A crise humanitária do Biafra, entre 1967 e 1970, provocou ondas de choque na Europa, Estados Unidos e Canadá, levando dezenas de mercenários, aventureiros e pilotos a acorrer a São Tomé, plataforma de apoio dos rebeldes na retaguarda.
Os mercenários compareciam apenas para ganhar dinheiro, outros surgiram por puro espírito de aventura ou para genuinamente quererem ajudar a luta da minoria cristã massacrada pelos muçulmanos do Norte da Nigéria.
O auxílio humanitário começou a chegar a São Tomé após um apelo feito por Pat Nixon, mulher do então vice-Presidente Richard Nixon, ao povo norte-americano.
No frenesim que se apoderou da tranquila ilha de São Tomé, um grupo de pilotos portugueses, na reserva da Força Aérea Portuguesa (FAP), também respondeu ao apelo, nomeadamente Artur Alves Pereira, José Eduardo Peralta, José Pignatelli, Manuel Correia Reis e Gil Pinto de Sousa, para integrarem a chamada “aviação de guerrilha” do Biafra.
Artur Alves Pereira e o seu grupo efectuaram inúmeros ataques contra tropas federais, tendo vivido aventuras rocambolescas no Biafra, onde em cada voo nocturno se aterrava numa estrada esburacada na floresta virgem, sem luzes e sem radar.
Artur Alves Pereira efectuou também último voo do Biafra para o Gabão, já depois da rendição dos rebeldes.
O seu T-6 foi várias vezes atingido pela antiaérea nigeriana e o piloto recorda ter passado "muitas situações de risco elevadas". No fim da guerra, "acordava com pesadelos com a antiaérea inimiga", lembra à Lusa.
O avião de Gil Pinto de Sousa despenhou-se no Biafra e este saltou de páraquedas, tendo sido feito prisioneiro pela Nigéria, onde permaneceu detido cinco anos até depois do 25 de Abril de 1974.
Outro "herói" da aviação da época foi Manuel Correia Reis , que com a sua "Fenix Airline" era dos poucos que nunca recusava a fazer missões para o Biafra, mesmo nos dias que antecederam a rendição dos rebeldes, ao contrário de colegas da ex-Royal Air Force (RAF) e da ex-Luftwaffe alemã estacionados em São Tomé.
Os aviões com ajuda humanitária apenas podiam operar de noite porque a Nigéria passou a dispor de antiaérea e aviões Mig 17 soviéticos que bombardeavam tudo.
A São Tomé acorreu também um grupo liderado pelo sueco conde Carl Gustaf von Rosen, que criou uma mini-força aérea de apoio aos rebeldes. Gustav reuniu cinco aviões (MFI-9Bs) que foram baptizados com o nome de “Biafran Babies” e que eram pilotados por suecos e no final também por Artur Alves Pereira. As incursões militares diárias deste grupo tornaram-se lendárias.
Os pilotos recebiam entre 300 e 500 dólares por cada voo entre São Tomé e o aeroporto de Uli.
Carlos Dias, que dirigia o serviço de Turismo em São Tomé, recorda que quando a guerra estava já no fim um piloto europeu entregou uma "pasta James Bond" ao chefe dos Serviços de Transportes Aéreos de São Tomé, Vicente Cortes, pedindo-lhe que a entregasse à família se algo lhe acontecesse. Nessa noite, o seu avião foi abatido e morreu. Vicente Cortes cumpriu a promessa e entregou a pasta à família que, com espanto geral, verificou conter milhares de dólares.
Muito meses depois da guerra ter terminado e da rendição ser assinada, Artur Alves Pereira recebeu, inesperadamente, em Lisboa, os seus honorários atrasados pagos pelas Finanças do Governo biafrense que já não existia, "até ao último centavo", sublinha.
SRS.
Lusa – 13.01.2009