O escritor angolano, como vê a redescoberta de Angola
como um El Dorado para tantos milhares de portugueses?
Agualusa - Angola é muito mais difícil do que se possa pensar. Luanda não é
o Rio de Janeiro, cidade que se entrega imediatamente. É agreste e ruidosa,
tal como o resto do país. Economicamente tem havido progressos, mas no plano
político regrediu imenso. Há um ano estava convencido que o país avançava
rumo a uma maior democratização. Hoje, o regime tem traços totalitários bem
vincados.
Angola é uma democracia com tiques ditatoriais ou uma ditadura com
características democráticas?
Agualusa - Não é uma democracia. Se assim fosse, as pessoas poderiam decidir
livremente quem as governa, o que, após a entrada em vigor da nova
constituição, não acontece. Existem jornais independentes que permitem a
livre exposição de ideias e opiniões, mas tudo o resto não existe. Os
partidos políticos não têm oportunidade de participar nas decisões. Há uma
pessoa que detém todo o poder.
Sentiu pressões? Voltou a viver em Portugal ao fim de vários anos.
Agualusa - Todos os angolanos que, dentro ou fora do país, se assumem como
críticos do regime, sofrem pressões de vária ordem.
O tema da ausência da liberdade de expressão voltou a estar na agenda em
Portugal. Acredita que há mesmo perigo de censura?
Os portugueses acham sempre que as coisas nunca estiveram tão mal. É o
nacional-taxismo. Fala-se com um taxista em Lisboa e pensamos que o país
está numa situação horrorosa, o que não é o caso. Portugal nunca esteve tão
bem. Até na cultura, apesar de tudo: basta comparar o actual número de
bibliotecas e de leitores com os de há 20 anos. Quando vim estudar para cá,
em
melancólico. Faz parte da sua natureza. Até por isso, seria importante que
passassem uns dias num regime totalitário para verem as diferenças. O medo,
efeito principal causado por estes regimes, distorce o carácter das pessoas.
CANALMOZ – 30.03.2010