Esta posição foi manifestada, em Maputo, pelo presidente da Comissão dos Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e de Legalidade da Assembleia da República, Ussumane Aly Dauto, em declarações ao “Notícias” a propósito da publicação do acórdão do Conselho Constitucional (CC) sobre a proclamação e validação dos resultados das eleições presidenciais, legislativas e das assembleias provinciais realizadas a 28 de Outubro último.
No documento, foram levantadas uma série de questões que põem a nu as fragilidades da legislação eleitoral, facto este que poderá estar por detrás de alguma falta de transparência de alguns actos do processo eleitoral.
Para Aly Dauto, é de acolher algumas das recomendações tornadas públicas por este acórdão. “Não digo que a legislação eleitoral tenha sido um dos grandes obstáculos para a falta de transparência do processo eleitoral, mas é consensual que ela contém algumas pequenas questões que têm de merecer uma reparação no sentido de melhoramento e de aperfeiçoamento da lei eleitoral”, observou o entrevistado.
O interlocutor afirma não partilhar da a ideia de que cada eleição deva ter uma lei para essa eleição. “Queremos um Direito eleitoral, uma legislação eleitoral consolidada. Mas neste percurso vamo-nos apercebendo que há aspectos que acabam por constituir-se num entrave quer para os concorrentes, quer para os órgãos eleitorais, quer também para o próprio cidadão”.
“Acredito que a nova legislatura chamará a si a responsabilidade de trabalhar nesta matéria e, naturalmente, com envolvimento da sociedade civil, que sempre é importante. Nesse trabalho os novos deputados devem também prestar atenção aos diversos relatórios dos observadores, quer nacionais e internacionais, e a própria constatação da Comissão Nacional de Eleições (CNE), que também se referiu a alguns aspectos que carecem de melhoramento e aperfeiçoamento”, enfatizou .
Instado a pronunciar-se sobre a questão dos prazos eleitorais, que na óptica do Conselho Constitucional foi o principal factor de divergências e falta de transparência do processo eleitoral, Aly Dauto foi peremptório ao afirmar que para ele a questão de melhoramento e aperfeiçoamento dos prazos eleitorais foi sempre prioridade.
“A questão dos prazos foi sempre o “calcanhar de Aquiles” dos processos eleitorais nacionais. No passado tivemos prazos que se sobrepunham no esforço de melhorar, teremos de estabelecer uma lei que, aprovada, leve os diversos agentes políticos, os diversos intervenientes do processo político a verem e a projectarem todos os aspectos que daqui a cinco anos vão decorrer no processo eleitoral”, defendeu.
Frisou depois que “a questão dos prazos tem de ficar claramente definida de modo a que o partido político, o concorrente que quiser participar no processo eleitoral tenha uma imagem daquilo que vai suceder e em função disso preparar-se para os pleitos eleitorais”.
Outro aspecto que mereceu a atenção do nosso interlocutor, prende-se com a questão do recenseamento eleitoral. Segundo disse, este processo deve ser actualizado anualmente e não apenas nos anos de realização de eleições. “A actualização do recenseamento eleitoral não é uma acção que deve ter lugar apenas nos anos das eleições. Tem de ser realizada todos os anos. Eu penso que isso é extremamente importante”, frisou.
Em jeito de conclusão, Ussumane Aly Dauto afirmou que “acho que se deve reflectir seriamente em todas estas questões, pois, o processo democrático é isto tudo, é participarmos, é constatarmos, é melhorarmos, é corrigirmos e envoluírmos sempre até atingirmos um patamar mais ou menos considerável”.
AS OBSERVAÇÕES DO CC
Numa exaustiva análise ao quadro jurídico-constitucional vigente e que norteou a realização das eleições de 28 de Outubro último, o CC constatou que os actuais dispositivos legais resultam de alterações de normas e leis anteriormente vigentes.
Para o órgão, não estão em causa as alterações legislativas feitas para adequar as leis, quer às modificações constitucionais, quer às realidades supervenientes. “Porém, a adequação não implica necessariamente a substituição completa das leis em causa, pois a mesma pode conseguir-se através do mecanismo de revisão pontual, o qual apresenta largas vantagens práticas na medida em que permite ao aplicador da referida lei identificar de forma fácil, clara e precisa as normas alteradas, bem como compreender as inovações introduzidas sem necessidade de confrontar na íntegra os sucessivos textos legais.
“Esta observação prende-se com as frequentes mudanças da legislação eleitoral que têm se verificado no país de eleição em eleição, incluindo as que ocorreram na vigência da actual Constituição, sem introduzir, salvo raras excepções, soluções substancialmente novas”, refere o acórdão do CC, apresentado publicamente segunda-feira pelo presidente deste órgão, Luís Mondlane.
Face a esta questão, o Conselho Constitucional reitera a sua posição emitida aquando da validação dos resultados das eleições autárquicas de 2008, segundo a qual existe “(…) necessidade de se estabilizar e consolidar a legislação eleitoral, por forma a evitar-se, para cada acto eleitoral, a aprovação de nova legislação”.
“Mas consideramos oportuno deixar expressa a nossa convicção de que a multiplicidade de leis eleitorais que, embora regulando eleições diferentes contêm grosso modo os mesmos princípios e regras gerais, acaba por afectar a unidade de coerência do sistema do Direito eleitoral, facto que, combinado com deficiências de formulação de algumas normas, dificulta a interpretação e aplicação pelos diversos actores dos processos eleitorais”.
No documento que temos vindo a citar, o CC diz ainda que “agrava esta situação a pouca preocupação em conhecer e aplicar correctamente as normas, notória em muitos partidos políticos, coligações de partidos e candidatos, os quais, a despeito da reiterada jurisprudência esclarecedora deste Conselho, continuam a cometer os mesmos erros de eleição para eleição”.
Neste contexto o “Constitucional” acaba por sugerir a criação de um “Código Eleitoral”, o que teria a vantagem de contribuir para evitar a situação prevalecente, que se traduz na transposição “ipsis verbis” de normas de um diploma para outro acrescido da desarmonia quanto à regulação de certas matérias, como também para prover a simplificação e racionalização do Direito eleitoral nacional.
Outro aspecto que mereceu atenção especial do CC, relaciona-se com os prazos estabelecidos pela CNE para a realização das diferentes operações eleitorais, prazos estes contidos no calendário eleitoral aprovado pelo órgão eleitoral com base na legislação pertinente.
Para a instituição dirigida por Luís Mondlane, dentre outras anomalias, o calendário ora em análise “não indica com precisão e clareza os prazos dos actos eleitorais, mormente os referentes à fase de candidaturas, limitando-se a estabelecer o começo e o fim de período de tempo por vezes largo e envolvendo, nalguns casos, actos a praticar de forma sobreposta”.
De referir que o acórdão do CC valida os resultados das eleições de 28 de Outubro último e proclama o partido Frelimo e o seu candidato, Armando Guebuza, os vencedores do escrutínio.
Nestas eleições, a Frelimo conseguiu eleger 191 deputados dos 250 membros da Assembleia da República, contra 51 da Renamo e oito do MDM. Na eleição para as assembleias provinciais, a Frelimo elegeu 704 membros, a Renamo 83, o MDM 24 e o PDD um. Neta eleição disputava-se 812 assentos.
Estes parlamentares, segundo deliberação anunciada pela CNE, serão investidos na função no dia 12 de Janeiro, sete dias depois dos 812 membros das dez assembleias provinciais do país terem tomado posse.