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Passaram-se mais de quarenta anos desde o dia em que uma bomba, preparada na Beira pelo sinistro inspector da PIDE, Casimiro Monteiro, assassinou Eduardo Chivambo Mondlane, Presidente da FRELIMO. Muito do que descrevo já o Presidente Chissano declarou na Assembleia da República, contudo, pareceu-me útil, no meu exercício de memória, pôr os pontos nos is, para ajudar o fim da especulação com boa ou má-fé. A essência dos dados, incluindo a origem da bomba, na época, a INTERPOL, a pedido do governo tanzaniano investigou e difundiu.
Não se tratou de um caso único, infelizmente, o assassinato de Mondlane pelos colonialistas. Os assassinatos de Mondlane e Amílcar Cabral respectivamente em 1969 e 1973, o ataque à República da Guiné em 1970 ocorreram durante o consulado de Marcelo Caetano. Dificilmente se pode aceitar que o Presidente do Conselho de Ministros ignorasse estas acções e não as houvesse caucionado antes, ou depois. Já em
Casimiro Monteiro, de origem goesa, preparou na Beira um livro armadilhado com uma bomba, numa obra do marxista Plekhanov. Antigos colegas da PIDE de Casimiro Monteiro, incluindo Rosa Casaco, reconheceram esta acção. Rosa Casaco afirma ainda que este seu colega disparou, mortalmente, contra o general Delgado. Ignora-se quem instruiu Casimiro Monteiro para preparar a armadilha contra Mondlane, se um membro do governo central ou da colónia, se o comando das forças armadas em Moçambique, ou da PIDE, ou se tudo se reduziu a uma conjura local com Jardim e Cristina.
No Malawi, no consulado português em Blantyre, dirigido por Jaime Pombeiro de Sousa, um associado de Jorge Jardim que lá se encontrava, por acaso ou deliberadamente, Orlando Cristina, entregou um pacote a um sacerdote belga, o padre Pollet, que missionara muitos anos em Sofala e aí travara amizade com o padre Mateus Pinho Gwenjere. Orlando Cristina pediu ao padre Pollet, que ia para a Tanzânia, que levasse o embrulho para a fronteira e aí buscasse alguém da FRELIMO, para que o remetesse a Silvério Nhungu ou a Urias Timóteo Simango em Dar-es-Salaam. Assim fez o sacerdote e, encontrando na fronteira de Songea Samuel Rodrigues Dhlakhama, que já conhecia, solicitou-lhe que entregasse o volume a Simango ou a Nhungu.
De nenhum modo se pode afirmar que o padre Pollet, com quem ainda falei depois do assassinato de Mondlane, conhecesse o conteúdo e o objectivo do embrulho. Ele mencionou-me que Cristina lho entregara e o remetera a Samuel Rodrigues Dhlakhama, que encontrara por acaso. Igualmente, nunca se encontraram quaisquer dados sobre o envolvimento do cônsul Jaime Pombeiro de Sousa, que dirigia o consulado em Blantyre. O padre Pollet disse-me que após os eventos as circunstâncias lhe criaram suspeição, encontro no consulado português e a entrega do embrulho por Cristina, conhecido como agente português. Ele, como missionário na região de Sena, necessitava de estar em contacto com as autoridades e sempre que ia a Blantyre cumprimentava o cônsul ou outro representante do consulado. Se revoltado pela sua instrumentalização, se pela idade ou saúde, o padre Pollet retirou-se de Moçambique.
Chegado a Dar-es-Salaam, Samuel Rodrigues Dhlakhama telefonou a Nhungu, que lhe marcou um encontro num quarto de hotel (não me recordo do nome), que ficava junto à representação do MPLA em Dar-es-Salaam. Dhlakhama entregou o embrulho a Nhungu, que estava acompanhado por Simango. Num dos dias seguintes, quando o Presidente Mondlane estava a sair do escritório, dirigindo-se para Oyster Bay, para a casa de Betty King onde trabalhava muitas vezes na ausência dela e do marido, o escritor Willy Sunderland, Nhungu voltou-se para uma camarada, a Rosaria, que estava afecta à nossa representação na capital tanzaniana e disse: Corre para o carro do Presidente e entrega-lhe este embrulho. Esqueci-me de lho dar, Tratava-se de um volume, com a forma de um livro, embrulhado sob a forma de vim pacote postal, com selos soviéticos e tanzanianos, e endereçado a Mondlane. Ao abrir o pacote a armadilha funcionou, matando instantaneamente o Presidente, a bomba dilacerou-lhe o ventre e o tórax, segundo me narraram.
Dhlakhama, quando transportou o embrulho, este estava dirigido a Nhungu e não se assemelhava a um objecto chegado via correio, segundo declarou à comissão de inquérito. A Rosaria, segundo também declarou à mesma comissão, lembra-se de que recebeu um pacote, com a aparência de que vindo através dos correios, com selos e carimbos, endereçado a Mondlane e que Nhungu lhe entregara para remeter ao Presidente. Samuel Dhlakhama sempre insistiu nos seus depoimentos de que o pacote entregue a Nhungu lhe parecia muito maior do que a dum simples livro, ainda que volumoso. Pessoalmente, Samuel Dhlakhama e Rosaria, além de outras pessoas, confirmaram vários destes factos e a comissão de inquérito, que eu dirigi, constatou, por unanimidade, não haver qualquer indício que apontasse para o facto de eles não haverem agido de boa fé ou conhecessem o conteúdo do pacote antes do desfecho fatal, embora houvessem transmitido, depois dos eventos, suspeitas sobre o acontecido. A comissão considerou-os livres de qualquer suspeita e inocentes.
Simango reconheceu os factos, embora declarasse ao CC, em Abril de 1969, que ignorava o conteúdo do embrulho entregue a Silvério Nhungu, na sua presença, no hotel.
Lázaro Nkavandame afirmou a amigos e correligionários em Mtwara, a 1 de Fevereiro de 1969, que havia recebido um telefonema de Simango, para estarem atentos e fazerem uma festa quando recebessem boas notícias. Fizeram a festa a 3 de Fevereiro depois de receberem um telefonema de Dar-es-Salaam! Quando procurado pela polícia tanzaniana, Lázaro atravessou a fronteira e entregou-se às forças armadas coloniais com alguns dos seus colegas, iniciando, então, uma actividade colaboracionista com o inimigo, indicando a este onde bombardear aldeias, escolas, hospitais e fazendo apelos à deserção através da rádio e gravações difundidas por altifalantes nos aviões.
No dia 3 de Fevereiro, Samora estava em Moçambique e tomou conhecimento da tragédia pelos noticiários da rádio tanzaniana. Marcelino acabava de chegar de Moçambique, e não se deslocara ainda ao escritório.
Espero que os factos, que se podem verificar, ajudem a separar o trigo do joio e contribuam para pôr termo aos mitos de heroicidade de traidores e de satanismo de inocentes.
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NOTA:
É a repetição da história já antes contada. Nada de novo.
Vejam http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/morte_eduardo_mondlane_03021969/
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE