A necessidade de se harmonizar os aspectos comuns que as leis sobre estas quatro eleições apresentam constitui outro dos desafios que os deputados da recém iniciada VII Legislatura têm no campo eleitoral. Com efeito, como a prática tem demonstrado, o acto de revisitar a lei eleitoral tem sido um processo determinado por processos endógenos de crescimento da democracia moçambicana e com actores moçambicanos e opiniões de outros parceiros.
Desde 1999, o país conheceu três revisões do pacote eleitoral. A primeira, realizada entre 1995 a 1998, surgiu da necessidade de se adequar a então legislação vigente à nova realidade política, económica e social resultante da nova conjuntura de paz e estabilidade que se consolidava.
Este processo incidiu, com particular ênfase, na composição e profissionalização dos órgãos eleitorais, nomeadamente a CNE e o STAE. Debates públicos foram levados a cabo no sentido de se criar o mais amplo consenso possível em torno desta matéria.
Dos debates realizados, concluiu-se que se deveria reduzir o número de membros da Comissão Nacional de Eleições (CNE), o que veio a acontecer após a aprovação das alterações à Lei, passando a CNE a ser integrada por 19 membros, contra os nove do mandato anterior, enquanto que o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) passava a ser dirigido por um director-geral indicado pelo Conselho de Ministros e dois directores-gerais adjuntos também nomeados pelo Governo após consulta aos partidos maioritário e da oposição na Assembleia da República.
Após as eleições de 1999, um novo debate surgiu em torno do Pacote Eleitoral. Nas discussões que se seguiram, baseadas nas constatações e recomendações do Conselho Constitucional inseridas no seu Acórdão de Validação e Proclamação dos Resultados Eleitorais, uma nova revisão do pacote eleitoral se desenhava.
E assim foi. Desta feita, a necessidade de imprimir maior transparência no processo e de se despartidarizar os órgãos eleitorais esteve no cerne da questão.
Novos debates públicos foram levados a cabo, nos quais as sociedades civil e política nacional convergiam na necessidade de se despartidarizar os órgãos eleitorais, alargarem-se os prazos de preparação das eleições e, sobretudo, criarem-se condições que permitam uma maior transparência do processo.
Durante quase quatro anos, o debate em torno desta matéria teve lugar a nível do país e da Assembleia da República, discussões essas que culminaram com a elaboração de uma nova lei eleitoral e da CNE, cujas bases assentaram no estabelecimento de regras que permitiram a introdução de uma nova composição do órgão.
O desfecho desta revisão trouxe uma inovação: a obrigatoriedade legal de se eleger um Presidente da Comissão Nacional de Eleições saído das organizações da sociedade civil, embora os membros do órgão continuassem a ser indicados pelos partidos políticos com assento na Assembleia da República tendo em conta a sua representatividade.
RENAMO INSISTE
Tal como nas vezes anteriores, a bancada parlamentar da Renamo na Assembleia da República voltou, em 2005, a propor uma nova revisão do pacote eleitoral. O argumento usado foi o de sempre: conferir maior transparência e credibilidade das eleições de modo a evitar acções fraudulentas que se iam verificando em cada um dos processos levados a cabo.
Na sua proposta, a Renamo-União Eleitoral considera inconstitucional a Lei da CNE e da observação eleitoral, pedindo assim a sua revogação e consequente elaboração de um novo texto legislativo.
Esta discussão, interrompida no final de 2005 e que viria a ser retomada em finais de 2008, levou o parlamento a considerar errada a visão da oposição na AR, ou seja, a Comissão dos Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e Legalidade da AR considerou que as disposições da Lei Eleitoral apontadas como inconstitucionais pela Renamo se enquadravam perfeitamente no contexto legal e constitucional do país.
Com efeito, a RUE pediria, ao Conselho Constitucional, a declaração de inconstitucionalidade das leis 7/2007, 8/2007, 9/2007 e 18/2007, que preconizam o Pacote Eleitoral.
Esta posição da Comissão dos Assuntos Jurídicos da AR fez com que não se levasse a vante a ideia do partido de Afonso Dhlakama de se realizar aquilo que seria a terceira revisão do pacote eleitoral, dispositivos estes que, após a sua harmonização, orientaram as eleições de 28 de Outubro de 2009.
