JORGE HEITOR
Presidente será o primeiro da lista de candidatos do partido que vencer as legislativas. Pode desempenhar dois mandatos, de cinco anos cada
A Assembleia Nacional de Angola, onde o MPLA, do Presidente, José Eduardo dos Santos, ocupa 191 dos 220 lugares, deverá aprovar hoje a primeira Constituição do país, que há 34 anos se tornou independente e até agora tem sido regido apenas por leis constitucionais.
Segundo foi sublinhado no oficioso Jornal de Angola pelo deputado e escritor João Melo, do partido maioritário, o projecto final contém "contribuições de todos os projectos elaborados pelos cinco partidos com assento no parlamento, assim como um número considerável de sugestões resultantes do processo de consulta pública".
No entanto, nas fileiras da oposição e em outros sectores da sociedade teme-se um retrocesso, por não haver eleição directa do Presidente da República, que irá ser o primeiro nome da lista apresentada pelo partido que vencer as legislativas.
Os deputados eleitos em Setembro de 2008 tinham poderes constituintes, pelo que lhes foi possível concluir a "lei suprema e fundamental da República de Angola", que aponta como objectivo "a construção de uma sociedade livre, justa, democrática e solidária, de paz, igualdade e progresso social".
O território angolano, diz o texto, "é indivisível, inviolável e inalienável, sendo energicamente combatida qualquer acção de desmembramento ou de separação das suas parcelas". Clausulado este que parece responder especialmente às pulsações independentistas que de há muito se notam na província de Cabinda, onde os movimentos autonomistas começaram na década de 1960 e prosseguem até hoje, apesar de uma forte repressão, exercida por dezenas de milhares de militares e de polícias.
"A República de Angola é um Estado unitário", insiste o projecto constitucional, que vira costas ao federalismo preconizado pelo Partido de Renovação Social (PRS), terceira formação política nacional, particularmente representada na região diamantífera das Lundas, no Nordeste do país.
A Constituição estipula que são órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia Nacional e os tribunais, ficando o primeiro com o poder executivo, auxiliado por um vice-presidente e por ministros e secretários de Estado, deixando portanto de haver a figura de um primeiro-ministro, cargo que desde Setembro de 2008 pertence a António Paulo Kassoma.
Mandatos de cinco anos
Os mandatos presidenciais terão a duração de cinco anos, podendo cada cidadão eleito para o cargo "exercer até dois mandatos"; e competindo-lhe nomear e exonerar o vice-presidente de entre os deputados.
É ao Presidente que cabe "definir a orientação política do país e dirigir a política nacional", não sendo responsável pelos actos praticados no exercício das suas funções, "salvo em caso de suborno ou traição à pátria". Pelos crimes estranhos ao exercício das suas funções o Presidente de Angola responde perante o Tribunal Supremo, "cinco anos depois de terminado o seu mandato".
Tanto o vice-presidente como o Conselho de Ministros são considerados órgãos auxiliares do Presidente da República, que, por outro lado, terá um conselho da República, de natureza consultiva. Neste último terão assento o vice-presidente, o presidente da Assembleia Nacional, o presidente do Tribunal Constitucional, o presidente do Supremo, o procurador-geral da República e os presidentes dos partidos parlamentares, bem como dez outros cidadãos a designar pelo chefe de Estado.
Quanto à "insígnia da República", é formada por uma secção de uma roda dentada e por uma ramagem de milho, café e algodão, representando a produção industrial e a produção agrícola. Na base do conjunto aparece um livro aberto, sobre o qual se cruzam uma catana e uma enxada. Por cima delas, a estrela da "solidariedade internacional"
Quanto ao hino nacional preconizado, contém versos como "Angola, Avante/Revoluçã
Presidente fica com "os poderes de um ditador africano"
Alcides Sakala, porta-voz e secretário da UNITA para os Negócios Estrangeiros, declarou ao PÚBLICO que o seu partido tinha proposto que a nova Constituição angolana incluísse "uma autonomia ampla" para Cabinda, o que foi rejeitado pelo MPLA.
"Só a autonomia pode resolver o problema de Cabinda, enquanto solução global, em que participem os países vizinhos de Cabinda, como a República Democrática do Congo, o Gabão e a República do Congo (Brazzaville)
Quanto ao facto de o novo texto constitucional ser aprovado um pouco mais cedo do que se tinha previsto, disse que "a metodologia e o calendário do processo constituinte foram tempestivamente alterados. As opiniões recolhidas durante a consulta pública para o enriquecimento das três matrizes de Constituição foram manipuladas ou ignoradas. Foram apenas acolhidas as opiniões emitidas pelos militantes do MPLA em relação à sua matriz".
Interrogado sobre se houve ou não consenso, contou que, "nas últimas sessões da Comissão Constitucional, todos os partidos presentes votaram contra as propostas atípicas do MPLA. O MPLA aprovou, assim, sozinho o seu sistema de governo, que consagra no Presidente da República os poderes de um ditador africano".
Catana e roda dentada
O MPLA, no seu entender, "aprovou sozinho os símbolos nacionais; quer continuar a utilizar os símbolos da República Popular de Angola. Quer que a bandeira seja a bandeira de um só partido. Quer que a ideologia de Angola seja simbolizada pelos símbolos e chavões marxistas-leninista
Sakala observou que "o MPLA continua a negar aos angolanos a consagração constitucional do direito de resistência; a consagração constitucional do direito a assistência médica gratuita; o direito à consagração constitucional dos instrumentos de garantia da efectiva liberdade de imprensa; continua a negar aos angolanos o direito a eleições livres e democráticas, organizadas por órgãos independentes, sem a interferência da administração pública".
Tendo-lhe sido colocada a questão das reservas vindas a público sobre "a lei suprema e fundamental"
Sobre se a Constituição a aprovar encarna o espírito da reconciliação nacional Sakala observou: "Esse processo fica adiado e vamos continuar a ter uma Angola a marchar a duas velocidades, com os ricos a ficarem cada vez mais ricos e os pobres, que são a maioria, a ficarem cada vez mais pobres."
Por último, interrogado sobre se o Presidente que Angola tem há 30 anos irá continuar a sê-lo, respondeu que "é intenção de José Eduardo dos Santos eternizar-se no poder".
PÚBLICO – 21.01.2010