento de profunda gratidão. O que todavia penso é que a missão que acedi levar a cabo, de apresentação do livro em apreço, da autoria deste nosso Camarada de Armas, não terá em mim o melhor executante. Porque outros, certamente muito e muito melhor preparados do que eu, a poderiam concretizar, a uma tal missão. Com a consciência plena desta minha limitação, vou todavia lançar-me na tarefa. Na certeza porém de que, reitero-o, isso é uma minha atitude de gratidão: para com o Tenente-Coronel Brandão Ferreira. Gratidão naturalmente enquanto Português; enquanto também Militar – que jamais deixei de ser: desde o momento em que enverguei a farda de Soldado de Portugal.
Pois bem:
Nesta obra, de cariz salientadamente científico, isto quer em uma perspectiva da Ciência Política, quer também em uma perspectiva da Ciência Militar, o autor faz um estudo profundo do que foi o nosso envolvimento na defesa das Terras do que se chamou – e foi – Ultramar Português. Começa o autor por fazer o enquadramento da nossa posição em termos Geopolíticos e em termos Geoestratégicos. Mas definindo ser o objectivo primacial do seu trabalho o de fazer uma avaliação – direi: objectiva – sobre a "Justiça da Guerra", conexionando este conceito com o princípio consistente no "direito de fazer a guerra". Direito, direi eu, que assume claramente os contornos de dever. Sim, porque Portugal foi confrontado com o dever de fazer a guerra, porque era dever seu o de exercer um tal seu direito. O processo político português, em termos de História recente, vai-se desenvolvendo, especialmente na segunda metade do século XX, depois por conseguinte da grande confrontação de 1939/45, no âmbito de um contexto internacional com dois parâmetros essenciais que o definem: Em primeiro lugar temos a vivência da Guerra-Fria; Em segundo lugar temos a vivência descolonizadora. Ora, se a primeira vertente teve uma consequência que eu direi aglutinadora da própria Civilização Ocidental – aquela em que então, de alguma forma agora também, nos inseríamos –, a verdade é que a segunda vertente desencadeou, ou potenciou que se desencadeassem, contradições insanáveis dentro do círculo referido e a que chamo de Civilização Ocidental. No livro do Tenente-Coronel Brandão Ferreira toda esta problemática é equacionada e dilucidada desenvolvida e lucidamente, sendo muito especialmente de sublinhar toda a determinação conceptual através da qual é possível caracterizar a nossa específica posição neste contexto. Na verdade, são trazidos à colação os conceitos essenciais de defesa nacional, este na sua dúplice perspectiva, de defesa militar e de defesa em sentido amplo, aqui se fazendo um natural apelo às questões de carácter político, económico, social e cultural. E também o conceito de segurança nacional é referenciado, apurando-se que o mesmo contende com a própria ideia nuclear de sobrevivência nacional. E também se referenciam os conceitos de protecção civil, de planeamento civil de emergência, de situação de crise, propondo-se ao leitor o conceito, eu diria, finalístico, de guerra, com tudo o que este conceito implica em termos de dinâmica própria, como resultante que é da necessidade, eminentemente justa, de preservação do pré definido interesse nacional.
