A talhe de foice
Por Machado da Graça
O Boletim Moçambique 156, priduzido pelo jornalista Joe Hanlon, publica dados que são bastante perturbadores em relação à nossa economia.
Citando o Trabalho de Inquérito Agrícola (TIA) que, segundo ele, cobre cerca de 70% da população, o boletim refere 3 pontos concretos:
. Muitos moçambicanos rurais têm um rendimento em dinheiro de menos de US$ 1 por semana. Os 10% mais pobres não têm absolutamente rendimento nenhum em dinheiro, enquanto os em melhor situação têm mais de US$ por dia.
. Muitos moçambicanos rurais estavam mais pobres em 2008 do que em 2002.
. De
A serem correctos estes números, isto diz-nos que não estamos a vencer a luta contra a pobreza, estamos a perdê-la. E a perdê-la de forma acelerada.
Por outro lado os dados indicam que o fosso existente entre ricos e pobres está a aumentar cada vez mais.
Entre 2002 e 2008 cresceu para quase o dobro. Hoje já deve ter ultrapassado largamente esse dobro.
Esta informação dá-nos, igualmente, a dimensão assustadora dos nossos níveis de pobreza.
Normalmente considera-se que alguém está abaixo do nível de pobreza quando o seu rendimento é de menos de US$1 por dia. Ora, ao que parece, muitos dos nossos camponeses têm menos do que isso por semana. E os 10% mais pobres não têm rendimento nenhum.
Isto quer dizer que esses 10% têm apenas aquilo que produzem para o seu sustento imediato, não lhes restando nenhumas sobras com que possam comprar tudo aquilo que não produzem (medicamentos, material escolar, sabão, etc). Não se pode dizer que essas pessoas vivam. Sobrevivem enquanto uma qualquer desgraça, por vezes aparentemente pequena, não desequilibra o sistema de sobrevivência levando-as a uma morte prematura. A mais pequena doença, o mais insignificante acidente podem ser fatais nessas circunstâncias de sobrevivência.
E os da camada imediatamente mais acima pouco melhor estão do que eles. Com US$ 1 (30 Meticais) por semana o que é que se pode fazer?
E o TIA informa que a situação está a piorar e muitos camponeses eram mais pobres em 2008 do que seis anos antes.
E, se deixarmos o campo e analisarmos a situação nas nossas cidades, as coisas não devem ser muito diferentes. Provavelmente serão ainda piores, em termos de desequilíbrio entre ricos e pobres. As gigantescas mansões que surgem em alguns bairros de Maputo significam gente com fortunas astronómicas nas mãos.
Fortunas que muitos deles teriam enorme dificuldade em justificar. Nem os mais ricos colonos, antes da independência, sonharam alguma vez construir mansões como muitas das que hoje vemos surgir nas barreiras, no Bairro Triunfo, ao pé do campus universitário, etc.
Pelo contrário, os citadinos urbanos continuam, na sua grande maioria, a habitar casas pequenas, em bairros degradados, muitas vezes sem energia nem água em casa.
E, para a classe média, pura e simplesmente não se constrói. Os jovens recém-formados, recém-casados não têm para onde ir morar. Podem até ter recursos para alugar uma flat. Só que ela não existe para ser alugada. Há as deixadas pelos colonos, cada vez mais degradadas com a idade, e mais nada. Daí que vão procurando um terreno para construir, cada vez mais longe do centro da cidade e dos seus locais de trabalho.
Em resumo, a gestão a que o nosso país tem estado a ser sujeito tem sido mãe de uma pequena parte dos cidadãos (a maior parte dos quais com um cartão vermelho no bolso) e madrasta de todos os outros.
Ainda há poucos dias, no lançamento do livro Desafios Para Moçambique, 2010, o economista Carços Castel-Branco, perguntava: Como é que este nível de dependência pode ser consistente com a história de sucesso e robustez que é contada todos os dias?
E, ao que dizem estes números, a situação não está a melhorar.
Está a piorar e muito rapidamente.
Quem é que fez esta situação? Quem é que a faz?
SAVANA – 26.02.2010