Economicando
Por João Mosca
Na 5ª Conferência Económica do Millennium BIM realizada no dia 17 de Dezembro último, foi referida a palavra endogeneização do desenvolvimento. Parece que suou bem. Mas mais importante que a sonância é o entendimento conceptual e instrumental do conceito. Este texto tem como objectivo contribuir para a delimitação, definição e eventual discussão do significado da endogeneização do desenvolvimento.
Parte-se em primeiro lugar de um definição ampla de desenvolvimento para em seguida se cingir ao termo endogeneização. Desenvolvimento significa tornar a evolução da sociedade e da economia como um processo continuadamente progressivo de bem estar e de nível de vida, com crescentes níveis de equidade social assegurando os equilíbrios com a natureza e a exploração sustentada de recursos em beneficio dos cidadãos e dos objectivos do país, reproduzível através de mecanismos sociais que assegurem estabilidade social e política, o aprofundamento da democracia e da participação livre dos cidadãos nos seus destinos e do país. A definição anterior tem subjacente que o desenvolvimento deveria estar assente em níveis de soberania ajustados simultaneamente aos processos de globalização e integração regional económica e política, às capacidades competitivas das economias e à clareza das governações nacionais na definição das suas estratégias e políticas económicas e sociais.
Com base nessa definição, o termo endogeneização significa ou implica:
• Estratégias e políticas económicas definidas internamente e debatidas (ponderadas ou mesmo influenciadas) entre pares (países) nos fora internacionais, segundo as integrações de cada economia e as regras decisionais estabelecidas nessas organizações.
• Estratégias e políticas que reflictam as dinâmicas sociais e dos grupos de interesses em climas democráticos, de abertura política e inclusão das diferenças através do sistema político e da participação efectiva da sociedade civil realmente independente dos poderes políticos.
• Endogeneização implica que os recursos sejam exploradas com sustentabilidade, em benefício dos cidadãos e da economia nacional e garantidos os contratos com os investidores nacionais e estrangeiros que assegurem equilibradamente a vantagem de localização dos investimentos em território nacional com o desenvolvimento do capital humano e de conhecimento, com o estabelecimento de relações intersectoriais através de efeitos mul-tiplicadores, o surgimento de clusters (em relação aos grandes investimentos) e a retenção no país do máximo de valor acrescentado gerado nas respectivas cadeias de valor.
• Tornar o desenvolvimento endógeno a longo prazo, significa que para além dos equilíbrios nominais, a economia necessita gerar riqueza com um padrão de acumulação socialmente ampliado e inclusivo, que não negligencie a ampliação do mercado interno e que promova a poupança para que o investimento interno sustente níveis duradouros de crescimento elevado.
Para que a endogeneização seja possível, é necessário:
• Que os poderes políticos possuam credibilidade e legitimidade, e que a governação apresente objectivos de longo prazo, numa base de ideais e de projectos mobilizadores da Nação.
• Que as instituições públicas pratiquem boas práticas de governação e manifestem clara vontade de acabar com a corrupção e as promiscuidades, que melhorem permanentemente o ambiente de negócios, sobretudo com reformas no sistema judiciário e legislativo, na administração pública, tornando-os flexíveis para a economia, o investimento e o desenvolvimento empresarial.
• Endogeneização tem como um dos pilares uma economia competitiva de conquista de crescentes quotas d mercado, que possua capacidade de atracção de investimento e de migração qualificada, mercados não distorcidos e onde as políticas proteccionistas e de incentivo sirvam sobretudo para tornar sectores competitivos face a inevitáveis crescentes níveis de abertura económica.
• Um empresariado nacional que procure a competitividade e o ambiente concorrencial com base na eficiência, no mérito e na ética dos negócios.
• Que além da formação do capital humano de qualidade e eficiente que se promove com base no mérito e provas de desempenho, seja formado o capital de conhecimento sem restrições que sustente a definição das estratégias e das políticas ajustadas às realidades, que facilitem a gestão macroeconómica, que promovam a produção e os produtos nacionais, que introduzam modelos de gestão empresariais adequados aos contextos locais e que sejam capazes de inovar e adaptar tecnologias importadas à cultura e às condições nacionais.
• Endogeneização não significa isolacionismo ou levantamento de barreiras económicas que terminam por distorcer e dificultar a competitividade e a eficiência da economia. A endo-geneização sugere a importância da cooperação para a formação de infra-estruturas de capital humano e de conhecimento, para a transferência e assumpção de tecnologias através de projectos eficientes e cujos recursos são utilizados para os fins a que se destinam e beneficiando os públicos alvo.
Endogeneização não significa fundamentalmente maior ou menor percentagem do financiamento externo do orçamento público ou da balança de pagamentos. Endogeneização não é representada por acções em defesa de um empresariado ineficiente e não competitivo que sobrevive com base no compadrio e sustentação do Estado, da produção nacional através de proteccionismos desfuncionais ou de uma lei de trabalho ou de migração restritiva numa suposta defesa da mão-de-obra local. Nem muito menos de discursos camufladamente xenófobos contrapondo o interno ao externo numa dicotomia teoricamente medíocre e fora de prazo. Endogeneização não é possível com crescimento económico desigual, geração de riqueza concentrada, numa economia extravertida e submetida a centros de decisão e padrões de acumulação centrados no exterior com diferentes níveis de subserviência interessada das elites.
Muito se fala que África tem de olhar para si, desenvolver-se a partir de si e para si. E este discurso já tem mais de cinquenta anos. Ouvi um dia, num congresso internacional realizado num país africano, depois do discurso do político escalonado para fazer a abertura oficial do evento, dizer o seguinte: é normal que o discurso seja bonito, mas este senhor supõe que tudo neste país funciona bem! E o certo é que não era assim.
SAVANA – 29.01.2010