Fala baixinho. Não se irrita facilmente com as perguntas insistentes dos jornalistas e trata Afonso Dhlakama como um amigo íntimo, como ele mesmo diz, um camarada desde os tempos da guerrilha. O antigo Chefe adjunto do Estado Maior General das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), Mateus Ngonhamo, combateu ao lado da Renamo contra as tropas governamentais a fim de trazer, como ele sublinha, a democracia multipartidária e o pluralismo de ideias no país. Integrou o exército nacional na sequência das determinações do Acordo Geral de Paz que pôs fim ao conflito armado e diz que o mundo da política não faz parte da sua vida por ele ser um militar, mesmo na reserva.
Quando a política se mistura com o mundo castrense, pactos tenebrosos de silêncio podem esconder agendas subter-râneas. Por várias razões, entre imposições legais e convicções pessoais, Mateus Ngonhamo diz não querer saber da política. “Não sou político”, avisou, logo no início da entrevista.
Actualmente na reserva, Mateus Ngonhamo está a concluir a sua formação em Direito pela Universidade Politécnica. Tudo o que diz respeito ao mundo da política, nas suas palavras, não lhe diz respeito, pois só está disponível para falar sobre o que diz respeito a questões de segurança – ou seja, defesa da integridade territorial.
“Ouvi falar das manifestações que a Renamo diz estar a preparar, mas somente através dos órgãos de informação. Nunca falei com Dhlakama a esse propósito”, clarificou o antigo estratega militar da Renamo.
Ngonhamo diz que não é membro e nunca foi membro da Renamo, razão suficiente para não falar sobre este partido.
Um ano depois de ter deixado as funções de Chefe adjunto do Estado Maior General das FADM e ter passado para a reserva, o que é feito hoje do general Mateus Ngonhamo?
Continuo a estudar, pois a formação académica é um dos grandes desafios que tenho hoje. Neste momento, estou na reserva. O que significa que em qualquer momento posso ser chamado para cumprir tarefas nas FADM caso haja algum apelo. Não me dedico à política.
Está a formar-se em que área?
Estou a frequentar o 4° ano do curso de Ciências Jurídicas na Universidade Politécnica. Actualmente, estou a desenvolver a tese de licenciatura. Cheguei a interromper o curso por causa da doença da minha esposa que me obrigou a ficar dois anos na África do Sul. Era um tratamento complicado que implicava um transplante de rins. Depois a minha esposa veio a morrer.
Disse que não se dedicava a política. Refere-se a política activa?
Não. Refiro-me a política no geral. Não me dedico a política, nem activa e nem passiva. Apesar de estar na reserva, sou militar e isso me impede de estar na política.
Só escola ou também está envolvido em algum tipo de actividade empresarial?
Tenho algumas actividades agrícolas as quais venho exercendo desde antes de estar na reserva. São actividades de pequena escala e sem nenhuma veia económica.
Estaria disponível em caso de as FADM o chamarem para defender a soberania nacional caso seja ameaçada?
Claro que estaria disponível. Do mesmo jeito que outros oficiais que se encontram na reserva também estariam disponíveis.
Mesmo que seja para lutar contra a Renamo?
Claro que sim. Olha, eu presto obediência ao meu comandante em chefe e jurei a bandeira para defender a soberania.
A Renamo, que não concordou com os resultados eleitorais de 28 de Outubro passado, tem estado a anunciar manifestações com vista a contestar, invocando a sua capacidade bélica em caso de haver repressão policial. Pode haver guerra neste país? A Renamo ainda possui capacidade para desencadear uma operação armada?
Não. Penso que não. É preciso analisar a situação política regional, continental e internacional. A guerra está fora de hipótese e penso que os políticos devem é lutar pela boca e não pelas armas.
Mas sabe das manifestações que a Renamo está a preparar…
Tenho acompanhado através dos órgãos de informação e não tenho nada a declarar.
Como membro da Renamo, não devia saber das manifestações?
Não sou membro da Renamo. Nunca tive cartão de nenhum partido político. Estive na Renamo quando ainda era um movimento que lutava pela democracia. Quando terminou a guerra, fui destacado para integrar um exército apartidário do Estado, portanto as FADM, mas depois disso não posso dizer mais nada sobre a política, porque não estou envolvido em actividades políticas.
Tem falado com Afonso Dhlakama?
Não nos falamos desde que ele foi a Nampula. Mas antes disso nos falávamos sempre ao telefone.
O que falavam?
Afonso Dhlakama é meu camarada desde os tempos da guerrilha. Somos amigos. Falamos sempre em volta das nossas recordações sobre esses tempos. Não falamos de nada que tenha a ver com questões institucionais.
