Quando tomava posse, a 14 deste mês, o PR afirmou, de entre várias coisas, que iria pautar por uma governação transparente. Quando empossava os ministros, vice-ministros e os governadores provinciais, uma semana depois, Armando Guebuza pediu-lhes para que se assumissem, sempre e sempre, como servidores do país, actuando com transparência e inclusividade. A falta de transparência leva, quase sempre, à corrupção. Um dos mais céleres mecanismos de ‘controlo’ dos titulares é o estabelecimento de regras de conflitos de interesses e a declaração de bens.
A lei número 7/98, de 15 de Junho, que é regulamentada pelo decreto número 48/200, de 5 de Dezembro, estabelece algumas regras sobre como isso deve ser feito em Moçambique. Depois de empossados, tanto o PR como os ministros e vice-ministros são obrigados a apresentar uma declaração dos seus bens, sendo ainda obrigados a proceder à sua actualização, numa base anual.
Mas a utilidade prática da declaração de bens é muito diminuta, sobretudo, no que toca à monitoria das actividades governativas, por parte da imprensa e da sociedade civil. Apenas o PR, o PM, a Assembleia da República e a Procuradoria-Geral da República é que podem ter acesso a essas declarações, que as devem solicitar por escrito, quando tal se mostra justificável, ao Conselho Constitucional, onde as depositam.
Na verdade, as declarações de bens são protegidas pelo “segredo da justiça” e a sua “difusão indevida” sancionada nos termos da lei, conforme refere um estudo datado de 2004 sobre ‘Corrupção em Moçambique’, da autoria do jornalista e pesquisador Marcelo Mosse.
O secretismo quanto aos aspectos respeitantes ao PR, PM, ministros, vice-minitros e governadores provinciais é tão agudo no país que mesmo os seus salários e regalias não são tornados públicos, sendo apenas operacionalizados por via do chamado “despacho interno”, de circulação restrita na Presidência da República e no Ministério das Finanças, e ‘altamente protegido’ por um ‘estranho código’.
Ocultar a informação sobre salários e regalias do PR e sua equipa pode ser sinónimo de inexistência, por parte de quem de direito, de confiança nos eleitores. À semelhança do salário mínimo, que é público, o salário do PR, ministros, vice-ministros e governadores provinciais deveria também ser público, tal como sucede em vários quadrantes do mundo.
Na África do Sul, por exemplo, o salário do Presidente da República, Jacob Zuma, é público. Aliás, é até aprovado pelo povo, por via dos seus representantes no Parlamento. A última revisão, na ordem dos 8 por cento, foi feita em finais do ano passado, tendo o ministro das Finanças se dado ao luxo de discordar com os aumentos, por motivos que não foram tornados públicos.
A comparação de salários pode levar a leituras enviesadas: Jacob Zuma ganha anualmente, por exemplo, pouco mais de 2.200.000, 00 randes, qualquer coisa como cerca de 7.700.000, 00 meticais, ou seja, cerca de cinco vezes mais que Armando Guebuza. Mas há que ter em conta que aquilo que a África do Sul produz em uma semana, Moçambique produz em um ano.
Sendo a informação sobre os salários e regalias destes titulares de interesse público, uma vez suportados pelo bolso do cidadão, partilhámo-la, neste artigo, com os leitores do SAVANA.
Sobre os salários do PR
O PR ganha, num ano, 1.596.600,00 meticais em salários, o que significa que, mensalmente, o mais alto magistrado da nação ganha 133.050,00 meticais. Em cinco anos, período para o qual foi eleito, a 28 de Dezembro de 2009, Armando Guebuza ganharia perto de oito milhões de meticais (7.983.000,00), se o seu salário actual fosse mantido inalterável.
No seus salários mensais, o PR, ministros, vice-ministros e governadores provinciais descontam sete por cento para compensação de aposentação, dois por cento para assistência médica, 0.5 por cento para despesas de funeral, mais o IRPS (Imposto de Rendimento de Pessoas Singulares), cuja percentagem varia em função da situação fiscal de cada um.