Prosseguindo esta determinação conceptual, no livro do Tenente-Coronel Brandão Ferreira precisa-se ainda o que seja o terrorismo, adiantando-se naturalmente que a concreta actuação terrorista é protagonizada pela organização ou associação terrorista. No assinalado âmbito de fricção à escala praticamente global, qual haja sido o da Guerra-Fria, denotando contradições intrínsecas quase insanáveis, o cenário foi, para Portugal, sintomaticamente penoso e adverso. Isto porque, inserindo-se Portugal claramente no lado dos Valores Ocidentais, protagonizando também, empenhadamente, nos seus Territórios Ultramarinos, a implementação de tais Valores Ocidentais, Portugal acabou contudo por ver- se confrontado, por alguns dos seus naturais aliados, com posições de todo adversas e em muitos casos resultantes até de uma evidente ignorância pela banda desses mesmos seus aliados. O que se refere, mas sem prescindir de que até pode sustentar-se que, em muitas dessas situações, de inimizade empenhada oriunda dos nossos naturais aliados, até pode validamente visualizar-se o dedo insidioso do outro lado da barricada. Veja-se a teia: de uma banda estávamos posicionados claramente junto dos nossos aliados naturais – éramos membros da NATO – e, certamente também em decorrência desse posicionamento geoestratégico, prosseguimos nos nossos Territórios do Ultramar a efectiva defesa, em sentido profundo, dos princípios aglutinadores do círculo continente desses mesmos nossos aliados. Porém, nessa mesma interioridade de um tal círculo relacional, com maior ou menor premência, fomos vítimas de forças intrínsecas, completamente adversas aos seus próprios interesses e, naturalmente, aos nossos interesses. É o caso, modelar, de Angola, quando, nos primórdios da década de sessenta, aquele território vê desencadearem-se sobre si os genocídios da UPA, depois FNLA. Quem impulsionou esta organização terrorista – e aqui nos encontramos a lançar mão de um dos conceitos enunciados pelo Tenente-Coronel Brandão Ferreira –, sabemo-lo em termos de História cientificizada, porque documentada, foram aliados nossos! Tudo em decorrência da segunda premissa integrante da mencionada dicotomia de perspectivas, segunda premissa que foi a mencionada vivência descolonizadora. Toda esta teia de prementes contradições esteve presente, às vezes irrompendo com uma força tremenda e avassaladora, no nosso dia-a-dia daquele tempo, condicionando-o fortemente. Lembremos a propósito o que foi a actuação da ONU, ou, acaso se prefira, veiculada através desta organização supra nacional. O Tenente-Coronel Brandão Ferreira debruça-se de seguida sobre a situação interna portuguesa. Ora, é de salientar que os encontros/desencontros que acima se assinalaram e que entre si foram colidindo, às vezes violentamente, não deixaram também de fazer-se sentir em termos internos. A doutrina oficial foi sempre, então, a da prevalência da Nação, apresentando-se este conceito em obediência a dois parâmetros matriciais: o da unidade nacional, sendo esta unidade incindível, e o da soberania originária. De acordo com o primeiro parâmetro, foi definida doutrina muito clara no sentido de que o Todo Nacional não era negociável e tinha que ser defendido a todo o custo – com recurso até aos meios militares, se necessário fosse e tendo vindo a verificar-se ser necessário esse recurso. Quanto ao segundo parâmetro, o que contende com a soberania originária, foi desenvolvido o pensamento nuclear de que a soberania residia na própria Nação, sendo atributo desta. E, dada a essencialidade destes dois parâmetros, foram os mesmos erigidos em princípios de natureza e com dignidade constitucional. Esta posição de Portugalidade essencial, matricial à própria definição de estado – do Estado Português – teve uma aceitação generalizada no Todo Português. O que se refere, mas sem prejuízo de que não pode perder-se de vista que, apesar disso, as tensões do cenário internacional referido não deixaram de afectar-nos também em termos internos, sendo certo que, com o decurso do tempo, teve lugar uma agudização dessa mesma afectação. É que, com efeito, houve sempre quem, no plano interno, deduzisse empenhada oposição à implementação dos princípios matriciais referidos. Houve sempre quem pusesse em causa, múltiplas vezes, empenhadamente, a própria sobrevivência da Nação Portuguesa. Nesta sua análise sobre a situação interna portuguesa, o autor não se exime de exercer pronúncia sobre o dinamismo da História neste período de tempo, no início do qual se verificou um empenhamento do poder político constituído no sentido da acalmação interna e com vista à criação de condições de estabilidade, sendo de salientar que foi a ocorrência objectiva de tais condições de estabilidade que permitiu que Portugal suportasse o embate que se fez sentir com toda a violência no início da década de sessenta. Sintomaticamente, o País aderiu por completo ao projecto defensional que então lhe foi proposto pelo poder político, o que permitiu que, em termos de absoluta normalidade, as Forças Armadas tenham podido responder ao que então lhes foi solicitado, denotando completa eficácia no combate aos desequilíbrios impostos do exterior, estes acontecidos em decorrência, por um lado, da mencionada Guerra Fria, por outro lado em decorrência também das próprias contradições do nosso lado da barricada, contradições estas, por outro lado ainda, impulsionadoras de algumas, então incipientes, depois mais e mais fortes, pressões internas. No início da década de sessenta começou então, efectivamente, um ataque concertado, em termos de efectiva actuação terrorista, ao Portugal Ultramarino. O Portugal Metropolitano reagiu: através do necessário enunciado, por reiteração, dos princípios políticos que vinham sendo definidos em termos de doutrina nacional – Portugal era um todo indivisível, detentor de soberania própria e originária e tinha o direito de preservar a sua Independência, direito este que era, não o esqueçamos, naturalmente potenciador do inerente dever de actuar em termos de defesa. E reagiu também através do então implementado esforço no terreno, com recurso à necessária firme actuação das Forças Armadas Portuguesas. Podendo dizer-se, a propósito desta actuação de reacção, que a mesma foi brilhante e efectivamente coroada de efectivos resultados positivos para a nossa posição.