O facto de estar na reserva não é justificação para não exercer a política activa. Se calhar seja por razões pessoais. É isso?
As opções das pessoas dependem das suas consciências individuais. Os oficiais a que se refere já passaram do quadro militar para o quadro político. Estão na reserva exercendo a política… mas no meu caso isso não passa pela minha cabeça.
É o que estamos a dizer, as suas razões são mais pessoais do que de
impedimento legal…
É uma questão de consciência pessoal, pois as normas que construímos dizem que as FADM são apartidárias. Se alguém opta por exercer uma dupla função aí já é uma questão pessoal. O militar é militar mesmo estando na reserva.
É o mesmo entendimento que têm todos os homens que estiveram na antiga guerrilha da Renamo e que integraram as FADM por conta do Acordo Geral de Paz? Todos antigos guerrilheiros da Renamo são apartidários nas FADM?
Penso que sim porque os antigos militares da Renamo aderiram ao exército nacional depois de compreenderem como as coisas deviam funcionar. Não havia outro regulamento paralelo. As FADM são apartidárias.
Perguntamos isso por termos notado a presença de elementos da Polícia Militar a cercarem a residência oficial de Afonso Dhlakama em Nampula, isso por causa das ameaças de manifestações. Sendo a Polícia Militar um braço das FADM, podendo ser constituído por antigos militares da Renamo integrados no exército pelo AGP, não haverá algum conflito de interesses?
Não cheguei a ver essa situação de militares cercarem a residência oficial de Afonso Dhlakama. Se calhar perguntar ao próprio Estado ou o ministério do Interior. Não estou interessado em comentar.
O Mecanismo Africano de Revisão de Pares condenou o incumprimento das deliberações do AGP no concernente à integração dos antigos militares da Renamo no exército nacional. Em que pé está essa questão?
Penso que não é por aí. O AGP determinava um efectivo de 15 mil homens. Com efeito, havia um remanescente de homens que deviam ser desmobilizados, ao invés de serem integrados nas Forças Armadas, pois a idade já não lhes permitia. Os desmobilizados beneficiaram do Trust Fund da ONUMOZ, mas depois ficou-se por ai. Faltam subsídios de reinserção social que o Estado deve pagar.
Foram abandonados?
Não foram abandonados. Há esforços que têm que ser feitos para a reinserção dos desmobilizados. O próprio desenvolvimento do país poderá resolver esse aspecto.
Quanto aos homens armados da Renamo estacionados em Maríngue?
Estão lá. São guardas do presidente da Renamo. Não tenho comentários.
Tendo em conta a sua experiência como militar, o que pensa da existência de um partido político que tem um quase exército ao seu dispor, tendo em conta que só o Estado é que detêm o monopólio das forças armadas?
Não tenho opinião sobre isso. O próprio Estado pode dar resposta a essa pergunta. Como disse, não sou político.
Os ideais do tempo da guerra foram alcançados. Conseguimos instituir a democracia multipartidária e o pluralismo de ideias no país. Quanto aos ideais depois da luta já não posso me pronunciar, pois já conseguimos conquistar a democracia no país.
Mas há quem diga que essa conquista está a ser ameaçada pela Frelimo. A Renamo, por exemplo, fala hoje de um verdadeiro recuo ao monopartidarismo…
Tenho a certeza que não vai acontecer nenhum recuo ao monopartidarismo. O próprio contexto da região, do continente e do mundo mostra que isso está fora de hipótese.
Num contexto em que a Renamo precisa de se reorganizar, aceitaria um cargo no partido caso fosse convidado para o efeito?
Não estou interessado nisso. Não estarei interessado. Porque quero descansar. Não me interessa a vida política.
…E caso Dhlakama lhe convidasse para uma eventual guerra. Qual é que seria o seu posicionamento?
Já disse que as razões que fizeram com que eu lutasse do lado da Renamo foram alcançadas. Não vejo razões para uma nova guerra, aliás, mesmo que fosse convidado não aceitaria.
Tem falado com o Chefe do Estado, Armando Guebuza?
Sempre que me solicita falo com ele, pois ele é o meu comandante em chefe. Além de mais, tenho recebido convites para eventos oficiais, tal como aconteceu agora na tomada de posse.
Foi empossado o novo governo. O que pensa da transformação do ministério dos antigos combatentes em ministério dos combatentes?
Acho salutar, pois todo aquele que combateu é combatente. Independentemente de ter sido pela independência do país ou pela democracia. Em geral, penso que é o mesmo ministério. A mudança do nome tem alguma relevância. Resta agora ver o que vai fazer o ministério para que ser avaliado.