Editorial
Na Beira, os régulos estão a pôr desesperada a administradora da cidade, Cremilda Sabino, porque eles recusam-se a serem reconhecidos por ela, uma vez que já foram reconhecidos pelo presidente da autarquia. Agindo assim, os régulos estão a voltar a ter a autoridade que historicamente tiveram, e que a Frelimo sempre lhes negou depois da independência, só a reconhecendo muito mais tarde e depois de terminada a guerra civil empreendida pela Renamo.
O exemplo que os régulos da Beira estão a dar, na óptica de quem só tem reconhecido o poder consuetudinário para dele tirar proveitos eleitorais, é um “mau exemplo”. Esse dito “mau exemplo” está, no entanto, a ganhar volume.
No resto do país, os régulos começam a estar atentos ao que se passa na Beira. É um dado novo que pode estar a surgir no xadrez político nacional.
“Não sei efectivamente o que se passa com as autoridades tradicionais desta cidade. Tudo temos feito, há mais de um ano, para reconhecê-los, mas nada acontece. Por vezes, indicam claramente que não estão interessados. Marcamos encontro mas não aparecem. Às vezes aparecem e, na hora das cerimónias, levantam-se e vão-se embora”, disse a administradora do distrito da Beira, que tem exactamente a mesma área do Município da Beira, Cremilda Sabino, a um semanário do país.
Sucede que a administradora da Beira foi nomeada e não eleita, e o Município da Beira, como as outras autarquias, tem autonomia, tal como está determinado na Constituição.
Como se comentou insistentemente na altura, Cremilde foi nomeada para “atrapalhar” o exercício de funções pelo edil Daviz Simango, eleito em 2008
por uma maioria de mais de 60% dos eleitores, e que está actualmente no seu segundo mandato. Desta vez como independente. Posteriormente foi criado o MDM de que é agora também seu presidente.
Em
São hoje reconhecidos como elementos imprescindíveis à governação da autarquia. Têm com o Conselho Municipal da Beira relações cordiais e muito frutuosas. A cidade tem beneficiado imenso desta relação, e a Frelimo tem claramente ciúmes de Daviz Simango por ele ter conquistado o apoio do Poder Tradicional. O Conselho Municipal, aliás, tem contribuído com acções que agradam tanto às autoridades tradicionais como à população dos diversos bairros. Percebe-se, pelos resultados eleitorais, que Daviz Simango, ainda que hostilizado pela Frelimo, conseguiu cativar os régulos. Cremilde, para mostrar serviço, está a impedir que na Beira se trabalhe pelo desenvolvimento. Prefere andar a promover sarilhos.
A dupla administração tem sido a arma que a Frelimo tem tentado usar para destronar os presidentes dos municípios em que perde. Usa o poder central para encontrar artifícios que lhe permitam enganar as populações. Fê-lo com Alfredo Matata, na Ilha de Moçambique, e com Chale Ossufo, em Nacala-Porto, que foram antigos administradores daqueles municípios e que, presentemente, desde as últimas eleições autárquicas, são presidentes dos respectivos municípios. Depois de serem administradores do Estado, a Frelimo acabou por apresentá-los como candidatos a presidentes dos respectivos municípios.
Cremilda tem tentado ir pelo mesmo caminho. Contudo, na Beira, os régulos já lhe entenderam o jogo e, pelos vistos, não querem perder quem, em cerca de seis anos, já fez mais pela cidade do que aqueles que por lá andaram a fazer das suas, entre outras a vender terrenos a seguradoras, como foi o caso provado de Lourenço Bulha (ex-presidente da Assembleia Municipal da Cidade e ex-secretário provincial da Frelimo), assunto em relação ao qual, até hoje, a Procuradoria Geral da República tem estado a fazer vista grossa, apesar de haver manifestamente matéria criminal.