A subversão fez-se sentir agudamente em Angola, na Guiné, em Moçambique. Impondo-se referir que o protagonismo dos grupos terroristas que então nos atacaram decorreu essencialmente de circunstâncias completamente exteriores, sendo certo que foram as populações, que pretensamente se pretendia libertar do chamado jugo opressor português, que foram as grandes sacrificadas: em emergência directa e imediata de tais pretensas acções de libertação! Importa ter em atenção também – e o Tenente-Coronel Brandão Ferreira não foge ao assunto – o que então se passou com a Índia Portuguesa. No domínio com efeito da tal acção concertada, em termos internacionais, contra a ideia de Portugal que então nos definia como País independente, começou a delinear-se a pretensão da União Indiana de ter para si os territórios que eram a Índia Portuguesa. E efectivamente acabou por ter lugar a invasão daqueles territórios, sendo certo que era de todo impossível fazer-se frente, com êxito, ao Exército da União Indiana. Não obstante – importa dizê-lo – houve quem ali se batesse notavelmente bem, afirmando, em condições terríveis, que a razão até estava do nosso lado. Houve heróis: na luta que então, apesar de tudo, ali se travou. Ainda a propósito destes acontecimentos, não deixa de aflorar-se o seguinte: nas explicações históricas para o que aconteceu ali não deixa de sublinhar-se sempre a completa ausência de meios militares que nos permitissem defender-nos eficazmente e bastas vezes atribui-se a esse circunstancialismo o que, em termos finalísticos, aconteceu. O argumento é impressivo. Mas não colhe: pela simples razão de que, por mais meios que para ali deslocássemos, sempre seria impossível sairmos vitoriosos de um tal ataque perpetrado e consumado pela União Indiana. Aliás, certamente até por ter a exacta noção disso, o ao tempo Secretário de Estado Costa Gomes, poucos meses antes da invasão, dali fez retirar material: que foi deslocado para Moçambique, onde, de resto, viria a revelar a sua imensa utilidade! Não sou eu que, aqui, ao avaliar esta opção deste responsável, o critico: o material e o equipamento em causa, se ficassem na então Índia Portuguesa, perder-se-ia irreversivelmente e nada de nada, através da sua permanência no território, era alterável! No domínio dos princípios, porém, estes foram então, e com pleno êxito, afirmados e reafirmados, quer no Território Metropolitano, quer nos Territórios do Ultramar, impondo-se assim constatar que a Nação, ela própria, em termos originários, assumiu a postura que se lhe impunha assumir, de preservação de inalienáveis princípios, estes localizados em plataforma de natureza constitucional e de entre os quais se impõe destacar o inegociável princípio dicotómico, qual seja da independência nacional/unidade nacional. Toda esta análise, com detalhe e rigor científico, é por completo escalpelizada na obra do Tenente-Coronel Brandão Ferreira, culminando ele, como assinalado no início desta minha intervenção, por fazer uma excursão completamente digna de registo a propósito da Justiça da Guerra e do Direito da Guerra. Se é certo que a ideia de paz é algo que deve presidir às opções das sociedades politicamente organizadas, que devem procurar dirimir os seus conflitos através sempre da mediação/negociação, certo é também que um tal conceito de paz não pode de todo confundir- se com o pacifismo. Porque este contém em si, por contraditório que isto pareça, o gérmen da violência. O que nos leva ao patamar subsequente, qual seja o da constatação de que há situações em que a guerra é justa. E por ser justa deve ser feita. Foi o que exactamente se passou no Todo Português: Portugal defendeu-se, o que era direito seu e que foi implementado em termos de cumprimento de um dever, qual fosse este o de procurar a todo o custo preservar as linhas mestras que presidiram ao longo de séculos à sua afirmação enquanto País. Foi isto, na verdade, que esteve em causa: quando pegámos em armas e tivemos a Nação em armas. Se aqui por conseguinte jogamos com os aludidos conceitos de guerra justa, como realidade que se subsume à dicotomia direito 'versus' dever, a verdade é que não deve esquecer-se a existência de um Direito de Guerra , devendo este entender-se como o conjunto de princípios, adquiridos ao nível do próprio