A talhe de foice
Por Machado da Graça
A questão das manifestações de protesto da Renamo, por causa dos resultados das últimas eleições, começa a ficar preocupante.
Não propriamente por causa das próprias manifestações, que são um direito legal e constitucional de todos os moçambicanos, mas por tudo o que está a acontecer à sua volta.
Sempre que alguém ligado, seja de que forma for, à Frelimo, fala destas manifestações dá-lhes sempre uma conotação de serem coisas proibidas e perigosas.
E não há ninguém, ligado à Frelimo, que não fale deste assunto. Seja onde for, seja a que pretexto for.
E, no caso de pessoas responsáveis, como o Ministro e o Vice-ministro do Interior, com frases ameaçadoras, informando que a polícia está armada até aos dentes e coisas do mesmo teor.
E não se trata apenas de coisas que se dizem. Aparentemente, Afonso Dhlakama e todos os principais dirigentes da Renamo estão, neste momento, sob permanente vigilância policial.
Uma fonte do Ministério do Interior disse ao Diário da Zambézia que “as manifestações serão prontamente anuladas em todos os pontos do país e na Zambézia em particular, onde estão posicionados homens da FIR e SISE incluindo até Polícia Militar que dia e noite vigiam as residências dos membros da perdiz”.
Numa atitude claramente divisionista a mesma fonte do DZ disse mesmo que não haveria nenhum problema de a Renamo organizar manifestações se não fosse com Dhlakama a liderar. Porque com ele as manifestações podem não ser pacíficas.
O mesmo jornal, num texto depois repetido no Magazine Independente, citando também “uma fonte sénior do Ministério do Interior”, referiu-se longamente a movimentações de homens armados da Renamo em alguns distritos da Zambézia e mesmo à travessia desses elementos de e para o Malawi. Com essas movimentações justificava o envio de elementos policiais e viaturas potentes para esses distritos. Segundo o jornal, a sua fonte terá dito: “Já temos homens lá e os alvos são os respectivos delegados da Renamo”
Ora tudo isto tem o ar de uma campanha de intoxicação da opinião pública, levando-a a acreditar que as anunciadas manifestações são um perigo enorme para a segurança pública e o Estado está a tomar medidas para defender essa segurança.
Mas qual será o objectivo dessa campanha de intoxicação?
Como não estou dentro da cabeça de quem planeou tudo isto não posso saber ao certo, mas tenho receio que seja para dar cobertura a alguma acção do Governo contra a Renamo. Seja uma acção de tipo militar, seja de tipo político (por exemplo a interdição daquele partido ou a sua decapitação afastando Dhlakama) ou mesmo uma combinação das duas coisas.
É sabido que o Governo da Frelimo tem, desde há muito, vontade de desarmar os homens da Renamo residentes em Maringué. E pode ser que, a cavalo na sua recente vitória eleitoral, se esteja a preparar para o fazer usando as manifestações como pretexto próximo. O actual estado de fraqueza da Renamo, destroçada nas eleições e com sérios problemas internos, poderá estar a dar a ideia de que este é o momento para actuar sem correr grandes riscos.
Espero estar enganado no que tenho estado a dizer, porque aí sim correríamos o risco de voltar a um conflito que, embora eu creia que seria vencido rapidamente pela Frelimo, iria custar vidas humanas e recursos de que precisamos para o país andar para a frente.
Deixemo-nos, portanto, de belicismos, verbais ou outros, e pensemos antes em construir a felicidade de todos os moçambicanos, sejam eles de que partido forem ou até não sejam de nenhum.
Quanto à Renamo, creio que quanto mais rapidamente realizar as manifestações pacíficas melhor será para todos, a começar por ela própria. A incerteza que permanece só alimenta todo este clima de preocupação, desinformação e ameaças.
Clima em que às vezes, com um pequenino pretexto, fortuito ou intencional, se começam grandes desastres.
SAVANA – 08.01.2010