Miguel Mkaima falava terça-feira à AIM, em Lisboa, no contexto do lançamento, na segunda-feira última, na capital portuguesa, do livro da autoria do investigador português José Manuel Duarte de Jesus.
Eduardo Mondlane - Um Homem a Abater tem 508 páginas e vai estar disponível no mercado moçambicano o mais provável dentro de um mês, segundo a editora Almedina.
Folheei o livro. É uma pesquisa em que o autor dedicou tempo para investigar, disse Mkaima, adiantando que respeito opinião de cada um, incluindo do autor, uma vez que tem a ver com a dedicação pessoal, mas sem avançar mais detalhes.
O livro baseia-se na tese de doutoramento apresentada pelo autor na Universidade Nova de Lisboa, em 2009, e teve como objectivo estudar a figura singular de Eduardo Mondlane, entre os líderes africanos nacionalistas da década de 1960.
A tese de José Manuel Duarte de Jesus, um diplomata reformado e doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa, defende que a morte de Eduardo Mondlane foi orquestrada por várias entidades, incluindo a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), instrumento do poder colonial fascista português.
Eduardo Mondlane foi morto por um engenho explosivo colocado numa carta-pacote a 03 de Fevereiro de 1969, na Tanzania, em plena luta de libertação contra o colonialismo português.
O autor da investigação diz estar convencido que a morte de Eduardo Mondlane foi uma maquinação em que entraram várias entidades e não uma só.
De acordo com José Manuel Duarte de Jesus, uma organização de extrema direita, fundamentalmente composta por franceses (da OAS - Organization de l´Armée Secrète), estava baseada em Portugal disfarçada numa agência de notícias, a Aginter Press, que era um centro de terrorismo internacional.
Estas pessoas eram financiadas pela PIDE e por certos serviços de inteligência de países ocidentais, sublinha Duarte de Jesus, acrescentando que estes infiltraram-se na FRELIMO.
Segundo o autor, esta organização, no fundo controlada pela PIDE, fomentou a divisão dentro da FRELIMO.
É uma morte que é complexa; estou a trabalhar neste momento sobre este assunto e espero chegar a conclusões um pouco mais concretas, mas não tenho dúvidas que há vários indícios que mostram que ele teria sido morto, eventualmente, por um grupo da FRELIMO manipulado por potências estrangeiras, disse, salientando que poderá publicar uma nova obra sobre o assunto.
O diplomata Miguel Mkaima foi um dos presentes na cerimónia de lançamento da obra, que contou igualmente com a participação de Eduardo (Edy) Mondlane Júnior, um dos filhos do fundador e presidente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
A publicação do livro resulta da parceira entre a Editora Almediana e a Fundação Mário Soares, local onde a cerimónia de lançamento decorreu. O patrono da fundação, o antigo Presidente português, Mário Soares, também esteve presente.
Falando na apresentação da obra, o professor Adriano Moreira, um amigo de Moçambique, recordou o passado do académico moçambicano, sublinhando que conheceu Eduardo Mondlane na década de 60 nas Nações Unidas, onde era funcionário no Centro de Estudos Africanos, em Nova Iorque.
Por seu turno, José Manuel Duarte de Jesus, recordou que (na década de 60) EduardoMondlane levou a cabo um conjunto de esforços numa estratégia que visava pôr cobro a colonização em Moçambique por via de negociação com o Governo português, aproveitando o facto de estar numa organização como a ONU e a influência dos EUA, mas nada resultou, daí que a opção dos moçambicanos foi a guerra de libertação.
Duarte de Jesus falou da grande visão de Eduardo Mondlane sobre o mundo na altura, recordando que a estratégia de Eduardo Mondlane durante o processo de libertação foi tentar manter uma independência relativamente aos três grandes blocos da época da “Guerra Fria” (os EUA, por um lado, a ex-URSS por outro e a China), mas manteve relações com todos, porque, no fundo, recebia ajuda em armamento chinês, soviético e dos países do leste e tinha uma forte ligação com os países escandinavos (caso da Suécia).
Tentou fazer com que a guerra pela independência em Moçambique dirigida pela FRELIMO fosse independente das grandes potencias que se degladiavam (em plena Guerra Fria), disse.
Ao mesmo tempo, segundo o autor, Eduardo Mondlane defendia uma estratégia interna de manter coesão na FRELIMO, porque é evidente que os movimentos de libertação, no caso da FRELIMO, espelhava dentro de si, estes vários actores internacionais.
Descreveu que Eduardo Mondlane viveu numa época muito difícil, de jogo de influência das potências mundiais no âmbito da “Guerra Fria”, dai que terá sido vítima da sua própria posição de não alinhar para qualquer um dos lados.
Eu acho que o seu assassinato é, realmente, quase uma necessidade histórica, acrescentou o autor.
Segundo o investigador, as posições que Eduardo Mondlane assumiu e, fosse quem fosse que o tivesse morto, aquilo agradou a maior parte das pessoas. Ele era uma pessoa incómoda.
Agradou, com certeza, a Portugal que estava em guerra com Moçambique e que pensava que acabando com o chefe a FRELIMO vai ter problemas complicados e graves de sobrevivência e de unidade acabando por cair para um dos lados.
Por outro lado, avançou, é evidente que fora desse tipo de problema punha-se o problema de continuar a gerir a FRELIMO sem uma figura carismática como Eduardo Mondlane, numa altura em que Portugal lançava ao mundo uma propaganda de guerra contra o comunismo em África, mas Eduardo Mondlane não era um agente soviético.
José Manuel Duarte de Jesus esteve em Moçambique em 2009.
Eduardo Mondlane Júnior, também falando na ocasião, agradeceu o gesto do autor da obra destacando que, para a família, o livro é unico.
De certeza absoluta o livro é também fascinante para quem está interessado na História da Luta de Libertação de Moçambique, disse Edy Mondlane, que quando o pai morreu (em 1969) tinha 12 anos.
O prefácio do livro foi escrito pela viúva de Eduardo Mondlane, Janeth Rae Mondlane, que destaca que a África e o mundo perderam um político com uma perspectiva pouco usual, um diplomata e académico que entendia as forças de pressão e guiava os movimentos sociais.
- DOMINGOS MOSSELA, da AIM, em Lisboa