Entre 1 de Abril de 2008 e 31 de Março de 2009, o PR tinha um salário mensal de 107.299,00 meticais. Em sede da última revisão salarial para os funcionários e agentes do Estado, o PR beneficiou de um incremento de 24 por cento, razão por que aufere, neste momento, o valor retromencionado (133.050,00 meticais).
Já o PM, neste caso Aires Ali, recentemente nomeado e empossado, passará a “facturar” mensalmente, nestas novas funções, 115.295,68 meticais. Em 12 meses, ele ganhará 1.383.540, 20 meticais, o que nos leva a inferir que, se se mantiver nestas funções durante os 60 meses do mandato do PR, auferirá aproximadamente sete milhões de meticais (6.917. 740,80 meticais).
Entre Abril de 2008 e Março de 2009, Aires Ali tinha, nas suas anteriores funções de ministro da Educação e Cultura, 71.533, 00 meticais mensais, antes de descontar para a aposentação (sete por cento), assistência médica (dois por cento), despesas de funeral (0.5 por cento) e para o IRPS. Com o último incremento, o seu salário passara para 88.700, 92 meticais/mês.
Guebuza no “topo”
O PR é o mais bem pago colaborador do Estado – não incluímos, obviamente, os Presidentes dos Conselhos de Administração de empresas públicas, ganhando, alguns deles, 30 mil dólares norte-americanos mensais, ou seja, 900 mil meticais – seguindo-se-lhe a Presidente da Assembleia da República – Verónica Macamo [Ndlovu] – e o PM, que auferem o mesmo salário mensal (115. 295, 68 meticais).
Quanto aos 28 ministros recentemente nomeados e empossados, dizer que cada um deles aufere, mensalmente, o que o PM ganhava antes de ser promovido, ou seja, 88.700, 92 meticais. Num ano de actividades, cada ministro ganhará pouco mais de um milhão de meticais (1.064.411, 00 meticais).
Mensalmente, o Estado desembolsa 2.483.625, 80 meticais para pagar salários aos ministros; num ano, os 28 ministros custarão aos bolsos dos cidadãos 29.803.508, 00 meticais, o que totalizará, em cinco anos, cerca de 150 milhões de meticais (149. 017.590, 00 meticais).
De referir que não existe nenhuma diferenciação entre os salários dos ministros, em função, por exemplo, do nível académico de cada um, termos em que um ministro que possua somente o ensino básico ganha o mesmo que aquele que tenha feito o doutoramento.
À semelhança dos ministros, os juizes conselheiros do Tribunal Supremo (TS) e do Tribunal Administrativo, os reitores da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Universidade Pedagógica (UP), Universidade Lúrio (UniLúrio) e Universidade Zambeze (UniZambeze), director-geral do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), procurador-geral adjunto e chefe da Casa Militar auferem, mensalmente, 88.700, 92 meticais.
Sobre os “vices” e governadores
Os vice-ministros também possuem razões para sorrir: cada um aufere 70.960, 24 meticais/mês. Num quinquénio, ou seja, em 60 meses, cada ‘vice’ que se mantiver no posto ganhará 4.257.614, 40 meticais. Os 23 vice-ministros recentemente nomeados e empossados ganharão, juntos, perto de 100 milhões de meticais em cinco anos (97. 925.131, 00), na nula possibilidade de os honorários serem mantidos até lá.
Antes do aumento de 24 por cento operado em Abril do ano transacto, cada vice-ministro auferia, em termos brutos, 57.226, 00 meticais/mês. Na mesma escala salarial com os vice-ministros encontram-se os conselheiros do PR, os vice-reitores da UEM, UP, UniLúrio e da UniZambeze, o director-geral adjunto do SISE, o chefe do Estado Maior General das FADM (Forças Armadas de Defesa de Moçambique) e o comandante-geral da PRM (Polícia da República de Moçambique).
