O SECTOR público foi o que menos importância deu à implementação do Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP), em quatro anos de actividades do fórum nacional de operacionalizacao deste instrumento africano no país. O facto vem reflectido no relatório de balanço divulgado sexta-feira última, em Maputo.
O MARP, cujo acesso é de carácter voluntário, foi criado em 2002, como instrumento de avaliação do desempenho e progresso político, económico e social entre os países africanos. Na essência, o Mecanismo Africano de Revisão de Pares procura garantir que os países que a ele aderiram estejam integralmente identificados e comprometidos com os princípios, prioridades e objectivos de boa governação, dispostos a permitir que os seus pares avaliem a situação nos seus respectivos países nas áreas de democracia e governação política, governação e gestão económica, governação corporativa e desenvolvimento sócio-económico.
Moçambique aderiu ao Mecanismo em Março de 2003, ou seja um ano após a sua criação. Todavia, segundo o presidente do Fórum Nacional deste instrumento no país, Lourenço do Rosário, o processo não teve avanços que se esperavam devido à realização de eleições gerais em 2004.
O mesmo só viria a ser retomado em Agosto de 2005, com a designação, pelo Conselho de Ministros, do Ministro da Planificação e Desenvolvimento (MPD), Aiuba Cuereneia, como ponto focal do MARP em Moçambique. O Governo estabeleceu, igualmente nessa altura, o Fórum Nacional, órgão colegial representativo de vários estratos da sociedade, com funcionamento autónomo do Governo de modo a garantir o seu engajamento no processo.
Várias realizações tiveram lugar desde então, com destaque para a realização de seminários para a sua divulgação, de que resultaram na elaboração do relatório de revisão do país.
SOBRE A DEMOCRACIA E GOVERNAÇÃO POLÍTICA
O relatório número-11 de revisão do MARP, de Maio de 2009, destaca, no capítulo sobre democracia e governação política, que a liderança do país realizou com um grau de sucesso razoável ao longo dos 16 anos de paz. Segundo o documento, isto permitiu uma transição relativamente suave de um Estado monopartidário de orientação marxista para uma democracia multipartidária de mercado livre. O Governo de Moçambique merece, de acordo com a fonte, muitos elogios pelo sucesso conseguido até à data, na sua tentativa de institucionalizar a democracia e a boa governação política, apesar dos desafios enfrentados ao reconciliar interesses políticos e sociais incompatíveis e os recursos humanos e materiais relativamente inadequados.
Destaca que existem desafios à manutenção da paz. O relatório observa que existem evidências de níveis crescentes de violência devido às desigualdades percebidas nos procedimentos seguidos nas eleições, nomeadamente o registo dos eleitores, o processo de campanha, o processamento dos boletins de voto e a comunicação dos resultados da votação.
Segundo a fonte, alguns dos conflitos violentos registados em Moçambique podem ser associados aos desequilíbrios persistentes no desenvolvimento regional em termos de investimentos, infra-estruturas socioeconómicas, prestação de serviços e projectos de grande escala que poderiam aliviar o desemprego.
Todavia, a paz que prevalece no país é ameaçada por factores ligados a insuficiências verificadas na implementação de aspectos que contribuiriam para criar confiança no Acordo Geral de Paz, ou seja, desafios à consolidação da paz e desafios à protecção e à promoção da segurança humana.
O clima de paz é, ainda de acordo com o documento, também perturbado pelos programas inconclusivos de desmobilização e reabilitação, em especial dos desmobilizados de guerra.
Observa que o controlo e o acesso à terra constituem uma fonte de conflito em muitas comunidades. Identifica as eleições como tendo sido também causas do conflito em Moçambique.
Sobre a Função Pública, o capítulo afiança que ela tem uma reputação deplorável de incompetência e ineficácia, corrupção, burocracia e má prestação de serviços. A incompetência e a ineficácia são, em parte, resultado dos recursos humanos qualificados em número limitado disponíveis para serem recrutados, bem como das oportunidades inadequadas de formação e educação contínua para os funcionários do Estado.
