Até
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Até hoje existem várias versões sobre o assassinato do primeiro dirigente da Frelimo, podendo as fontes soviéticas dar um contributo para esclarecer a situação.
No artigo citado acima, o jornalista soviético Serguei Milin relata uma bem preparada operação conjunta dos serviços secretos portugueses, sul-africanos e rodesianos:
Não obstante a hora avançada, o general Kaúlza de Arriaga não tencionava terminar a reunião. O relatório do chefe do Departamento da Espionagem, António Rebelo, mostrava claramente que os grupos de sipaios, terroristas assassinos em cuja infiltração nas fileiras da Frelimo se apostava, não justificavam as esperanças. A tarefa continuava a ser a mesma: exterminar os quadros dirigentes da Frente. Mas, para isso, era necessário, antes de tudo, descobrir as bases centrais da Frelimo.
- Permita-me informar, senhor general — interrompeu Álvaro da Costa Moreira, chefe do Departamento de Coordenação de Informação. — O general Wandenberg (chefe da polícia e do Bureau de Segurança Nacional da Rodésia) prometeu enviar, para nos ajudar, um dos seus homens mais experientes. O seu pseudónimo é «Nianga».
— «Nianga» significa «Feiticeiro»? Ele é negro? — Disso não se fala na informação, mas o general Wandenberg considera-o um seu agente precioso.
Este agente, segundo o jornalista soviético, era Hans J. Lombard, sul-africano que se fazia passar por «escritor, jornalista, fotógrafo» e que organiza a operação de liquidação de Eduardo Mondlane. Lombard encarrega um tal Filipe Gomes de fazer chegar às mãos do dirigente moçambicano uma encomenda armadilhada.
Serguei Milin escreve:
Dar-es-Salam, «Porto da Paz» como chamaram os árabes a esta cidade, é particularmente boa à noite, quando toda a população parece sair para as ruas para, depois do ardente calor de dia, gozar a brisa refrescante, que cheira a sal marinho e a algas. Manobrando habitualmente entre a multidão de transeuntes que avançava devagar, Mungui, o correio do escritório Smith Mackenzie, estava mentalmente, nessa noite, longe dali, na aldeia natal, onde já não ia há dois anos.
E foi parado por um grito estridente na esquina da Rua Kvame Nkrumha:
- Eh, rapaz! És o correio do escritório Mackenzine? Quanto tempo tenho de esperar por ti?! Já vos telefonei há uma hora atrás!
- Sim mister, sou do escritório do senhor Mackenzine. Desculpe, mas o dono acabou de me mandar responder à sua chamada.
- Está bem. Levas esta encomenda a Palm Road, «Villa Betty King». Perguntas pelo senhor Eduardo. Compreendeste?
- Sim, mister.
Sabes de quem é essa casa? — apontou Gomes na direcção da sede das Frelimo.
- Não, mister.
- Isso não é importante. Dizes ao senhor Eduardo que acabámos de recebê-la aqui, na Kvame Nkrumha. É um assunto urgente. Pega uma libra. Se tratares disso numa hora, recebes uma segunda.
- Mister, pode estar descansado, eu farei tudo. Como o posso encontrar depois?
- Nesta casa, pergunta por António Fernandes. E não te esqueças de pedir ao senhor Eduardo para assinar no recibo e trá-lo obrigatoriamente...
- Muito bem, mister Fernandes...
Cantando alegremente um tema simples ouvido no cinema, Mungi corria pela rua comercial indiana. Ainda bem que a encomenda era leve. O jovem apertava fortemente, com o cotovelo, um pequeno embrulho quadrado com uma etiqueta vistosa pregada a papel cinzento.
«Villa Betty King», leu ele numa tabuleta num caminho asfaltado que conduzia a uma pequena casa com uma vedação viva.
— Uma encomenda urgente para o senhor Eduardo — murmurou apressadamente o correio ao jovem que abriu a porta. Este olhou com desconfiança para a figura simples de Mungi.
— Fui enviado pelo senhor António Fernandes da Rua Kvame Nkrumha...
— Está bem, espera aqui — acenou o jovem com a cabeça.
Mungi mal teve tempo de olhar para o lado quando apareceu nohall de entrada um africano alto, com uma camisa leve desabotoada.
— Senhor Eduardo, o senhor Fernandes pediu-me para entregar-lhe...
— Mungi entrega-lhe apressadamente o embrulho. Não se sentia à vontade para pedir a assinatura àquele homem de testa alta, com uns olhos atenciosos, calmos. Mas ele tinha prometido trazer a etiqueta ao senhor Fernandes. - Um momento, eu arranco a etiqueta...
— O correio puxou o quadro de cartão vistoso e, nesse instante, a luz ofuscante da explosão atirou, com uma força selvagem, o seu corpo para o lado [...]7.
Alexandre Dzassokhov descreve nas suas memórias o conteúdo do embrulho:
Esse dirigente talentoso do movimento de libertação nacional, professor que dirigiu a luta armada contra os colonizadores, homem conhecido em todo o mundo, teve um destino trágico. A residência de Mondlane encontrava-se em Dar-es-Salam, então capital da Tanzânia. Certa vez, trouxeram-lhe uma encomenda postal supostamente vinda de Pyongyang, onde se encontrava um livro com as obras escolhidas de Gueorgui Plekhanov 8 em língua russa. Na realidade, na encomenda estava uma bomba. Mondlane abriu o pacote e ficou desfeito em pedaços9.
Eduardo Mondlane não viu a publicação da sua principal obra, Lutar por Moçambique, em língua russa, publicada em Moscovo no ano de 1972.
In SAMORA MACHEL – Atentado ou acidente? de José Milhazes (pgs41/43)