SACO AZUL
Por Luis Guevane
Cleptomania significa inclinação mórbida para o roubo e cleptomaníaco é o indivíduo que sofre de cleptomania. Ora bem, quantos cleptomaníacos temos em Moçambique?
No Sábado, dia 27 de Fevereiro do corrente ano, depois da leitura da sentença do “caso Aeroportos”, em conversa com algumas pessoas, percebi que o problema não estava no facto de os culpados terem entrado em esquemas para subtrair aquelas elevadas somas em dólares e em meticais que o Juiz foi anunciando.
Não, o problema não era esse. O que mais preocupava era, simplesmente, o facto de os indivíduos que tinham sido levados à “barra da justiça” não terem roubado conforme mandam as regras, isto é, não souberam manter a equipa unida para evitar desavenças entre os membros, não conseguiram criar formas mais seguras de drenar o dinheiro para as suas contas sem deixar rastos. Resumindo: não souberam roubar.
De facto, é intrigante quando o âmbito da conversa ganha esses contornos. Eu estava à espera que aquele grupo de pessoas condenasse sem contemplações a atitude daqueles compatriotas. Mas, nada disso acontecia naquele Sábado, à tarde, depois da leitura da sentença. Estranho! Mais estranho ainda eram as gargalhadas que se soltavam no ar criadas pela análise que se fazia à forma como um dos culpados (o principal cleptomaníaco do grupo) aplicara o dinheiro. Entre as gargalhadas havia apertos de mãos admirando, sobretudo, o abuso feito por este indivíduo. Que coisa!
Depois percebi que todo aquele volume de gargalhadas, de apertos de mãos (a comemorar uma vitória) e de alguns abraços calorosos não estavam a acontecer por acaso. Iam dizendo “não souberam roubar” em jeito de condenação pelo facto de terem sido apanhados e, ao mesmo tempo, abraçavam-se como que a festejar as sentenças.
Todos conseguiram perceber que do gigante iceberg da corrupção rolara uma lágrima e que tantas outras rolarão. É que é triste ficar décadas de prisão efectiva sem poder dar gosto ao vício da cleptomania.
Nesse mesmo Sábado, na sequência dos tais abraços e aplausos, discutiu-se a seriedade de alguns artigos nos órgãos de informação. Tais artigos deixam transparecer que, no fundo, aqueles condenados a 22 anos, 20 e etc., são uma pequena ponta de um gigante iceberg da corrupção. Todos os outros (nesse mesmo iceberg) deviam, também, ser derretidos com o calor da justiça. Discutiu-se porque para alguns isso seria o caos. O país ficaria inundado se todos eles fossem julgados. Seria uma calamidade. E, como o mais importante é evitar qualquer tipo de calamidade, então, é de concordar que sejam derretidos só aqueles que não saibam roubar.
Tudo o que ali acontecia não era mais do que uma forma encontrada para não se chorar. Mais do que isso era uma maneira de cada um lembrar-se que os que compõem o gigante iceberg da corrupção delapidam sem dó nem piedade os recursos materiais e financeiros usando e aperfeiçoando inteligentemente
o “como”. Como tirar, como comer mais,…como? Não lhes interessa o “para quê”, o “porquê”,
o “quando” e muito menos a quem as suas atitudes vão prejudicar. A concorrência no gigante iceberg da corrupção é frenética que ninguém está interessado nesses “moralismos”. A cleptomania comanda o processo!
Cá entre nós: voltemos à questão inicial quantos cleptomaníacos temos em Moçambique? Há uns tantos séniores, outros juvenis e, a sustentar a base, uma moldura de iniciados. Todos eles, na verdade, são inquantificáveis. São muito mais do que qualquer cliptomaníaco que se preze. Enfim, derreteu-se uma pequeníssima parte do conhecido iceberg da corrupção.
SAVANA – 05.03.2010