O governador provincial, por seu turno, tem um salário mensal bruto de 62.090, 52 meticais. Em cinco anos, cada governador ganha 3.725.431, 20 meticais, o que significa que, anualmente, um governador ‘factura’ 745.086, 24 meticais. Pelos 11 governadores juntos, o Estado desembolsaria 40.979.743, 00 meticais em cinco anos, se o actual salário fosse mantido até ao fim do mandato.
Antes da última actualização em 24 por cento, o governador provincial tinha um salário mensal de 50.073, 00 meticais. De referir que o embaixador extraordinário e plenipotenciário e o inspector do Estado possuem o mesmo salário que os governadores provinciais.
Quando somado, o que Armando Guebuza e sua equipa recentemente nomeada e empossada – PM, 28 ministros, 23 ministros e 11 governadores provinciais – ganhariam em cinco anos, só de salários, e na remota possibilidade de os ordenados actuais serem mantidos até ao fim do quinquénio, totalizaria 301. 481.340, 00 meticais.
Para acumular o que o PR ganha num ano – 1.596.600, 00 meticais –, quem aufira o mais baixo salário na função pública, fixado em 2.345, 00 meticais, precisaria de trabalhar 57 anos, sem usar nenhum tostão do que aufere mensalmente. Um trabalhador do ramo de construção que se encontre na mesma situação (1.909,00 meticais/mês), precisaria de trabalhar 70 anos…
As regalias de Guebuza e sua equipa
Além de salários, Armando Guebuza e sua equipa possuem regalias, de entre as quais se destacam o valor que lhes é disponibilizado para as despesas de representação, para empregados domésticos, telefone fixo e água e luz. Aliás, o PR, o PM e os governadores não possuem tectos, diferentemente do que sucede com os ministros, vice-ministros e governadores provinciais.
Mensalmente, um ministro tem 22.393,00 meticais para despesas de representação, 3.101,00 meticais para empregados domésticos, 4.455,00 meticais para telefone fixo e 2.473,00 para água e luz. Em termos de regalias, o vice-ministro está na mesma posição com o ministro.
Estes são, de resto, os dados constantes da “Tabela B”, também anexa ao não publicitado e/ou tornado público despacho presidencial que aprova salários e regalias para ‘figuras da elite’ governamental e estadual.
Fora do que consta da “Tabela B”, os ministros e vice-ministros possuem tantas outras regalias, como seja viaturas de campo e familiar e respectivo combustível, assistência médica e medicamentosa em clínicas privadas, telefone celular, e por ai além. Há três anos, um jornal moçambicano reportou gastos em telemóvel da ministra do Trabalho, Helena Taipo, que ultrapassaram, num desses meses, os 100 mil meticais.
Em 60 meses, cada ministro e cada vice-ministro recebe, de regarias referentes a despesas de representação, empregados domésticos, telefone fixo e água e luz aproximadamente dois milhões de meticais (1.945.320, 00 meticais). Em cinco anos, os 28 ministros e 23 ministros custariam aos cofres de Estado somente com estas quatro ‘linhas’ de regalias, cerca de 100 milhões de meticais (99.211.320, 00).
Na mesma escala com os ministros e vice-ministros no tocante a regalias, se encontram os presidentes do Tribunal Supremo, do Tribunal Administrativo e do Conselho Constitucional, mais os [seus] juizes conselheiros. O PGR e o seu vice e adjuntos, os reitores das universidades públicas e seus vices, o chefe da Casa Militar, o director-geral do SISE, o chefe do Estado Maior General das FADM e o comandante geral da PRM têm direito ao mesmo bolo.
Os que constam da “Tabela C”, de entre os quais se destacam o inspector e o secretário do Estado, o adido de imprensa do PR, o reitor e vice-reitor do Instituto Superior de Relações Internacionais, reitor e vice-reitor da Academia Militar e o presidente do Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa têm de regalias mensais 18.916, 00 meticais para
“representação”, 2.041,00 para empregados domésticos, 3.850,00 para telefone fixo e 1.900, 00 para água e luz.
SAVANA – 29.01.2010