Com o cenário de rejeição a que os régulos da Beira a votaram, a administradora já entrou a ameaçar. Informou verbalmente o régulo do Nhangau que ele não será mais régulo, por incompatibilidade das funções de régulo com as de deputado da Assembleia Provincial de Sofala pelo MDM. Foi o próprio régulo de Nhangau que contou a um jornalista. Ele continua, contudo, a ser régulo e membro da Assembleia.
“A legitimação da estrutura tradicional cabe à família e à comunidade de Nhangau e não às estruturas administrativas”, frisou o régulo Njanje, que fala de interesses políticos por detrás da coacção. É o Poder Tradicional a conquistar o seu quinhão de poder.
Os régulos estão, assim, a fazer história. O exemplo da Beira pode pegar.
Estão a dar um contributo ímpar para a construção da Democracia que, desde Atenas, na Grécia Antiga, é um termo que significa Poder do Povo.
Em Atenas, era o povo que exercia o poder directamente, até que, nos tempos modernos, esse poder passou a ser exercido por representantes eleitos pelo próprio povo. E, tendo sido eleito para a Assembleia Provincial de Sofala, o régulo do Nhagau alargou a sua legitimidade. Enquanto isso, a administradora da Beira anda à procura de incompatibilidades que a lei não prevê. No seu exercício, entretanto, não vê a promiscuidade que existe entre cargos públicos e actividades privadas
exercidas em instalações do Estado e com meios do Estado, na sua área de jurisdição. Não vê o ilícito que é certos dirigentes do Estado na Beira usarem os meios do Estado para fins privados e para uso indevido pela Frelimo. Isso não vê. Não há notícia de que esteja a ver onde o Estado deve de facto ser defendido.
A lição que os régulos da Beira estão a dar-lhe devia servir-lhe de lição. Mas parece não ter capacidade para o entender. Os outros régulos de Moçambique vão entender, primeiro do que ela, que o Direito Consuetudinário é para se respeitar, aliás porque até é reconhecido por Lei. Os régulos são representantes dos seus súbditos e têm legitimidade por natureza. Tendo até já sido investidos pelo presidente da autarquia, na Beira, não vêem razões para que alguém esteja a querer meter o nariz, numa zona autarcizada, e em que a própria lei prevê que seja o presidente do município a dirigir os processos locais.
Os régulos estão a impor-se em defesa da Lei, como aliás acreditam que lhes compete, não só como régulos, mas sobretudo como cidadãos.
Os régulos estão a recusar-se a entrar em politiquices e fazem muito bem, porque há tantas coisas necessárias para serem feitas na Beira, que as
brincadeiras da Senhora Dona Cremilde já os cansam.
A Constituição da República de Moçambique determina que o Estado respeita na sua organização os princípios da autonomia das autarquias locais. E já quanto à autoridade tradicional, determina, no seu Artigo 118, no ponto 1, que o Estado reconhece e valoriza a autoridade tradicional legitimada pelas
populações, e segundo o direito consuetudinário. Determina que, na sua actuação, os órgãos locais do Estado respeitam as atribuições, competências e autonomia das autarquias locais. Determina também que os órgãos locais do Estado garantem, no respectivo território, sem prejuízo da autonomia das autarquias locais, a realização de tarefas e programas económicos, culturais e sociais de interesse local e nacional, observando o estabelecido na Constituição, nas deliberações da Assembleia da República, do Conselho de Ministros e dos órgãos do Estado do escalão superior.
Pelo que se está a ver, parece que a senhora administradora da Cidade da Beira não leu a Constituição. Anda aparentemente a criar confusão, em vez de deixar as pessoas trabalharem para o essencial, que é o combate à pobreza absoluta, como tem dito, aliás, o Chefe do Estado. Pelos vistos, a D. Cremilde ainda não interiorizou a mensagem do Presidente da República. É pena! Ou então o presidente do seu partido, Armando Guebuza, tem um discurso para fora e outro para dentro. (Canal de Moçambique)
CANALMOZ – 26.02.2010