ANA GOMES
Comentário
Não é só nas fileiras da oposição que se teme um retrocesso em Angola com o projecto de Constituição a ser aprovado pela Assembleia Nacional. Também nas fileiras do MPLA, o partido do Governo desde a independência, há quem critique esta Constituição como impeditiva do funcionamento democrático do país, ao não submeter o Presidente da República - este Presidente da República, José Eduardo do Santos, no poder há 30 anos - a escrutínio universal.
Ouvi essas queixas em Luanda, em Dezembro passado, quando ali reuniu a Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE. Os críticos antecipavam que o modelo sul-africano copiado de eleição indirecta do Presidente mataria no ovo a democracia. Mas eram poucos os quadros do MPLA que falavam alto e claro, além do ex-primeiro-
Quem criticava, em geral pedia reserva - o que, só por si, diz tudo. Diz sobretudo o que eu pensei (e escrevi) quando, nas eleições legislativas, em Setembro de 2008, o MPLA obteve um resultado esmagador, "à la Golkar" de Suharto, graças a um zelo eleitoralista escusado (pois, com limpeza, o MPLA ganharia sempre folgadamente)
O resultado de mais de 80% dos votos para o MPLA foi, obviamente, desencorajador das presidenciais no ano seguinte, como então se previa. Iria o Presidente sujeitar-se a ter menor votação do que o seu partido, mesmo com esmero na engenharia eleiçoeira? E ainda se ficasse só com umas décimas a mais, o ganho de credibilidade seria nulo - já ninguém no mundo acredita em resultados suhartistas.
José Eduardo dos Santos preferiu continuar a arcar com o questionamento da sua legitimidade, mas reter o poder nas suas mãos. E passou a assumi-lo, deixando de lado disfarces como a partilha de responsabilidades com um primeiro-ministro que nunca contou.
Claro que o Presidente sabe que terá de reinar com extrema sabedoria e continuar um cada vez mais difícil exercício de composição de interesses. Se um mínimo de distribuição social da riqueza é condição, Cabinda não deixa de colocar um teste crucial (e o revanchismo cego das prisões destes últimos dias não augura grande discernimento)
Mas, realmente, não é por não haver eleição directa do Presidente que em Angola não há democracia. Não há democracia onde não existe oposição livre e organizada - e a UNITA não é oposição, está há muito também no... "business". Fortalecer uma oposição democrática em Angola passa, antes de mais, pela operação de media que informem sem constrangimentos. Na era da globalização, eles podem funcionar a partir de qualquer ponto do planeta...
PÚBLICO – 21.01.2010