– considera o jornalista, pesquisador e analista político Joseph Hanlon, da AWEPA
Ministro das Finanças diz que não há desentendimento entre o Governo e os doadores
O conflito que se trava entre o Governo moçambicano e os doadores que mais financiam directamente o Orçamento do Estado é resultado da exclusão do MDM da corrida eleitoral, em 7 dos 11 círculos eleitorais provinciais onde tentara concorrer nas Eleições Legislativas de 2009, e da exacerbada partidarização do aparelho do Estado pelo partido Frelimo, considera Joseph Hanlon, jornalista, investigador e analista político britânico, membro da Organização dos Parlamentares Europeus para África (AWEPA).
O trabalho, intitulado “Mozambique: donors on strike” (“Moçambique: doadores em greve”), está publicado no “site” “Vozes Pan-africanas para a Liberdade e a Justiça”. Hanlon escreve que os Parceiros de Apoio Programático (PAP´s) ao Orçamento do Estado “já estavam, desde há anos, frustrados com a má gestão do Governo em assuntos da Justiça, combate à corrupção e conflito de interesses” na governação. Considera, porém, que a exclusão do MDM e a partidarização do aparelho do Estado, que atingiu o ponto mais alto durante as eleições de 2009, com a forte mobilização de recursos do Estado para a campanha do partido Frelimo, foram a gota que faltava para o copo transbordar.
Hanlon – que sempre desenvolveu estudos sobre a política de Moçambique e é autor da conhecida obra “Há Mais Bicicletas, Mas Há Desenvolvimento?” – escreve que “durante a campanha (eleitoral de 2009), os funcionários públicos foram pressionados pelo partido Frelimo para apoiarem a campanha deste partido e do seu candidato (o actual chefe do Estado)”, assim como foram massivamente usados recursos materiais do Estado, nomeadamente instalações e viaturas.
Face a esta situação, Hanlon refere que os doadores (G19) exigiram, no dia 17 Setembro, reuniões urgentes com o Presidente da República, Armando Guebuza, então candidato à sua própria sucessão – e com o presidente da Comissão Nacional de Eleições, João Leopoldo da Costa (NR: simultaneamente Reitor dos ISCTM, por sinal em violação grosseira da Lei), para contestarem a utilização dos recursos do Estado na campanha eleitoral do partido no poder, e para contestarem também a exclusão do MDM da corrida eleitoral.
Face à reacção que encontraram nos encontros que solicitaram a Armando Guebuza e a João Leopoldo da Costa, os doadores teriam ficado “decepcionados, acusando o Governo de arrogante, devido ao modo como João Leopoldo respondeu às críticas”, escreve Hanlon.
Enquanto isso, do lado do Executivo, não houve respostas concretas às preocupações dos doadores, tendo continuado a utilização indevida dos bens do Estado para a campanha eleitoral do partido Frelimo. No seu artigo, Hanlon escreve que nessa altura, “o Governo acusou os doadores de arrogantes, pela forma como estes exigiram reuniões imediatas em Setembro, com o chefe do Estado e com o Presidente da CNE”.
É assim como se terá agudizado silenciosamente o conflito entre os doadores e o Governo, que se alastra até hoje, e que está agora à vista de cada cidadão atento, apesar do esforço do Governo para evitar dizer claramente que as partes estão em conflito.
As cartas dos dadores
Hanlon fala das famosas duas cartas que os doadores endereçaram ao Governo, em Dezembro de 2009, apresentando algumas preocupações, que precisavam de ver resolvidas, para, em contrapartida, se garantir o financiamento do Orçamento do Estado para 2010.
Hanlon escreve que as preocupações apresentadas pelos doadores não foram satisfatoriamente respondidas na carta de 18 páginas enviada aos doadores pelo ministro de Planificação e Desenvolvimento, Aiuba Cuereneia, datada de 5 de Fevereiro de 2010. (NR: Veja na íntegra a referida carta na edição n.º 37, de 10.03.2010, do semanário Canal de Moçambique)
Segundo o pesquisador britânico, a carta do ministro da Planificação e Desenvolvimento foi generalista, sem trazer promessas concretas sobre as reformas políticas exigidas pelos doadores, resultando daí a prevalência do impasse que se verifica até hoje.
Desentendimento entre os doadores
Hanlon escreve que “a maioria dos doadores rejeita a carta de Cuereneia por não fazer poromessas concretas sobre as reformas” por eles exigidas, mas diz que há divergências fortes no seio dos 19 países e instituições que formam o grupo de doadores – G19.
“A Itália e Portugal, que são dois doadores de apoio ao orçamento com uma comparticipação financeira irrisória – USD 5 milhões e USD 2 milhões, respectivamente – apoiam o Governo abertamente, enquanto o Banco Mundial não quer ser envolvido neste tipo de debate político”, escreve Hanlon, referindo que a restante maioria dos doadores está contra. Nessa maioria incluem-se alguns do mais antigos apoiantes de Moçambique (os Países Nórdicos), que estão a seguir a linha mais dura, exigindo reformas na governação, como condição para continuarem a apoiar as despesas do Estado.
Outra situação que constitui entrave para o apoio às despesas do Estado pela parte dos doadores, é o facto de “ter havido mudança de Governos nos países dos doadores, através de eleições, e alguns países doadores estarem a enfrentar uma forte crise económica”.
Os países e instituições que apoiam directamente o Orçamento do Estado são os seguintes: Alemanha, Áustria, Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Banco Mundial, Bélgica, Canadá, Comissão Europeia, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Irlanda, Itália, Noruega, Países-Baixos, Portugal, Suécia e Suíça.
Chang diz que não há crise
Sobre as questões referidas pelo analista britânico, ouvimos o ministro das Finanças, Manuel Chang, que negou haver qualquer crise entre o Governo e os doadores. Para o ministro, tudo está a correr normalmente e nenhum país membro do G19 já manifestou ao Governo o seu interesse em deixar de financiar as despesas do Estado para o presente ano. Segundo o ministro, neste momento o Governo e os doadores estão em conversações, e o dinheiro vai chegar.
A realidade, porém, parece ser bem diferente do que o ministro afirma pois os grandes doadores do OGE estão bem firmes nas suas pré-condições, de acordo com informações que nos vão chegando de vários quadrantes da diplomacia internacional. (Borges Nhamirre)
CANALMOZ – 15.03.2010