As estações arqueológicas de Manyikeni e Chibuene e os conjuntos das pinturas rupestres nas províncias de Manica e Nampula foram inscritas na lista indicativa como eventuais candidatos de serem classificados como Património da Humanidade. A possível elevação da estacão arqueológica Manyikeni a esse estatuto significará o reconhecimento do seu legado histórico, arquitectónico, natural e ambiental. Ao Governo de Moçambique cabe a missão de conservação, preservação, restauro e divulgação deste complexo histórico, nos planos nacional e internacional. A protecção da cultura assegura a perenidade e a transmissão às novas gerações do legado histórico e artístico dos nossos antepassados e das conquistas, realizações e valores contemporâneos.
O COMPLEXO DA TRADIÇÃO ZIMBABWE
Manyikeni localiza-se no centro da província de Inhambane, 440 quilómetros a sudoeste do Grande Zimbabwe, a oeste de Vilankulo e a 50 quilómetros da costa do Oceano Índico. A estacão é um centro regional da tradição Zimbabwe do segundo milénio. O conjunto arqueológico é constituído por uma muralha e povoamento circunvizinhos.
Durante o tempo colonial, o antropólogo R. dos Santos Júnior fez o primeiro relato sobre Manyikeni depois da visita realizada em 1935. Em 1961, Lereno Barradas, membro da Comissão Nacional de Monumentos e Relíquias de Moçambique, considerou as ruínas como sendo os vestígios de um entreposto do comércio ligado ao Grande Zimbabwe que foi construído pelos portugueses. Durante muitos anos, pensou-se que o Grande Zimbabwe tinha sido construído por estrangeiros. Hoje existem provas inequívocas que foi uma obra da população local, os antepassados dos Shonas.
Após a Independência, João Morais, arqueólogo da Universidade Eduardo Mondlane, iniciou um projecto de escavações sistemáticas de Manyikeni com a participação dos arqueólogos Peter Garlake e Graeme Bar-Ker, do British Institute para África Oriental.
Em 1977, Paul JJ Sinclair introduziu no projecto os métodos que permitiram, posteriormente, a computorização dos dados e testar novas ideias sobre a ocupação espacial e a arqueologia “behaviouristica” (comportamental), como também providenciar elementos para fins educativos.

PORQUÊ UM MUSEU AO AR LIVRE?
O primeiro museu ao ar livre em Manyikeni foi fundado em 1979. Os seus propósitos educacionais já estavam patentes durante as pesquisas e actividade científicas. Mais de 450 pessoas residentes das zonas abrangidas pelas pesquisas participaram voluntariamente apoiando nas escavações e tomarem parte nas palestras e visitas à estação. Foram inauguradas sete placas informativas sobre a história da estacão e uma exposição da autoria do jovem pintor J. Libombo que ilustra achados arqueológicos e a vida dos seus habitantes. Assim, o primeiro objectivo da exposição e do museu arqueológico ao ar livre foi divulgar a história pré-colonial de Moçambique.
No início de 1980 eclodiu o conflito armado entre a Frelimo e a Renamo. As pesquisas e actividades museológicas foram abandonadas. Devido a esta situação, o pavilhão de exposição foi destruído. Depois da guerra os objectivos foram transferidos para Maputo e guardados no laboratório arqueológico da Universidade Eduardo Mondlane. Após o restabelecimento da paz foi decidida a construção de um museu no seguimento do projecto Regional das Origens Urbanas na África Oriental, Projecto Regional da Constituição, patrocinado pelo ASDI (Suécia) entre 1997 e 2000.
Actualmente, Solange Macamo, a primeira moçambicana doutorada em arqueologia, está a prosseguir com a pesquisa com vista à integração dos resultados do projecto sobre as origens urbanas na África Austral e Oriental nos planos e conservação de Manyikeni.
A ESTACÃO E SUA CRONOLOGIA
Manyikeni constitui uma muralha de plano elíptico, com cerca de 50 x 65 metros, cercada pelo povoamento. Originalmente, as muralhas feitas de blocos de calcário, tinham 1,50 metro de altura e 1.50 metro de espessura. Estima-se que o número de casas se situava entre 100 e 137. Provavelmente eram ocupadas por uma população de 150 a 200 pessoas. A organização espacial testemunha as diferenças sociais entre aqueles que vivem dentro do amuralhado e fora dele.
