Esta tese foi defendida semana passada, em Maputo, pelo investigador Luís Brito, durante o seminário sobre “Processos Eleitorais, Movimentos de Libertação e Mudanças Democráticas em África”, promovido pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) em pareceria com Chr. Michelses Institut (CMI), da Noruega, com o objectivo de analisar os processos democráticos do continente.
Segundo aquele orador, que apresentou uma comunicação sobre as abstenções nos processos eleitorais de alguns países africanos, a fraca participação de eleitores na escolha dos respectivos dirigentes constitui “um sinal de desengajamento político”, o que se pode traduzir “num sintoma de crise dos processos democráticos”.
“Apesar dos partidos políticos vencedores desvalorizarem a questão da abstenção nos processos eleitorais africanos, esta situação, no futuro, poderá ter consequências desagradáveis”, disse o estudioso.
Acrescentou que o facto das eleições em África terem a tendência de apresentar índices cada vez mais altos de abstenções, podem, a dado momento, “pôr em causa a legitimidade dos governos assim eleitos, muito embora não se possa pôr em causa a sua legalidade”.
“Nesta pesquisa fiz um estudo comparativo de alguns países da África Austral, como é o caso de Moçambique, Lesotho e Zâmbia, tendo verificado que nos primeiros anos de implementação de sistemas democráticos, a participação em eleições multipartidárias nesses países foi bastante elevada (variando de 65 porcento a mais de 90 porcento). Porém, estes índices estão a baixar, com destaque para Moçambique e Lesotho, onde a participação nas últimas eleições esteve abaixo dos 50 porcento”, afirmou.
Para este pesquisador, são várias as razões que estão por detrás desta situação. De entre elas, destacou questões relacionadas com doença no dia da votação, viagens que são feitas na hora de votar, entre outros.
“Mas também há razões políticas para um cidadão registado nos cadernos eleitorais não ir votar. Trata-se, sobretudo, dos níveis de confiança que os partidos políticos suscitam aos cidadãos”, disse.
Numa análise ao quadro jurídico, organizacional e institucional dos países em estudo, Luís de Brito considerou que os países visados apresentam boas infra-estruturas de participação política, nomeadamente um sistema eleitoral organizado, razoável organização de mesas de voto e outros elementos logísticos.
“Porém, no que respeita à facilitação institucional individual, o cidadão, muitas vezes, apresenta poucas capacidades de entender o voto devido às suas características de educação (o saber ler ou escrever)”, acrescentou.
A par desta situação, a fraca capacidade dos partidos políticos de mobilizarem os seus eleitores, assim como as fracas acções de educação cívica por parte das instituições do Estado, também pode contribuir para a fraca participação de eleitores nos processos de votação, para além das propaladas fraudes eleitorais, muito embora este último factor não seja determinante.
“Assim, podemos dizer, em jeito de conclusão, a explicação clara dos problemas de participação dos cidadãos em processos eleitorais em África pode estar concentrada em factores que têm a ver com a mobilização política e não com a organização dos processos eleitorais em si uma vez que cada país tem o seu sistema eleitoral e este parece funcional dentro das exigências básicas”, frisou o académico.

OPOSIÇÃO FRACA
Para a pesquisadora norueguesa Lisa Rakner, as democracias multipartidárias africanas, embora institucionalizadas, apresentam-se frágeis devido às fracas capacidades de organização e de mobilização dos partidos políticos da oposição.
Segundo ela, a incapacidade dos partidos políticos de oposição fazerem o seu papel nos países africanos, deve-se ao facto de a maioria destes serem constituídos por “um punhado de políticos que apenas olham para os respectivos umbigos”.
“Eles, acima de tudo, metem-se na política com o objectivo de zelar apenas e unicamente pelos seus interesses, sem se importarem com a maioria da população”, anotou.
Para aquela pesquisadora do CMI, sem oposição, particularmente nos parlamentos, os países africanos deixam de controlar e fiscalizar as actividades governativas, o que poderá dar azo para desmandos e outras acções pouco dignas de quem está a governar.
Segundo a oradora, é necessário que os partidos africanos, com destaque para os da oposição, se organizem de forma a adquirirem capacidade para participarem em eleições.
“Só com uma organização considerável é que os partidos políticos africanos poderão conseguir perdurar no tempo e assim sobreviverem de eleição em eleição, o que poderá fazer com que ganhem credibilidade no seio dos eleitores”, disse Lisa Rakner.
A académica deplorou, por outro lado, o facto de em cada eleição, a maioria, se não todos os partidos da oposição nos países africanos, apresentarem programas de governação muito semelhantes.
Explicou tal situação com o facto de “serem sempre as mesmas pessoas a elaborarem os programas para os partidos e serem igualmente os mesmos grupos de pressão que fazem “lobbies” junto destes”.
Na sua intervenção, Lisa Rakner, classificou as organizações políticas de oposição em África como sendo fracas, pequenas, não sustentáveis, e que não são merecedoras de confiança por parte dos eleitores, apresentando ainda constrangimentos funcionais e informais.
“Também apresentam falta de capacidade de negociação, máquinas eleitorais muito fracas, falta de coerência para realizarem campanhas políticas e, muitas vezes, se desintegram depois de cada acto eleitoral”, disse.
Frisou serem desafios para estas formações politicas, oferecerem uma vasta gama de assuntos coerentes para os eleitores apostarem neles, criarem uma plataforma política e eleitoral, visto que muitos deles não as têm e quando as apresentam são feitas sem profundidade.
MDC PODE DESAPARECER
O primeiro dia do encontro sobre “Processos Eleitorais, Movimentos de Libertação e Mudanças Democráticas em África” foi também marcado por duas apresentações sobre a situação política no Zimbabwe, feitas por dois académicos daquele país vizinho, nomeadamente Alois Mlambo e Brian Raftopoulus.
O primeiro, fez um historial daquele país desde a tomada do poder pelo actual Chefe de Estado, Robert Mugabe, passando pelo período mais florido da sua história (nos finais dos anos 90 e princípio de 2000, em que era a segunda maior economia da África Austral, atrás da África do Sul), até o descalabro económico de 2002.
Brian Raftopolus, debruçou-se sobre a crise política e social resultante das eleições de 2008, que, depois de mediação da SADC e da União Africana, se constituiu um Governo de Unidade Nacional.
Segundo este cientista político, o Movimento para Mudança Democrática (MDC), está com cada vez menos espaço e poder de actuação devido às pressões políticas exercidas pelo partido de Robert Mugabe, ao Governo.
“O MDC está neste momento numa situação muito complicada. Até se abre a possibilidade de abandonar a coligação governamental. Porém, para mim, tal não é viável para a estabilidade política e económica do país. O que acho que o MDC deveria fazer, é pressionar o país para a realização de eleições, pois o MDC tem fortes possibilidades de voltar a ganhar e, desta feita, formar Governo. A ZANU-FP tem muita força política mas o MDC é um adversário a considerar”, sublinhou.
Após a apresentação destas comunicações, os participantes ao encontro realizaram debates à porta fechada.
- MUSSA MOHOMED