Entrevista com Jaime Nogueira Pinto
por JOÃO CÉU E SILVA
É sócio de uma companhia militar privada que actua em Moçambique mas considera que o Governo português deve mentalizar os empresários para uma internacionalização em países de risco. Defende a utilização de quadros militares nas empresas de segurança e explica como o atentado à equipa do Togo em Cabinda poderia ter sido evitado
O ataque à equipa de futebol do Togo em Cabinda poder ia ter sido evitado com a actuação das Companhias Militares Privadas?
O conceito das Companhias Militares Privadas (CMP) está a meio caminho entre a força militar e a companhia de segurança clássica. Da forma como hoje encaramos na Europa e nos EUA a questão da guerra, onde há um tabu sobre baixas, as forças militares estão muito diminuídas na sua capacidade e eficácia. Nos países novos, é complexa a utilização dessas forças na própria segurança.
Então não poderiam actuar?
Creio que no futuro a segurança será um cocktail onde estarão forças militares, militarizadas e de segurança privada melhorada, como são as CMP. Porque têm a vantagem de ser militarizadas e ao serviço de quem pode pagar para proteger as suas actividades.
Há enquadramento legal para tal?
Houve um caso (da Blackwater USA) no Iraque em que vários membros foram mortos em condições atrozes, e as famílias processaram a companhia. O que se pensa é que não se pode deixar de regular esse tipo de actividades e a tendência é criar um modelo como o da actividade bancária, controlado através de um banco central.
Mas as CMP poderiam ter tido um papel em Cabinda?
Angola tem grandes empresas de segurança locais e estas têm uma vantagem, de serem mais criativas e antecipativas nos riscos enquanto os sistemas securitários oficiais são bastante rígidos. Uma das vantagens de alguma privatização e internacionalização nesta área é existir essa criatividade na defesa em Estados bastante débeis em forças armadas, como foi o caso da Serra Leoa. Aí, foram as CMP que ajudaram, liquidaram e resolveram o problema da guerra civil promovida por terroristas e guerrilheiros. Em Cabinda, houve uma leviandade grande ao fazer-se o transporte dos desportistas por terra, em zona que não é segura.
Mesmo sendo desportistas o alvo?
É necessário neste tipo de incidentes que o alvo seja muito mediático, como se verificou com a atenção que lhe foi concedida.
O 11 de Setembro favorece as CMP?
Elas já existiam, apenas chamou a atenção para um tipo de ameaças novas. A táctica usada na Torres Gémeas já existia em filmes e livros, o utilizar de uma bomba que está no "mercado" e que se pode adequar. Foi nesse momento que o cidadão entendeu que o aumento do preço do petróleo, por exemplo, tem a ver com a segurança dos oleodutos. O fim do mundo seguro em que vivíamos obriga a pensar questões que por razões políticas a Europa Ocidental evitava.
É preciso repensar a segurança?
Queríamos sistemas hiperliberais, na lógica da União Europeia, e sem controlos. Agora, o legislador já admite que pelos locais por onde passa o comércio legítimo circula também o dinheiro sujo, explosivos e os criminosos. A resposta securitária é muito complexa numa sociedade como a nossa, que se baseia na ideia kantiana de paz perpétua e não de risco.
A prisão de membros da ETA tornou a questão actual em Portugal.
Apesar de tudo, a ETA é um movimento nacionalitário que tem um terrorismo diferente. O grande risco é confrontarmo-nos com destruições maciças e a dissimulação de explosivos no interior do corpo.
Acredita na tese de uma base da ETA no nosso país?
A tradição da ETA é usar Portugal como uma zona de passagem e de descanso. Não de outras situações.
Qual a razão do recente aumento de zonas inseguras no mundo?
O melhor exemplo é o da pirataria ao largo da Somália. As pessoas pensavam que essa actividade tinha desaparecido há séculos, mas bastou que as condições históricas se repetissem para o fenómeno reaparecer. Quando há zonas baldias e sem poder - não é só na Somália que isso acontece -, quem faz a lei são os bandos. Basta ver o caso do México, onde, nos últimos três anos, morreram 14 mil pessoas nos conflitos entre narcotraficantes e autoridades. É o dobro dos mortos portugueses na guerra em África.
Essa insegurança faz com que os empresários portugueses evitem investir nessas zonas de risco?
Nesse caso, o problema é mais até que ponto as médias e grandes empresas têm fôlego financeiro para a internacionalização. Não são zonas para se ir desesperado, além de que é preciso haver uma nova mentalidade porque não vejo os portugueses que estão em funções em empresas ou cargos ligados ao Governo preparados para entender as regras de vida e de jogo nesses países. Têm mais mitos urbanos na cabeça do que um claro conhecimento da realidade e isso, às vezes, sai muito caro para os interesses que representam.
Tem interesse nas CMP que actuam na África lusófona há alguns anos. Ainda é um negócio de risco?
Temos uma actividade principal em Moçambique através do grupo DM (Delta-Moseg), que emprega quase cinco mil pessoas e cobre as dez províncias do país, mas somos uma companhia de segurança clássica. Que é um modelo que gostaríamos de replicar noutros países lusófonos - e até fora deste universo -, quanto mais não seja porque é importante para os interesses portugueses haver uma marca nacional numa actividade que vai ser cada vez mais necessária e requisitada no âmbito da segurança privada especializada no mundo.
Economicamente é interessante?
É uma actividade que gera muito emprego face a um investimento baixo e a nossa experiência mostra que, para as empresas nacionais que operam em Moçambique, por exemplo, é um factor de confiança terem portugueses na actividade de segurança.
E há possibilidade de expansão?
O nosso começo foi em Cahora Bassa, em 2003, e a Moseg cresceu rapidamente. Tanto que adquirimos a Delta, uma empresa com o dobro da nossa dimensão e hoje em dia até estamos em condições de expandir para noutros países.
De internacionalizar e exportar um produto português?
Creio que sim, porque o que fazemos é exportar serviços com quadros que são habitualmente antigos militares, que se mantiveram com especialidade de forças de comandos. Um quadro português é bastante competitivo e faz o mesmo que o inglês ou americano, além de ter boa capacidade de relacionamento e de integração em sociedades africanas e magrebinas. E não temos dimensão política que os governos locais temam, preocupados com problemas políticos e tentativas de manipulação posteriores.
Essa replicação do negócio seria aceite noutros países lusófonos?
Temos a experiência com parceiros locais em Moçambique e em Angola. Noutros países, as conversações mostram uma abertura para a implantação do modelo. Para a economia portuguesa sair do atoleiro em que está, é importante a internacionalização para zonas tradicionalmente de risco, porque para as outras o mercado está esgotado. A questão é que os empresários e o Governo têm de preparar as empresas para estarem sob um risco constante.
E têm tido apoio do Governo?
Mantivemos os ministros dos Negócios Estrangeiros a par das actividades, até pela sua característica, mas notamos que os instrumentos que o Estado tem para actuar nestas áreas são poucos quando se quer avançar. Muitas vezes nem funcionam quando chega a hora de procurar apoios financeiros devido à burocracia. O Estado tem de criar instrumentos eficazes e rápidos para actuar em vez de responder, na maior parte das vezes, que este tipo de iniciativa tem muito risco. A nossa economia só se salva se o correr. Historicamente, já se provou isso no tempo das Descobertas.
DIÁRIO DE NOTÍCIAS(Lisboa) – 17.01.2010