MARCO DO CORREIO
Por Machado da Graça
Olá Julinho
Como estás, meu amigo? E toda essa boa gente aí em Quelimane?
Parece que nos meios do futebol isso anda um bocado agitado, não é verdade?
Como sabes o futebol não é um dos meus interesses. Respeito quem pratica e quem gosta de assistir mas eu não me conto nem no primeiro grupo nem no segundo.
Já, pelo contrário, gosto de ouvir rádio. Tenho, normalmente, o meu receptor ligado e, mesmo quando estou a fazer outras coisas, vou ouvindo o que a rádio me transmite.
Vais-me perguntar que conversa é esta. O que é que tem o futebol a ver com a rádio?
Eu explico-te.
Há dois dias estava eu a ler um livro interessante e, ao meu lado, a Rádio Moçambique transmitia um programa desportivo, a que eu não estava a ligar grande coisa. Ouvia pelo canto do ouvido.
Mas, a certa altura, ouvi alguma coisa que me pareceu interessante: o dirigente de um dos clubes de futebol, aí na Zambézia (infelizmente não fixei nem o nome dele nem o do clube, porque na rádio não dá para voltar atrás) protestava porque tinha havido eleições para os novos corpos directivos da Associação de Futebol da Zambézia, essas eleições tinham sido perfeitamente regulares, com a presença das autoridades desportivas provinciais, mas agora a anterior direcção não dava lugar para a tomada de posse da nova.
O homem estava zangado e ia protestando que não era correcto as eleições terem sido anuladas, se bem percebi por ordens do Governador.
E, já no final da sua intervenção, disse qualquer coisa como (cito de memória): porque foram dizer que a nova direcção era da RENAMO, mas não é verdade, até tem antigos combatentes”.
E aí a coisa azedou por completo. Se é correcta a imagem que aquele dirigente desportivo nos transmitiu, houve eleições, elas correram de forma legal mas, como alguém acusou os novos dirigentes de serem da RENAMO, as eleições foram anuladas e a antiga direcção continua em funções.
O que isto nos diz sobre a democracia à moçambicana dava para escrever um livro. As eleições são boas e justas quando somos nós quem ganha. Se são os outros, anulam-se e faz-se de conta que não aconteceu nada.
Esperemos que as coisas não tenham sido bem assim, porque, se foram, são sintoma de uma total falta de vergonha.
De qualquer forma esta história veio-me lembrar o que se passou, já há uns bons anos, aqui em Maputo, na COOP.
A COOP é uma empresa de foro privado, embora esteja há dezenas de anos intervencionada pelo Estado.
Pois em 2001 esse mesmo Estado convocou, publicamente, uma Assembleia Geral da COOP para restabelecer o seu normal funcionamento. Um dos pontos da ordem de trabalhos era a eleição dos novos corpos gerentes.
A Assembleia Geral decorreu, dirigida pelo representante do Estado. Os novos corpos gerentes foram eleitos mas o Estado, que não impugnou a Assembleia, nunca reconheceu os novos corpos gerentes e, até hoje, a cooperativa continua a ser gerida por uma comissão administrativa nomeada pelo Ministro das Obras Públicas e Habitação.
Os sócios da COOP meteram o caso em Tribunal e ganharam a causa. O Tribunal decidiu que o Estado deve entregar a gestão da cooperativa aos sócios eleitos. Mas o Estado recorreu ao Tribunal Supremo e o caso por lá continua, à espera de melhores dias.
Portanto, também neste caso, as eleições, quando não favorecem os interesses de quem manda, são para rasgar e deitar fora.
Raio de sistema este, não achas Julinho?
Um abraço para ti do
Machado da Graça
CORREIO DA MANHÃ – 12.02.2010