Direito Internacional Público, que devem presidir à forma como a guerra é efectivamente prosseguida. Ora, aqui constata-se que se na verdade a guerra que nos foi imposta e que contra nós foi protagonizada pelas organizações terroristas de todo não foi levada a cabo com cumprimento das regras – eu diria: civilizacionais –, regras que, exactamente por serem civilizacionais, devem presidir aos actos de guerra, verdade é também que a nossa actuação no terreno foi sempre pautada pelo integral respeito pelos direitos humanos fundamentais. Ou seja, se do lado dos contendores que se bateram contra nós andou sempre afastada qualquer noção ou princípio de Direito da Guerra, a verdade é que as acções que em todos os teatros de operações concretizámos assumiram sempre uma característica, em primeira linha eminentemente defensional, depois profundamente humana. Portugal bateu-se durante 14 anos no Ultramar, procurando preservar este a todo o custo, e fazendo-o através da efectiva integração das populações que nele havia, independentemente da raça. A ideia de uma cidadania portuguesa generalizada foi algo que sempre presidiu à nossa actuação. Mas não deixou de ser muitíssimo relevante, e com consequências desastrosas, a controvérsia política que se gerou à volta da Revisão Constitucional de 1970, através da qual se introduziram no articulado normativo em causa a ideia de Estado, aplicável, não a todos, mas aos principais Territórios do Ultramar: Angola e Moçambique. Esta controvérsia, acontecida na era de Marcelo Caetano, à revelia, convenhamos, do que tinham sido até então os princípios nos termos dos quais moldáramos a nossa actuação, teve fortíssimos opositores no plano doutrinário, de que naturalmente destaco Adriano Moreira e Fernando Pacheco de Amorim. O primeiro, porém, ao que julgo saber, não pôde dar publicidade ao seu pensamento no Portugal Metropolitano e teve de o dar à estampa em Angola. Quanto ao segundo e também ao que julgo saber, a circulação do seu pensamento vertido em livro foi o mais dificultada que é possível. Inegável contradição esta, a do Regime!
E, na exacta medida em que tristemente saiu vitoriosa a tese da autonomia ampla dos Territórios do Ultramar, isto no patamar especificamente político e não no domínio da mera descentralização administrativa, esta mesma tese esteve na base da postergação de uma política integracionista, o que havia de resultar na descolonização racista que haveria de acontecer poucos anos depois. Aí sim, Portugal perdeu a guerra que travara com inteira justiça, em termos exclusivamente defensionais e com vista à preservação dos nossos Valores Históricos, guerra que levou a cabo sempre com integral respeito dos mais elementares princípios de civilização. O Tenente-Coronel Brandão Ferreira elenca conclusões no seu livro. Conclusões que propõe em decorrência da sua análise profunda do tema que se propôs tratar. Mas, apesar de serem conclusões, a verdade é que as mesmas consubstanciam factos concretos, demonstrados, ou demonstráveis, em termos de historicidade acontecida e que, por isso mesmo, não podem de todo postergar-se. E assim é que temos de convir inexoravelmente que a guerra de baixa intensidade que travámos não era insustentável: sustentá-mo-la e não perdemos um palmo de território que fosse. E, por outro lado, ao nível das populações, tivemo-las completamente do nosso lado, de tal forma que podemos afirmar – porque é História – que as tivemos em armas ao nosso lado. Também a circunstância de a termos travado não obstou de todo ao desenvolvimento económico e social do País, considerado este no seu todo. Bem ao contrário, como é hoje realçado por inúmeros analistas dos números, em termos económicos o progresso foi uma constante: ao logo do tempo que durou a Guerra do Ultramar. E de longe esse progresso é muito maior do que aquilo que agora nos está a acontecer! Por outro lado, quanto ao ambiente internacional e às assinaladas tensões que nele se faziam sentir, a verdade é que era claro estar em curso de alteração, a nosso favor, esse mesmo ambiente. O que nos leva a termos de dar como inquestionavelmente demonstrado que não estávamos em contra ciclo com os chamados ventos da História. No que concerne ao tempo de duração da guerra, também o Tenente-Coronel Brandão Ferreira se