Executivo Sul-Africano subsidia oleoduto da para-estatal Sul-Africana Transnet:
• Medida pode “matar” estratégico projecto do oleoduto Moçambicano-Sul-Africano da Petroline, orçado em 620 milhões de dólares
• Estado Moçambicano é o maior accionista da Petroline, através da empresa pública Petromoc
• Executivo moçambicano forçado a negociar com o vizinho, para este compensar a Petroline “pela mesma moeda”
Por Milton Machel
O governo sul-africano, através do seu Orçamento de Estado do declarado “Year of Action and Delivery”, acaba de subsidiar a instalação do oleoduto Gauteng-Durban da sua para-estatal “Transnet”. A medida coloca em causa a continuidade do estratégico projecto do oleoduto Matola-Gauteng, do consórcio moçambicano-sul-africano “Petroline Holdings” no qual o Estado
moçambicano é o maior accionista através da empresa pública “Petromoc”. Agora, só uma compensação, pela mesma moeda (subsídio), poderá salvar o projecto. O governo moçambicano é chamado a negociar com o vizinho.
O proclamado pelo Presidente Jacob Zuma como “Ano de Acção e Realizações” começou com uma medida orçamental musculada, senão proteccionista: o governo sul-africano impôs uma taxa aos automobilistas para financiar o oleoduto de Durban a Joanesburgo da para-estatal Transnet.
No discurso do Orçamento de Estado para 2010, o Ministro das Finanças do país vizinho, Pravin Gordhan, acrescenta que “além disso, propõe-se o aumento de impostos sobre combustível em 25.5 cêntimos o litro. Isto inclui um aumento em 7.5 cêntimos o litro para contribuir no financiamento de um novo oleoduto multi-produtos entre Durban e Gauteng”.
Em discurso proferido ao Parlamento Sul-Africano no passado dia 17, o executivo de Zuma propõe um aumento adicional de 7.5 cêntimos do rande por litro tanto na gasolina como no diesel para ajudar a financiar o novo oleoduto da Transnet, orçado em 12 biliões de randes.
O Governo do país vizinho justifica o aumento do imposto sobre os combustíveis em geral com razões de segurança no fornecimento. A medida entra em vigor no próximo dia 7 de Abril.
O Engineering News, órgão de imprensa especializado no sector, reportava (no dia seguinte à apresentação do Orçamento de Estado Sul-Africano) que o serviço de transporte Transnet definiu um tecto de 4.5 biliões de randes do montante de capital que poderá obter dessa porção de aumento no imposto sobre combustíveis para financiar o oleoduto de Durban a Joanesburgo.
Este aumento de impostos específico para financiar o oleoduto Durban-Gauteng pode constituir um mealheiro de onde a Transnet possa refinanciar o seu projecto de oleoduto sempre que necessário, pois a sua colecta poderá ultrapassar esse tecto e não há clareza sobre o limite do financiamento ao empreendimento.
“Cheque em branco” para a Transnet “casamento” Petroline em xeque
Com este proteccionista “cheque em branco” à Transnet, fica em xeque o consórcio Moçambicano-Sul-Africano Petroline Holdings, que está a construir um oleoduto transfronteiriço concorrente.
O projecto do oleoduto da Petroline irá levar produtos petrolíferos como o diesel e a gasolina para o mercado sul-africano (de Mpumalanga e Gauteng) e posteriormente ao Botswana via porto de Maputo, num percurso de mais de
O consórcio Petroline Holdings é liderado pela empresa pública moçambicana Petromoc, detentora de 40 por cento, portanto uma “golden share”. Os outros parceiros são a Gigajoule Internacional (20%), o consórcio de “Black Economic Empowerment” Sul-Africano WOESA (Womens in Oil and Energy South Africa) com 25 % e um grupo de investidores nacionais representados pela CDPM (Companhia de Desenvolvimento de Petróleo de Moçambique), com 15 por cento.
Falando ao SAVANA, um dos gestores operacionais da Petroline, do lado Sul-Africano, considerou que com aquela medida “o Governo sul-africano distorce a natureza competitiva do mercado e coloca em causa o desenvolvimento do nosso projecto. O oleoduto Maputo-Gauteng sempre seria o mais barato em termos operacionais para os clientes. Mas com este subsídio o Governo sul-africano reduz em 35% os custos no estabelecimento do oleoduto Durban-Gauteng e obriga os clientes a usarem o operador mais caro, pois nestas condições é potencialmente inviável prosseguirmos com o projecto”.
Contactado pela nossa reportagem, um membro do Conselho de Administração da Petroline Holdings reforçou este posicionamento. Para a fonte, as medidas que o Estado Sul-Africano aprovou aquando da apresentação do orçamento para este exercício económico “poderão vir a inviabilizar o projecto Petroline se o Governo Moçambicano não exigir que se faça o mesmo subsídio, ou a mesma ajuda, ao projecto Petroline”.
Esta fonte foi mais longe ao acusar o Governo de Zuma de tomar medidas ilegais “uma vez que não respeitam as leis da concorrência livre”.
