Espinhos da Micaia , por Fernando Lima
Nos dias que correm, é natural que as contabilidades anotem um aumento considerável nas receitas com publicidade por detrimento das entradas com a venda de jornais. O que dá ao pessoal do sector aquele ar de sobranceria que nunca tiveram antes ao passar pela redacção.
E quando o jornalismo não é consolidado, dá rapidamente para as mensagens do comercial serem absorvidas “construtivamente” pelo editorial. O que torna mais fácil a tarefa dos vários mensageiros que trabalham na área da embalagem de conteúdos em papel celofane.
É óbvio que há um equívoco de fundo quando os factos não são passados ao público por quem deve estar habilitado por manejar as ferramentas da notícia e é grosseiramente substituído por pasteleiros da área do retoque de imagem e das relações públicas. Com a profusão de micro-ondas montados em série, uma mesma estória, ou um equívoco mascarado de estória é diariamente multiplicado pelos gabinetes de reciclagem de factos sem que estes sejam verdadeiramente escalpelizados. Para não ofender nenhuma das pequenas oficinas do desengano local, é como se a imensa capacidade do google, de repente, deixasse de ser um agregador de conteúdos para se transformar num produtor de conteúdos.
Para se ter uma noção do exercício que estou a tentar desenvolver, basta subscrever, por exemplo, a palavra chave Moçambique no motor de busca mais popular do mundo para se ser bombardeado diariamente por uma dezena de itens noticiosos. O confrangedor, para não dizer perigoso, é que a maior parte das estórias tem invariavelmente a mesma origem, a mesma fonte. A paranóia orweliana que era atribuída às “fábricas de de-sinformação” do Leste está profundamente implantada a Ocidente por força das novas tecnologias e das fábricas de conteúdos movidas a robot.
Mesmo que prevaleça o bom senso num escritório de advogados, o fachina de serviço encarregue de compilar um parágrafo das principais notícias, invariável e preguiçosamente extraídas do matutino oficioso, não tem a capacidade e o treino para distinguir as verdadeiras nuances de um facto noticioso.
Num dos casos mais mediáticos dos dois últimos anos, tente-se alinhar, recorrendo exactamente a um motor de busca, as notícias do sector energético, nomeadamente a construção de novas barragens, centrais hidro-eléctricas, centrais termo-eléctricas e extracção de carvão.
O resultado é verdadeiramente assombroso. As quantidades alinhadas de extracção não batem certo com as capacidades de escoamento, as linhas de transmissão e transporte energético não batem certo com a capacidade debitada de produção, os financiamentos de intenção passam a realidade. Só porque os lobbies se agitam e alimentam as várias “centrais informativas” com “factores de auto-estima”.
Nesta bola de neve, um dia destes, o executivo que escreveu na porta do seu gabinete a palavra mágica Mpanda Nkwa, começa a confundir a trepidação do seu ar-condicionado com o turbinar da água do rio Zambeze. E os vários lobbies que disputam influências e desinformação acabam por se afogar numa aparatosa batalha naval de “shots” incolores no “Dolce Vita”.
Resta saber se a estória vai para o matutino, para um magazine económico ou acaba numa glamorosa revista de eventos.
O motor de busca recicla tudo.
SAVANA – 12.02.2010