A talhe de foice
Por Machado da Graça
Ao princípio, pelo nome, não o identifiquei. Foi preciso o Notícias publicar a sua foto para eu o reconhecer. Está mais velho, barba e cabelos brancos, mas o sorriso é o mesmo.
Estou a falar do Joseldo Massango, agora famoso no âmbito do processo dos Aeroportos de Moçambique.
Quando o conheci, há muitíssimos anos, a situação era diferente.
Havia os bons e os maus. E o Massango fazia parte dos bons. Quadro importante do Departamento do Trabalho Ideológico do Partido Frelimo.
Eu fazia parte dos maus. Junto com um grupo de outros colegas éramos conhecidos como os “esquerdistas da informação”. Só para citar o nome dos que já não estão entre nós, faziam parte do grupo o Carlos Cardoso, o Ricardo Timane e o Migueis Lopes Jr.
Enquanto os “bons” diziam sim a tudo o que a hierarquia da Frelimo decidia, nós os “maus”, diziamos muitas vezes sim mas acrescentávamos um incómodo “mas...” E, outras vezes, dissemos mesmo “não”.
O que, é claro, era reprovado fortemente pelos “bons” do estilo Massango.
Passaram-se imensos anos depois disto e vou agora encontrar o bom do Massango como declarante no julgamente do caso dos Aeroportos de Moçambique.
Ao que parece ele tinha um terreno que o Cambaza pretendia.
E o PCA dos Aeroportos, como não devia ter dinheiro para comprar o terreno, declarou lá na empresa que tinham que fazer um donativo ao Partido Frelimo.
E isso deve ter sido considerado suficiente. Diria eu que, se calhar, não era a primeira vez que tal acontecia.
Só que, desta vez, o nome a figurar no cheque não era o daquela formação política e sim o do Joseldo Massango. Porquê? Não sabemos. Será que ele ainda é funcionário do Partido Frelimo e pode receber, em seu nome pessoal, donativos para o seu partido?
Mas, ao que parece, os 25 mil dólares que a Aeroportos pagou nunca entraram nos cofres do Partido Frelimo. Ficaram, muito prosaicamente, nos bolsos do Massango. Quase na totalidade.
Segundo ele foi dizer ao tribunal, recebeu o cheque como pagamento do terreno que vendeu a Cambaza.
E, logo aqui, se levantam algumas dúvidas.
Se o Massango estava a vender, a título particular, um terreno ao Cambaza, por que razão o cheque do pagamento foi passado pela empresa dos Aeroportos? Coisa estranha, não acha, leitor?
Mas as estranhezas não acabam por aqui.
Ao que parece o tal terreno não foi vendido por 25 mil dolares, mas apenas por 20 mil. O que deu como resultado que o bom do Massango terá ido entregar os 5 mil restantes ao seu amigo Cambaza. Portanto, este recebeu da sua empresa não só um terreno como um bónus extra de 5 mil dólares.
E tudo poderia ficar por aqui, no melhor dos mundos, se não acontecesse o facto de que, em Moçambique, a terra não pode ser vendida.
Ora o declarante Massango não disse ao tribunal que tinha vendido ao Cambaza um prédio, uma casa, seja que benefeciações do terreno fossem. Disse que tinha vendido um terreno.
O que, só por si, é ilegal. Acho mesmo que é inconstitucional.
E nós vamos ficar assim? Não vai haver consequências jurídicas de tudo isto?
Será que o cartão vermelho vai continuar a permitir a impunidade dos seus portadores?
Eu já estou farto disso. Você não está, amigo leitor?
Estamos a falar de um Trabalhador Ideológico dos tempos do Socialismo. Para que ideologia trabalhará ele hoje?
SAVANA – 04.12.2009