Entretanto, realça que o Governo se envolveu num esforço tremendo com vista a revitalizar a Função Pública desde o fim da guerra, adoptando um programa de reforma do sector, o qual é implementado em duas fases.
DA GOVERNAÇÃO E GESTÃO ECONÓMICAS
Sob todos os primas, Moçambique representa um dos melhores casos de transição pós-conflito para a estabilidade política, democracia e boa governação política e económica em África. O país tem conseguido atingir taxas de crescimento económico elevadas, as mais elevadas para uma nação não produtora de petróleo no continente ao longo da última década e meia. O crescimento atingiu uma média de oito porcento entre 2000 e 2006, mas baixou ligeiramente para 7,3 porcento em 2007.
Uma gestão macroeconómica sólida contribuiu para o bom desempenho económico que se regista no país. Desde o fim da guerra, em 1992, o Governo adoptou, de uma forma consistente, uma política monetária, fiscal, cambial, comercial e de gestão da dívida prudente. A inflação está em grande medida sob controlo, tendo baixado dos dois dígitos entre 2000 e 2004 para uma média de sete porcento entre 2005 e 2007 e 8,6 porcento em 2008. As taxas de câmbio têm estado estáveis e o défice fiscal foi reduzido para perto da meta da SADC, de cinco porcento do PIB.
O relatório observa, no entanto, que uma grande deficiência verificada na gestão económica em Moçambique, prende-se com o facto do processo de crescimento ter resultado, em grande medida, dos grandes investimentos estrangeiros, nos megaprojectos e dos fluxos de ajuda em quantidade significativa. Com a despesa estrangeira a totalizar mais de 50 porcento da despesa pública, Moçambique é um dos países mais dependentes da ajuda de África.
GOVERNAÇÃO EMPRESARIAL
O relatório destaca que os princípios da governação empresarial não estão enraizados nas actividades centrais da maioria das empresas e nem existem instituições reguladoras adequadas que se dediquem a zelar pelos princípios deste tipo de governação. Contudo, após as recentes reformas verificadas no sector financeiro, o conceito está a popularizar-se rapidamente e estão a ser tomadas medidas com vista a preparar um Código Nacional de Governação Empresarial.
Afirma, entre outros aspectos, que a actividade empresarial do sector privado é predominantemente informal, não qualificada e sem habilidades empresariais. Diz que a CTA, órgão mais alto do sector privado, desempenha um papel importante de ligação entre o Governo e o sector privado, mas não tem capacidade para atender às necessidades de todo o país.
Entre outros pontos, o documento diz que a estratégia de redução da pobreza registou algum sucesso na diminuição do número de moçambicanos que vivem em situação de carências extremas, de 69,4 porcento em 1997 para 54,1 porcento em 2003. A maior taxa , segundo o relatório, verifica-se nas zonas rurais.
Destaca que Moçambique registou avanços na realização dos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM).
RECOMENDAÇÕES DO FÓRUM
O Fórum Nacional do MARP advoga, entre outros, que o Governo deve considerar a inclusão nos planos quinquenais, económicos e sociais as recomendações da avaliação do país incorporadas no Plano Nacional de Acção 2010-2014.
O Ministério da Planificação e Desenvolvimento deve dar a necessária orientação aos ministérios sectoriais responsáveis pela implementação de actividades do plano, fazendo com que antes cada um destes agentes de implementação percebam quais são os seus deveres e responsabilidades perante o mesmo e qual é a importância do MARP.
Deverá também ser desenhado e implementado um sistema de monitoria e avaliação da implementação do plano, de modo a que se possa determinar se estão a ser concretizadas as suas actividades e atingidos os seus objectivos.
Igualmente, as acções de divulgação do MARP deverão ser continuadas para se aumentar e manter viva a consciência pública sobre este instrumento.
“É importante que se mantenha a natureza interactiva e participação do processo envolvendo-se sempre que possível os facilitadores do mecanismo dos níveis provincial e local, para se manter vivo e facilitar o diálogo com a sociedade civil”.
- Felisberto Arnaça