A NOVA REVISÃO
Para a bancada Parlamentar da Frelimo, na pessoa do deputado Alfredo Gamito, a revisão da legislação eleitoral que deverá ter lugar este ano é “para responder a novas inquietações e preocupações resultantes da aplicação da Lei durante as eleições de 2009”.
“Até agora, as preocupações levantadas nada têm a ver com os processos anteriores. Aliás, a Assembleia da República sempre conseguiu responder às inquietações dos diferentes intervenientes do processo eleitoral moçambicano ao longo das três eleições anteriormente realizadas”, disse o Presidenta da Quarta Comissão de Trabalho da AR.
Para o Presidente da Comissão de Administração Pública, Poder Local e Comunicação Social, logo após a realização de cada uma das três eleições anteriores foram levantadas preocupações em sede da legislação eleitoral, preocupações essas que provocaram as revisões já realizadas e que no âmbito destas alterações foram resolvidas.
“Por exemplo, na revisão de 2007, os Observadores da União Europeia consideraram essencial que se trabalhasse em três aspectos fundamentais, nomeadamente a redução do tamanho dos órgãos eleitorais; a profissionalização destes, assim como tornar menos partidarizados os órgãos eleitorais. Por sua vez, o Conselho Constitucional chamou a atenção para se reflectir em torno dos prazos para as operações de preparação das eleições. Na revisão que foi feita, foram acauteladas todas essas questões”, disse.
Assim, no que respeita às recomendações da União Europeia, a AR aprovou um comando que reduz o número dos membros da CNE de 19 para 13 elementos; no que respeita à necessidade de se tornar menos despartidarizados os órgãos eleitorais, a AR aprovou um dispositivo que não só mantém a obrigatoriedade de se eleger um presidente da CNE proposto pela Sociedade Civil, como também alargou o número de vogais do órgão provenientes da sociedade civil em detrimento dos propostos pelos partidos políticos com assento no Parlamento.
“Sobre a recomendação do Conselho Constitucional, acrescemos mais 60 dias aos 120 do prazo global de preparação e realização das eleições. Esses 60 dias foram alocados aos prazos específicos de apresentação e validação de candidaturas, dando assim maior primazia às operações que se relacionam com os partidos políticos em detrimento dos órgãos eleitorais. Isto significou que passamos de 30 para 45 dias o prazo de entrega de candidaturas, enquanto os órgãos eleitorais mantinham o período de cinco ou dez dias para se pronunciarem sobre as mesmas”, explicou Gamito.
Em jeito de conclusão, aquele parlamentar afirmou que para a revisão que se avizinha o Parlamento deverá reflectir em torno de novas matérias e não em torno destas e outras que já tiveram solução. “Neste momento, os problemas que se levantam em torno da revisão eleitoral são novos. Julgamos nós que a revisão que se avizinha incidirá num aspecto principal – a apresentação, verificação e validação das candidaturas”, disse para depois sublinhar que foi esta questão que trouxe alguma inquietação durante as eleições do ano passado, embora tenha reconhecido existirem mais um e outro aspecto da lei que terá de ser revisto.
“Aliás, para a Frelimo, é já altura de se proceder à harmonização das três leis eleitorais, nomeadamente a da eleição do Presidente da República, dos membros da Assembleia da República, das Assembleias Provinciais e das Autarquias Locais”, referiu para depois lembrar que estas quatro leis têm muitos aspectos de procedimento e organização que são comuns e que podem ser inseridos numa única lei com capítulos específicos para um dos casos.
Segundo Alfredo Gamito, a redução do número de membros da CNE, talvez para cinco, constitui outro dos aspectos que deverá ser analisado durante a revisão eleitoral que se Avizinha.
A POSIÇÃO DOS ÓRGÃOS ELEITORAIS
Durante a realização dos processos eleitorais, desde o de 1994 até ao de 2009, os órgãos eleitorais, com destaque para o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), sempre defenderam a criação de uma legislação que vá de encontro à realidade económica e social do país.