Da Petromoc ouvimos o Eng. Eugénio Silva, que falou em nome de Eduardo Magalhães, representante da empresa pública moçambicana no Conselho de Administração do consórcio. Silva assegurou haver demarches no sentido de salvaguardar a continuidade do projecto Petroline: “Naturalmente, tudo está a ser feito pelos accionistas para obter a reversão da medida pelo Governo Sul-Africano ou para o estabelecimento de condições equitativas para o nosso pipeline. Estamos a trabalhar a todo o gás, quer junto do regulador do sector energético Sul-Africano, quer junto do seu Governo”.
Sendo um empreendimento participado pelo Estado Moçambicano via esta empresa pública e com investidores nacionais, medidas de correcção da decisão Sul-Africana poderão passar por uma intervenção do Governo Moçambicano.
Sem confirmar nem desmentir pressão sobre Governo Moçambicano, Silva acredita que este é parte da solução. “Todos os actos são úteis, válidos e oportunos para viabilizar este projecto que, sendo transfronteiriço, directa ou indirectamente interessa os dois governos. Não acreditamos que o Governo fique de mãos cruzadas e, de bom senso, há-de-se encontrar uma solução sensata, equitativa e de condições similares às fornecidas à Transnet. O que se quer é devolver equidade e concorrência sã e leal entre os dois projectos”, rematou Silva.
Vantagens competitivas vs competitividade artificial
Com o congestionamento do Porto de Durban e a longa distância da sua rota até Gauteng – província onde estão o centro económico (Joanesburgo) e político (Tshwane, ex-Pretória) da África do Sul – o oleoduto da Transnet fica mais caro para os clientes, pois estes levam mais tempo a fazer chegar a sua mercadoria ao centro de utilização/distribuição dos combustíveis.
Já o oleoduto da Petroline proporcionaria vantagens comparativas aos clientes pela maior proximidade entre Maputo e Joanesburgo, garantindo maior fluidez (tornando mais barato o transporte) pela rota que parte do Porto da Matola no fornecimento de combustíveis para a demanda Sul-Africana e sua redistribuição para além de Gauteng.
A medida do Executivo de Zuma teve mais senso no proteccionismo à sua para-estatal Transnet do que propriamente no “efeito mão invisível” sobre o bem comum que se redistribuiria por toda uma cadeia de valor no sector energético sul-africano e todos os negócios dele dependentes naquele país e na região.
A Petroline fica duplamente prejudicada. Primeiro perde a sua vantagem competitiva por ter maiores custos de instalação sem o proteccionismo governamental de que goza a Transnet, que por via do subsídio reduz directamente o preço das suas tarifas de transporte e artificialmente aumenta a sua competitividade.
Por outro lado, a Petroline vê-se limitada pela proposta do regulador, a National Energy Regulator of South Africa (NERSA), de um acordo de fixação das tarifas que combina o factor distância por volume de carga para a determinação de uma tarifa média entre os operadores.
Não podendo competir com o preçário das tarifas do oleoduto da Transnet, a Petroline não conseguirá angariar clientes para o seu oleoduto e consequentemente se torna um projecto inviável.
Uma análise independente a que tivemos acesso estima que a redução de tarifas resulta directamente no aumento da competitividade do oleoduto da Transnet em percentagens extremamente altas (40 e 60 %).
A mesma análise - que segundo apurámos orienta a actual estratégia de re-viabilização da Petroline, e que se sustenta na Lei de Oleodutos Petrolíferos Sul-Africana - refere que a interferência artificial num mercado competitivo resulta numa extrema e desleal vantagem para empresas estatais existentes, tornando praticamente impossível que um novo operador privado entre no mercado.
Investimentos e perspectivas da Petroline
Desde que foi autorizada pelo regulador do mercado energético Sul-Africano (NERSA), em finais de Março de
Num investimento orçado em pelo menos 620 milhões de dólares, o oleoduto de
O oleoduto da Petroline cobrirá
Para que a sua infra-estrutura de transporte alcance a província de Gauteng, existe a possibilidade de o oleoduto juntar-se à actual rede de oleodutos da Transnet que redistribui os combustíveis no interior da África do Sul.
Na previsão dos seus investidores, os rendimentos anuais do novo oleoduto poderão exceder os 800 milhões de dólares. Com a medida orçamental do Governo de Zuma, está nas mãos do Executivo do “camarada” Guebuza tornar estes investimentos e perspectivas realidade.
O Governo moçambicano vai, dentro de semanas apresentar o Orçamento de Estado para 2010 ao Parlamento, cujo porta-voz da Comissão Permanente (Mateus Kathupa) é curiosamente PCA da empresa pública moçambicana Petromoc, maior investidor na Petroline.
Integração económica regional
O projecto da Petroline não é só um consórcio multinacional, com interesses sul-africanos e moçambicanos entrando quase em paridade. Este projecto é comparado a outros investimentos-âncora que concretizam a integração regional, que se quer mais sócio-económica que política.
O oleoduto oferece uma grande oportunidade para a cooperação regional e integração entre a África do Sul e Moçambique e contribui para a região, ao mesmo tempo que fortalece a capacidade de fornecimento de produtos petrolíferos à África do Sul.
Pode-se estabelecer analogia com toda uma infra-estrutura logística concretizada no gasoduto de Pande/Temane/Secunda, na EN4 Maputo-Nelspruit. São projectos com uma dimensão estratégica tanto para o mercado Sul-Africano, a bússola da “navegação económica” da região Austral, como para os países do Hinterland.
SAVANA – 26.02.2010