Adelino Cardoso Cassandra conta com factos do presente a história da Sãm Ponhã(uma das feiticeiras mais temidas que São Tomé e Príncipe conheceu) e Súm Muclucú(outro feiticeiro que marcou a história mítica do país). Um artigo interessante.
A Ilusão do Poder de Sãm Ponhã e Súm Muclucú
Quando eu era miúdo, vivendo tranquilamente no meu Príncipe, alguns adultos que compartilhavam connosco aquele pedaço de terra, no meio do Atlântico, faziam-nos crer, com uma convicção factual arrepiante, que, na outra ilha irmã, em S.Tomé, residia uma senhora chamada Sãm Ponha com dons demoníacos que transformavam-na numa mulher com imenso poder diante dos seus pares e de toda a estrutura social das redondezas. Da mesma forma, segundo aqueles adultos, no outro lado da mesma ilha, residia um senhor chamado Súm Muclucú, com idênticos dons que usava para atormentar a vida dos outros, sobretudo de miúdos irrequietos, que ousavam zombar dos seus exagerados atributos testiculares. Segundo as informações, quem ousasse rir das enormes protuberâncias testiculares de Súm Muclucú, que chegavam ao chão, estaria condenado à morte, tendo em conta o poder da referida personagem comparável aos dos melhores feiticeiros do mundo.
Assim sendo, Sãm Ponhã e Súm Muclucú, transformaram-se, durante muito tempo, em figuras míticas da sociedade Santomense temidos mais pela fama e exibição geracional dos seus poderes do que o alcance real e efectivo dos mesmos. Era vulgar, tais criaturas, naquele contexto temporal concreto, exibirem-se, ciclicamente, nos púlpitos das respectivas freguesias escolhendo as suas vulneráveis vítimas, de acordo com o estado físico e emocional das mesmas, aumentando, assim, os seus poderes de temíveis de feiticeiros de primeira linha.
No entanto, a generalidade das pessoas não sabia, que o poder de Sãm Pomhã e Súm Muclucú era proporcional à importância e interiorização que cada um de nós, individualmente, fazia dele e da extensão e níveis de ignorância existente no país. Ou seja, era um poder ilusório que não mudava a realidade observável, mas, antes, de forma oportunística, vangloriava-se dos efeitos da desgraça alheia, justificadamente assumidos pelos referidos feiticeiros, para, cumulativamente, espalharem o terror exibicional entre os seus pares e respectiva população.
Foi esta a receita simples que fez com que o poder, de Sãm Ponhã e Súm Muclucú, eternizasse na memória de muitos Santomenses.
Neste momento, tendo em conta a situação de miserabilismo económico e social prevalecente, no país, alguns eternos políticos resolveram vestir a pele de Sãm Ponhã e de Súm Muclucú, revisitar um período negro da nossa história colectiva e, consequentemente, passear o seu poder ilusório na Tribuna da nossa Assembleia Nacional.
Só assim se compreende que um eterno deputado, fazendo o papel de Súm Muclucú, dirigiu-se ao país, como cidadão nacional, afirmando que faria tudo o que estivesse ao seu alcance para apresentar uma queixa-crime, no ministério público, contra o senhor Presidente da República, pelo facto deste ter produzido afirmações que relacionam o próprio presidente, e alguns representantes de partidos políticos, com a eventual compra de alguns deputados, do partido ADI, na presente legislatura.
Se o propósito do referido deputado é pertinente e desejável, para o esclarecimento do caso em questão, ninguém compreende que o mesmo, não tenha aproveitado o palco, em causa, para informar o país que decidira, também, apresentar uma queixa-crime contra o seu próprio partido pelos danos causados por este a todos os cidadãos nacionais que foram vítimas de perseguições políticas, torturas, prisões arbitrárias e mortes no regime político anterior. Como Súm Muclucú, o referido deputado vangloria-se do seu poder, que, não muda a realidade observável, mas, intimida todos aqueles que ousam zombar da memória histórica e institucional do seu próprio partido.
No outro lado da mesma rua, a senhora ministra de Defesa, Justiça e Assuntos Parlamentares, não querendo ficar atrás de Súm Muclucú, decidiu, também ela, revisitar Sãm Ponhã, ameaçando com ordem de prisão o Presidente do Governo Regional do Príncipe, porque este ousara não acatar a sua decisão de instalar um radar militar, na ilha do Príncipe, que impede, toda a população da referida ilha, o acesso aos meios de comunicação – rádio e televisão – privando-a de um direito constitucional fundamental que é o acesso a uma informação plural fomentadora do conhecimento e consciência cívica e, simultaneamente, isola-a do resto do mundo. Ou seja, entre dois direitos, o acesso aos meios de comunicação e informação de uma população inteira e suposta defesa e segurança interna de todo o espaço nacional, compatibilizáveis tecnicamente sem qualquer problema nos tempos actuais, a senhora ministra, qual Sãm Ponhã, decidiu que a sua opinião e poder tinham que prevalecer ameaçando, com eventual prisão, o Presidente do Governo Regional do Príncipe, se contrariasse, no futuro a sua decisão.