As escavações arqueológicas em Manyikeni forneceram importantes informações acerca da história e do papel desta estação no desenvolvimento do comércio à longa distância na África Austral entre os séculos XIII e XVII.
Manyikeni estava também ligada, cultural e economicamente, aos povoamentos costeiros em Moçambique, como Chibuene, fundado ainda no primeiro milénio, e ao Grande Zimbabwe no interior do continente.
A grande quantidade de material proveniente das escavações confirma uma longa ocupação. A população viveu em Manyikeni antes da construção do amuralhado (cerca do ano 1200) e durante a sua construção (até ao ano 1450).
A criação de bois e ovinos deve ter constituído uma actividade principal. Os utensílios dos camponeses de Manyikeni da primeira metade do segundo milénio são muito similares aos usados pelos camponeses nos dias de hoje, particularmente para amanho do solo. E os cereais plantados eram também os mesmos: o sorgo (mapira) e painço africano. A pesca de água doce, a caça de animais de pequeno porte, bem como a colheita de ervas e frutos selvagens forneciam uma contribuição importante para a alimentação dos camponeses. A cultura de Manyikeni apresenta-se tanto como a de uma comunidade de caçadores e criadores de gado como de agricultores. O que surpreende nos resultados da pesquisa arqueológica é a grande variedade de recursos e o carácter diversificado da economia. Por volta do ano 1700 o centro de Manyikeni foi abandonado.

MANYIKENI COMO PATRIMÓNIO
A classificação de bens imóveis do património cultural e natural visa distingui-los pelo seu valor histórico, cultural ou estético, e garantir a sua conservação e fruição pela comunidade, conferindo-lhes uma protecção legal e um estatuto privilegiado. As decisões de classificar os bens imóveis do património cultural, histórico ou natural são sempre fundamentadas em critérios de autenticidade, qualidade e originalidade ou também no facto desses bens constituírem testemunhos documentais de natureza histórica, arquitectónica, arqueológica, artística, científica, técnica ou social.
Sabendo que o processo de classificação é necessariamente moroso pela exigência de rigor na fundamentação técnico-científica e pela necessidade de audição dos depositários, municípios e demais interessados, a Lei 10/88 de 22 de Dezembro, sobre a protecção do património cultural, prevê a entrada em vigor de medidas cautelares de protecção na fase de instrução dos processos. Ou seja, a partir do momento em que os bens imóveis se encontrem em vias de classificação, tal como acontece com as estações arqueológicas de Manyikeni e Chibuene. A Lei determina ainda que os bens em vias de classificação gozem da mesma protecção dada aos classificados.
Assim, os imóveis em vias de classificação não podem ser demolidos, alienados, restaurados ou alterados sem prévia aprovação do Ministério da Educação e Cultura. A fim de garantir a salvaguarda das envolventes destes imóveis, também a legislação internacional, de um modo geral, prevê a imediata fixação de uma zona de protecção de 50 metros, contados a partir dos limites exteriores. Qualquer obra ou instalação nessas zonas de protecção carece de parecer prévio. É já uma prática difundida no país, como medida cautelar, proceder-se à colocação de placas de protecção e identificação de imóveis in situ.
Nesse particular, cabe à Administração do Distrito de Vilankulo o dever de promover a classificação de bens culturais e arqueológicas nas respectivas áreas. Recentemente, uma equipa da televisão britânica BBC, acompanhada por nós, juntou-se a este esforço produzindo um capítulo dedicado a Manyikeni para a série televisiva “Na Pista dos Antigos Reinos Africanos”.
A classificação dos imóveis tem como base os critérios gerais das disciplinas correspondentes, como a Arqueologia, a Arquitectura, a História ou a arte, e ainda os complementares. Entram dentro desta última categoria os princípios universais da UNESCO da autenticidade, da integridade e do exemplo.- Leonardo Adamowicz, In Revista M de Moçambique