Canal de Opinião: por Ludovick S Mwijage (*)
Irei direito ao assunto. A questão tem a ver com democracia. Naturalmente, há os que argumentam que ao fim e ao cabo a democracia é um termo relativo. Isto por que a democracia não apenas denota um sistema de governo, mas também uma organização social específica.
Há pessoas que por vezes falam de democracia política, e outras de democracia económica. Portanto, tudo depende da posição em que nos situamos.
Não obstante isso, a democracia por si só não pode ser quantificada pelas próprias crenças de um potentado, quer sejam políticas, religiosas ou culturais, como certas pessoas gostam de argumentar.
Em vez disso, a verdadeira democracia que é capaz de fundamentar a premissa de que defende os direitos e o carácter sagrado da pessoa humana, define-se por preceitos que aspiram à genuína prática democrática.
O que é mais importante, esses preceitos obtêm a sua força vinculativa de princípios políticos e práticas universalmente aceites, para além de todo um conjunto de instrumentos legais internacionais que regulam os direitos humanos e as liberdades fundamentais. Consequentemente, os direitos humanos e a democracia estão inextrincavelmente ligados na medida em que ambos são usufruídos simultaneamente.
Por conseguinte, tal como os direitos civis e as liberdades civis, a democracia não se trata de uma questão de escolha por parte de um dirigente nacional, mas uma conduta política obrigatória que é capaz de ser aplicada pela comunidade internacional.
Isso torna-se mais evidente nos casos em que a negação da democracia tem repercussões negativas que transcendem as próprias fronteiras da Nação-Estado, ou resulta em abusos generalizados dos direitos humanos.
Este princípio parece ter sido reafirmado em 2005 quando os Estados membros das Nações Unidas, perante a Assembleia Geral, deram o seu aval ao princípio conhecido por Responsabilidade de Proteger. Nos termos deste princípio, caso um Estado soberano não proteja os que vivam dentro das suas fronteiras, o ónus recai sobre uma outra identidade, ou seja, sobre a comunidade internacional.
A Constituição da Tanzânia posterior à independência excluiu em absoluto a possibilidade da soberania ser o repositório de um único indivíduo. Em vez disso, a Constituição definiu a distribuição de poderes entre as três esferas de decisão, e enunciou a base em que a autoridade política devia ser exercida. Pretendia ainda a Constituição que se edificasse um sistema de governo que impusesse obrigações às entidades do sector público que eram responsáveis pela tomada de decisões que afectassem os demais sectores da população. Tais obrigações incluíam, entre outros, uma forma de actuação justa e de boa-fé, sem preconceitos, e com absoluta imparcialidade.
É, por conseguinte, em função desses argumentos, que eu considero ter sido uma violação do espírito da Constituição, e até mesmo um acto criminoso, o facto do Sr. Julius Nyerere ter usurpado a autoridade soberana poucos anos depois do país ter obtido da Inglaterra a independência em 1961.
O sistema de governo previsto na Constituição que ele viria a abolir foi substituído por um regime de poder pessoal nos termos do qual Nyerere não mais tolerou ser questionado. Os dissidentes, quer imaginários, quer reais, foram encarcerados, normalmente sem julgamento, e muitos outros (especialmente em Zanzibar) sofreram execuções extrajudiciais, tendo a lei sido abertamente ignorada.
(*) Autor tanzaniano. Das suas obras constam “The Dark Side of Nyerere’s Legacy” e “Julius K Nyerere: Servant of God or Untarnished Tyrant?” (2010). Viveu exilado na Swazilandia de onde foi raptado pelo SNASP e mantido sob prisão na Machava. A história do rapto poderá ser lida em http://www.scribd.com/doc/6573238/Darkside