Isto não é só um problema de radares e de acesso à informação é, sobretudo, um problema de liberdade e democracia que as próprias palavras e intenções, bélica e autoritária, da senhora ministra de Defesa vieram desmascarar. Ou seja, presumo, que haja, a montante, um plano, milimetricamente concebido, com o objectivo de limitar os direitos cívicos e liberdades da população da ilha do Príncipe.
A senhora ministra deveria saber, que, no Príncipe, entre a liberdade
nacional, num país que não tem outros meios de dissuasão militar, para além dos malditos radares que colocam em causa esta mesma liberdade e democracia, a população do Príncipe escolherá, sempre, a sua liberdade e aprofundamento democrático. O Príncipe não é uma coutada da senhora ministra de Defesa. Como diria Emmanuel Mounier «… quem adormece na sua liberdade acorda escravo…».
É óbvio que há, nesta atitude, bélica, ignorante, patética e irresponsável, da senhora ministra de Defesa, tiques de revisitação de um período negro da nossa História colectiva, como salientara anteriormente, em que as pessoas eram presas de forma arbitrária, perseguidas politicamente, torturadas ou mesmo mortas, porque contrariavam, a obediência cega a um regime totalitário e cruel. A senhora ministra, ao vestir a pele de Sãm Ponhã, esqueceu-se que estamos em democracia e que o seu poder ilusório e exibicional não passa de fragmentos palavrosos avulsos de sustentação da sua pobre imagem e auto-estima corroídas por incompetência, défice ético, má preparação técnica e cultural, para cumprimento de uma tarefa tão exigente e complexa como a de ministra de Defesa.
A senhora ministra deveria saber que tanto o Governo Regional, como o Central são instituições políticas da República decorrentes da vontade popular, em democracia, e que a divisão dos poderes (legislativo, executivo e judiciário) decorreu, ao longo dos tempos, dos constrangimentos e do perigo do despotismo. Provavelmente a senhora ministra de Defesa nunca leu Montesquieu e, tal como Sãm Ponhã, prefere exibir, de forma ignorante e patética, junto da plebe, os seus dotes de despótica, tentando impor o terror, como forma de minimizar as suas dificuldades e incompetência. Num país minimamente decente esta senhora nunca seria governante, numa pasta tão complexa e exigente, porque conseguiu arruinar, num curto intervalo de tempo, todos os alicerces organizacionais e doutrinários da nossa tropa transformando-as, com o seu delírio bélico, patético e irresponsável, em grupos sem comando ou organização que andam aos tiros com outras forças paramilitares forjando mortes, insegurança e desrespeito institucional.
Esta atitude da senhora ministra de Defesa, de ameaçar com prisão o Presidente do Governo Regional do Príncipe, sendo uma decisão avulsa e inerente ao carácter e vulgaridade da referida protagonista é, simultaneamente, a assunção e manifestação de uma linha política, enraizada como doutrina, no interior da corporação castrense, desde que a mesma assumiu funções governamentais na referida pasta. Os resultados estão a vista de todos: temos as nossas forças armadas num caos organizacional e doutrinário reproduzindo, mimeticamente, os tiques bélicos e irresponsáveis da referida ministra.
Isto não é uma questão menor ou desprezável em democracia. Ninguém compreende que uma instituição que era, até há pouco tempo, referência organizacional, institucional e doutrinária, no nosso país, num curto intervalo de tempo perdeu todo o respeito, consideração e estima, junto dos cidadãos, que homens como Albertino Neto, Daniel Daio, Raul Bragança e Óscar de Sousa ajudaram a consolidar. É obra, a senhora ministra de Defesa ter conseguido fazer tudo isso, num curto intervalo de tempo. As nossas Forças Armadas mereciam mais e melhor.
Quem deve estar a rir, desalmadamente, são todos os outros partidos da oposição. De facto, tendo ministros com vocação suicidária como esta senhora, o senhor primeiro-ministro não precisaria de oposição nenhuma.
Compreendo o esforço que o primeiro-ministro tem feito em prol da regeneração democrática do seu partido, sua reorganização e dinamização interna e exclusão, ainda que tímida, de alguns parasitas do seio do mesmo. Temo que tudo isto não chegue e que a tarefa de ganhar as próximas eleições legislativas, com maioria absoluta, como pretende, se torne uma tarefa hercúlea. É bem provável, que, com estes sucessivos acontecimentos, o senhor primeiro-ministro tenha, também, de aprender a “amarrar” feiticeiros para controlar estragos no interior do seu próprio partido e conseguir tal propósito.
Adelino Cardoso Cassandra
Téla Nón, Quarta-feira, 10 de Fevereiro 2010 http://www.telanon.info