pronuncia, afastando por completo a ideia de que esta, a ter continuado, teria durado muito tempo. A acrescer ao muito tempo que já então teria durado. O argumento da grande duração da guerra não colhe de todo: desde logo porque os Tempos da História têm uma forma própria de serem contados, não podendo perder-se de vista o que é que na verdade esteja em causa. Ora, na nossa óptica, ou seja, na óptica portuguesa, o que estava em causa era uma definição, com contornos históricos, da própria Nação Portuguesa e da sua específica identidade. Mas pode ir-se mais longe e ultrapassar mesmo a querela que anda à volta dos princípios. Na verdade, sem de todo fazer futurologia posicionado no passado, sempre se impõe ter em linha de conta a sustentabilidade da ideia de que o fim da guerra até estava muito mais próximo do que possa pensar-se. Sendo certo que essa proximidade até significaria que a teríamos ganho. E que esta ideia não é de todo descabida, tal resulta da circunstância, integrativa de facto histórico, de que a guerra que travámos em África perdemo-la em Lisboa e não de todo nas matas africanas por onde deambulámos com êxito no pleno controlo da situação operacional vivida naqueles territórios. Guerra defensional, por um lado, clara perspectiva de ganho seu, em termos militares, também políticos, por termos as populações do nosso lado, por outro lado, guerra também eminentemente justa, eis que temos os ingredientes necessários para podermos dar por assente a completa curialidade da tese vertida no livro notável do Tenente-Coronel Brandão Ferreira.
Meu Tenente-Coronel : Meu Camarada de Armas : Meu Bom Amigo :
Disse no princípio desta minha intervenção que todos lhe devemos estar gratos. Reitero-o agora: com veemência. É necessário obviar a que a História se refaça em moldes de inverdade. Este seu trabalho contribui decisivamente para obviar a isso. E, nessa exacta medida, tem de dar-se por assente, por iniludívelmente assente, que o havê-lo dado à estampa representou mais um seu relevantíssimo contributo ao nosso Portugal de sempre.
Meu General :
Vou terminar esta minha intervenção. Mas não ficaria de bem com a minha consciência de Português – também especialmente de Militar Português, que jamais deixei de o ser – se me não dirigisse agora a V. Exa.: atenta a sua subida posição na escala hierárquica das nossas Forças Armadas. Faço-o, meu General, com o imenso respeito que tenho pela Hierarquia Militar – pela minha Hierarquia Militar. Mas faço-o ainda com a postura frontal que deve ser própria também de um Oficial de Cavalaria, apesar de eu ser um mais do que modesto Oficial de Cavalaria. Com essa atitude refiro-lhe o seguinte: Portugal está em risco, talvez agora como nunca esteve. Essencialmente porque está nas mãos de um poder político perfeitamente balcanizado, lugubremente balcanizado, mas, apesar de tudo, ou até talvez por isso, ligado a poderosos interesses profundamente anti portugueses. Esta é, meu General, uma realidade palpável. Ora, se é certo que as Forças Armadas num Estado de Direito – e uso esta expressão sem outra mais adjectivação por desnecessária, na medida em que um Estado ou é um Estado de Direito ou não é um Estado de Direito –, ora, dizia, se é certo que as Forças Armadas num Estado de Direito têm de subordinar-se ao Poder Político, certo é também que esse dever seu é apenas e tão só um mero dever funcional e não mais do que isso e tem de ceder, devendo ceder, quando esse mesmo Poder Político actue em colisão com os verdadeiros Interesses Nacionais, de entre os quais assume especial relevância a Independência Nacional. É indiscutível dever das Forças Armadas de Portugal o de dar todo o seu empenho à preservação desse estatuto, atacando o inimigo onde ele estiver, posicione-se este onde se posicionar, mesmo que a nível interno. E isto é assim, meu General, porque todos nós, os Camaradas que estão no activo, naturalmente também os que já não estão no activo, jurámos um dia assegurar através de tudo a defesa de Portugal. E se para a assegurar for necessário afrontar um poder político cada vez mais sem legitimidade alguma, pois afronte-se esse mesmo poder político. Acima dele está Portugal.
Miguel de Lucena e Leme Côrte-Real
Advogado Tenente Miliciano de Cavalaria [disponibilidade]
Porto, 9 de Dezembro de 2009.