Em 2005, em conferência nacional, o STAE realizou um estudo da legislação eleitoral e, tendo em conta a experiência técnica obtida durante as eleições anteriores, elaborou um “dossier” com o título “Pensar Eleições” em que expunha todos os seus pontos de vista em torno do processo, incluindo propostas de melhoramento do texto legislativo sobre esta matéria.
Tendo em conta a experiência obtida no ciclo eleitoral terminado, os órgãos eleitorais são de opinião de que se deve realizar uma revisão eleitoral, uma revisão que, entre outros aspectos, deve se centralizar na lei do recenseamento eleitoral.
A actual Lei do Recenseamento Eleitoral refere, no seu artigo sétimo, que a validade do recenseamento eleitoral é para cada ciclo eleitoral, ou seja, o recenseamento de raiz realizado em 2007 só foi válido para as autárquicas de 2008 e para as eleições gerais e provinciais de 2009.
“Ora, em 2007 o STAE realizou um recenseamento de raiz digitalizado, o que significa que foi criada uma base de dados que consideramos fiel e actual. Devido à força da lei, essa base de dados já não é válida e tem de se deitar tudo fora porque para o próximo ciclo eleitoral deveremos realizar um novo recenseamento. Tecnicamente isso é muito mau, para além de ser muito dispendioso para o país”, explicou Lucas José, porta-voz do órgão eleitoral.
O nosso interlocutor referiu ainda que a ideia defendida pelo órgão eleitoral de que é membro é no sentido de se manter a base de dados já existente e se partir para a realização de actualizações anuais do censo eleitoral.
“O ideal era realizar-se actualizações anuais do censo eleitoral, até porque condições técnicas para isso estão minimamente criadas com a existência de órgãos eleitorais permanentes nas provinciais, isto resultante de um dos dispositivos da lei sobre a matéria”, acrescentou a fonte.
Ainda no que respeita à base de dados eleitorais da CNE, Lucas José referiu que a nova lei do recenseamento eleitoral deveria obrigar aos notários e outras instituições do Estado que trabalham com dados populacionais para enviarem, anualmente, ao STAE dados sobre cidadãos que perdem a sua capacidade eleitoral activa. São os casos de óbitos, detidos, doentes mentais, entre outros.
Para além da questão do censo, outro aspecto da legislação eleitoral que preocupa o STAE e a CNE relaciona-se com os prazos estabelecidos para as operações de preparação e realização das eleições.
“Neste momento, o prazo é de 180 dias. Dentro deste período são muitas as operações que temos de realizar, incluindo a questão da verificação das candidaturas, na qual os partidos políticos concorrentes reclamaram muito que foram penalizados.
“Julgamos nós que o prazo de apresentação de candidaturas deveria ser de 180 dias, isto é, logo que começasse o processo de preparação das eleições, os partidos políticos deveriam iniciar o processo de organização interna para a apresentação das candidaturas”, disse Lucas José.
Na ocasião, o Chefe de Gabinete de Imprensa do STAE defendeu a ideia de se harmonizar as leis eleitorais num único dispositivo legal. “Já é tempo de o Parlamento pensar na harmonização das leis eleitorais numa única lei de modo a não só facilitar a sua consulta, como a juntar num só documento todas as matérias relacionadas com eleições, visto que as eleições presidenciais, legislativas, para as assembleias provinciais e autárquicas têm muitos aspectos em comum. As matérias que não são comuns deveriam ser agrupadas em capítulos da mesma lei”, enfatizou Lucas José.
Instado a pronunciar-se sobre as revisões anteriores, aquele dirigente do STAE congratulou-se com os resultados obtidos, uma vez que, segundo disse, o sistema eleitoral moçambicano ganha maior transparência e credibilidade técnica.
“O facto de estarmos a apontar constrangimentos não significa que não obtivemos ganhos das revisões anteriores. A aprovação da Lei 15/2009, Lei da Harmonização da legislação sobre eleições gerais e provinciais é um ganho. O alargamento dos prazos de preparação das eleições de 120 para 180 dias é outro ganho. A realização das eleições num único dia também é um grande ganho”, disse para apontar a necessidade de se estabelecer, em sede legislativa, o mês para a realização das eleições, pois o facto de a lei apenas se referir à época seca “é muito vago”.