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Moçambique, apesar de ter eleições multipartidárias desde 1994, continua a ter um “défice democrático”, porque as instituições funcionam como durante o
regime autoritário, defendeu segunda-feira o investigador Salvador Forquilha, do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Salvador Forquilha, doutorado em Ciência Política pela Universidade de Bordeaux, França, falava em Maputo na apresentação do livro “Desafios para Moçambique
O livro pretende debater os desafios que o país enfrenta na área política, mas também na economia, na educação ou nas relações com os países vizinhos.
Nuno Castel-Branco
Sobre a área económica, Nuno Castel-Branco, outro dos investigadores do IESE
que participou na feitura do livro, lembrou que as medidas de estabilização e ajustamento estrutural de Moçambique começaram há mais de duas décadas, e disse que ainda hoje a estabilidade e a solidez dos indicadores monetários continuam a depender da ajuda externa.
“Como é que este nível de dependência pode ser consistente com a história
de sucesso e robustez que é contada todos os dias? Até que ponto é que a aparente estabilidade dos indicadores monetários e a aparente redução da pobreza não dependem mais dos fluxos externos de capitais do que da composição do crescimento económico?”, questionou.
Salvador Forquilha, se por um lado lembrou outra história de sucesso, que foi a da
passagem da guerra para a paz e de um regime autoritário para um democrático, afirmou, por outro, que “a lógica de funcionamento das instituições continua a ser de alinhar pelas lógicas de funcionamento do Estado monopartidário”.
Zona política cinzenta
De resto, em África, acrescentou o investigador, muitos processos de transição democrática iniciados na década de 90 estão a viver numa “zona política cinzenta”: não são autoritários e também não são democráticos.
Moçambique, com “indícios fortes de democracia”, parece ainda apresentar “sérios défices democráticos”, como o alheamento político e os baixos níveis de participação política e o baixo nível de confiança nas instituições.
Outro défice, adiantou, consiste na dificuldade em distinguir entre o partido no poder e o Estado, pelo que há uma “aberta partidarização do Estado”, resultando que Moçambique vive uma “transição inacabada”, porque “as instituições criadas” estão reféns “da herança e da lógica do funcionamento do Estado monopartidário”.
Com 360 páginas, o livro do IESE aborda os desafios da construção democrática, da construção de uma economia sustentável, de cidadania, educação e urbanização, e desafios de integração e cooperação.
CORREIO DA MANHÃ – 24.02.2010