Supostamente do representante do Estado na Beira
Eurico Dança, na Beira
O régulo Njanje, do regulado de Nhangau, arredores da cidade da Beira, acusa a representante do Estado nesta urbe, Cremilda Sabino, de estar a coagi-lo para deixar de ser régulo alegadamente por haver incompatibilidade com a função de membro da Assembleia Provincial (AP) de Sofala para a qual foi eleito pelo partido Movimento Democrático de Moçambique (MDM). Nhangau é um dos postos administrativos da cidade da Beira que num passado recente ficou mediatizado quando o Ministério da Administração Estatal anunciou a sua desanexação da administração municipal no âmbito do plano de ajustamento da divisão administrativa e revisão dos limites das circunscrições territoriais das cidades e vilas.
Membro da AP e régulo, Jemute Luís Ferranhe, de seu nome oficial, disse em declarações ao SAVANA que a representante do Estado na Cidade da Beira teria-o abordado sobre o assunto em pleno almoço de confraternização por ocasião da transmissão de poderes do antigo governador de Sofala, Alberto Vaquina, para Maurício Vieira, que teve lugar no centro recreativo do Banco de Moçambique sito no bairro do Macuti.
“A senhora Cremilda Sabino veio junto à mesa onde eu estava sentado tendo me informado verbalmente que eu não seria mais régulo por incompatibilidade de funções (deputado da A)”, contou o régulo de Nhangau. No seu entender, a atitude da representante do Estado não passa de uma intimidação, pois “a legitimação da estrutura tradicional cabe à família e à comunidade de Nhangau e não às estruturas administrativas”.
A fonte indicou ainda que a lei que cria as assembleias provinciais (Lei 5/2007, de 9 de Fevereiro) não aborda a questão de incompatibilidade entre as duas funções.
Em face disso, o régulo Njanje fala de interesses políticos por detrás da coacção de que diz ter sido vítima “com o objectivo de impor a influência da Frelimo” numa zona politicamente dominada pelo MDM. Aliás, a ser consumado o plano de ajustamento da divisão administrativa e revisão dos limites das circunscrições territoriais na Beira, Nhangau passa de posto administrativo sob jurisdição municipal para a gestão administrativa distrital (do Estado) representada por Cremilda Sabino.
A fonte acusa ainda Cremilda Sabino de pretender colocar no trono do regulado o seu irmão mais novo, Cussevera Luís Ferranha, militante da Frelimo, de muitas simpatias com a representante do Estado na Beira. “A senhora Cremilda está a interferir na vida do regulado, pretendendo dividir a minha família para reinar a influência dela e do seu partido. Isto vai provocar confusões familiares”, alertou. Posseguindo, lembrou que “no passado, atitudes como desobediência às autoridades tradicionais em Nhangau fizeram surgir um leão na comunidade que só veio a desaparecer depois da realização de uma cerimónia de desculpas aos espíritos”.
“Vou reunir brevemente a minha família e a comunidade toda do regulado para informar as intenções da representante do Estado na Beira quanto ao regulado”, garantiu.
Reivindicação do espaço administrativo
A chefe da bancada do MDM na AP de Sofala, Maria Virgínia, saiu em defesa do régulo Njanje e, para isso, evoca a lei das assembleias provinciais. Mas não pára por aí. Maria Virgínia acusa Cremilda Sabino de pretender, por um lado, reivindicar um espaço de administração “visto que o papel que desempenha como representante do Estado tem sido ofuscado pela gestão municipal e não tem expressão” e, por outro, destruir a sociedade tradicional da Beira. “Njanje vai continuar como régulo e deputado da AP de Sofala porque não existe incompatibilidade nenhuma defendida pela Lei”, garantiu. Jemute Luís Ferranhe, conhecido por régulo Njanje, é o quinto chefe tradicional de Nhangau desde 1994 e substituiu no trono seu pai, Luís Ferranhe, falecido naquele ano. Segundo contou ao SAVANA, os princípios do regulado estabelecem que ele (Jemute) só pode ser substituído em caso de morte ou, por iniciativa pessoal, indicar outro elemento da família.
Cremilda Sabino reage
Contactada pelo SAVANA, a representante do Estado na cidade da Beira refutou todas as acusações, tendo referido que “se trata de imaginação do régulo”. “Nunca o teria coagido a deixar as funções de régulo por incompatibilidade com as funções de membro da AP de Sofala para que foi eleito porque não tenho nenhuma prerrogativa perante a Lei de indicar o régulo”, clarificou.
Citou o decreto 15/2000, de 20 de Junho, que refere que a prerrogativa de legitimação de um régulo é dada à comunidade. “Portanto, eu não pertenço à família Njanje nem à sua comunidade, razão pela qual em nenhum momento poderei indicar ou mandar cessar o régulo Njanje das funções de régulo”, reiterou.
Cremilda Sabino reconheceu ter boas relações com a comunidade do regulado de Nhangau, incluindo com a família Njanje. “Isso não significa que eu possa ir contra as leis, não tenho poder de colocar quem quer que seja no regulado de Nhangau”.
Régulos da Beira recusam reconhecimento do Estado
Ainda em declarações ao SAVANA, a representante do Estado na Beira afirmou que tanto o régulo Njanje como outros da cidade da Beira recusam ser reconhecidos pelo Estado. Sabino indicou que, como representante do Estado, fez muitas tentativas para ver reconhecidos os régulos da Beira pelo Estado, mas “ninguém se abriu a esta obrigação”.
“Já marquei várias reuniões comunitárias com todos os régulos da Beira com a finalidade de a comunidade legitimá-los para posterior reconhecimento pelo Estado, mas que tudo redundou num fracasso”, observou. No regulado Njanje, diz Sabino, foi o próprio régulo Njanje que convocou a reunião, “mas chegada a hora ele e a sua comunidade não compareceram, muito menos receberam a brigada que se deslocou à região para o referido encontro”.
Pela falta de reconhecimento pelo Estado, os régulos da Beira não estão a usufruir dos direitos decorrentes do acto, nomeadamente receber insígnias como a bandeira da República de Moçambique, o fardamento e um subsídio mensal. Cremilda disse que o Estado possui esse material para atribuir aos régulos da Beira, “mas tudo depende do seu reconhecimento pelo Estado”.
O fardamento que os régulos da cidade da Beira usam foi atribuído pelo Conselho Municipal da Beira e, por isso, é diferente dos outros régulos do país.
Mesmo com esse constrangimento, a representante do Estado afirmou que o relacionamento de trabalho entre ela e as comunidades dos regulados não está a sofrer revés. Mas preocupa-a o facto dos régulos locais “não se sentirem orgulhosos em ser reconhecidos e receber as insígnias do Estado”.
SAVANA – 12.02.2010