Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Entre impor e democratizar...
A actualidade mostra que as superpotências de ontem continuam a querer manter um status que já não tem sustentáculos. Quando se fazem contas sobre o que significa ser potência hoje e ontem os resultados são mais díspares do que nunca. Nada do que sustentava a política externa dos diferentes países se mantém como era. Há tanta história mal contada aos povos do mundo que leva a que os detentores do poder nos dias de hoje façam esforços tremendos para guardar os segredos reais. Mas também se sente que realmente há muito poucos segredos.
Com o fim da guerra-fria muitas caixas de pandora se abriram e aquilo que era já não é.
Se de Moscovo procura-se apresentar uma imagem de que a Rússia continua gloriosa e poderosa isso é feito a custa de uma política externa musculosa, submetendo antigos satélites a um aperto e a uma disciplina que recorre às armas, subversão e ao petróleo para impor obediência e alianças ditas estratégicas. O relacionamento com o resto do mundo é feito à base da imposição de espaços geoestratégicos e da exigência de que os outros respeitem um suposto espaço geográfico de influência russa para que este país colabore e participe num novo alinhamento das potências.
Entretanto de Washington saem directivas que acabam sendo a continuação de uma política externa de superpotência ávida em manter sua posição num mundo em se teima aceitar que mudou. A supremacia de uns e outros sofreu ataques e uma corrosão monumental. Houve incursões económico-financeiras de países como a China e Índia que já não podem ser ignorados. O poderio económico efectivo de países como o Japão, Alemanha, França, Canadá, Reino Unido conseguiu ultrapassar exercícios de uma geoestratégia que se baseava no poder dissuasor da arma nuclear ou no tamanho de força armadas.
Na actual conjuntura e através de uma abordagem persistente de vários países lutando para ter o seu espaço no mundo, chegou-se a uma situação em que cada vez mais se tem de admitir novos membros no clube dos países nuclearizados. Se a vontade do antes restrito clube de países com tecnologia nuclear de possível aproveitamento bélico era e é manter o acesso ao mesmo limitado, hoje discute-se em termos práticos e reais toda a hipocrisia que foi utilizada durante décadas sobre o assunto.
Existe uma contradição entre a chamada ofensiva por democratizar o mundo e o comportamento real de determinadas potências. Muitas potências desde as auto-denominadas superpotências às simples potências faliram no seus sistemas económicos. A crise visitou todos os países do mundo com consequências visíveis aos olhos de todos. O que se dizia que era um sistema ou modelo político-económico perfeito revelou-se um aborto que se procura ressuscitar à custa de medidas político-financeiras de alcance e resultados duvidosos. As falências e bancarrota de empresas que antes eram o símbolo do modelo capitalista tão apreciado e idolatrado mostraram que afinal se tratava de gigantes com pés de barro mantidos à custa de engenharias financeiras e contabilísticas criminosas. Muitas das grandes falências arrastaram milhões de pessoas para a falência o que significou a destruição de sonhos e poupanças. Os diversos esquemas utilizados para manter uma aparência de normalidade e lucros revelaram-se fatais com o advento da crise financeira aberta mundial. O socorro organizado pelos governos dos países mais poderosos foi vital para adiar o colapso do sistema produtivo em muitos países.
Só que nem com a crise aparecem sinais fortes de que os governantes e as corporações querem realmente mudar alguma coisa.
As guerras que se desencadearam através da utilização de demagogia e da mais vil mentira política são a demonstração efectiva de que determinados governos não estão interessados em democratizar o mundo. Sob alegações de existência de armas de destruição maciça invadiu-se um país como o Iraque. Atacou-se o Afeganistão sob a alegação de que dava guarida ao terrorismo internacional e o que lá se passa nos dias de hoje é um conflito sem esperança de solução da alegação que o causou.
Para muitos defensores da guerra como forma de resolver os problemas do mundo está claro que o importante são os seus interesses financeiros. Investimentos realizados na pesquisa de armas, com fundos governamentais, geram lucros quando as armas são fabricadas, vendidas e utilizadas. O fluxo de encomendas de sistemas de armamento com tecnologia de ponta mantém toda uma série de indústrias funcionando. O problema do mundo deve ser diagnosticado com realismo para que uma solução duradoura possa ser encontrada. Culpar piratas ou a Alqaeda, traficantes de droga ou ditadores de África tem a sua dose de verdade mas é preciso que se reconheça que muito do que se passa e acontece no mundo é resultado da aplicação de políticas que visam salvaguardar interesses de determinadas corporações.
A conferência recentemente havida em Washington sobre armas nucleares e a assinatura de alguns acordos entre os EUA e a Rússia não constituem nada de novo. Tem de positivo o facto de haver um reconhecimento tácito entre aqueles dois países de que algo tem de ser feito no sentido no sentido de limitar o fabrico e a instalação daquele tipo de armas. Mas nada relativo ao facto de haver dissonância quanto ao acesso àquele tipo de armas por diferentes países foi tratado. Só há referências de um provável perigo se o Irão tiver possibilidade de fabricar armas nucleares. Quanto ao facto de Israel manter os seus segredos nucleares não se faz qualquer referência. Assim estamos mais uma vez confrontados com um procedimento hipócrita e muito pouco democrático. Trata-se pura e simplesmente de uma imposição de grandes potências, de ingerência nos assuntos internos de outros países, da utilização de “um peso e duas medidas”. É discriminação política e racial utilizá-los como política externa por parte daqueles que se querem perpetuar como donos e senhores do mundo.
Quando a África do Sul era governada por brancos podia ter reactores nucleares. Israel pode ter armas nucleares. A Síria, Irão, Iraque, Afeganistão ou a Coreia do Norte não podem.
Afinal o que Washington e Moscovo querem? Um mundo desnuclearizado ou a continuação do antigo Diktat? Que confiança devem os outros governos do mundo ter com este tipo de tratamento de uma questão vital para todos?
O mundo está farto do “Consenso de Washington” ou do “Consenso de Moscovo”. A falência dos modelos que procuram impor a todos mostra claramente que há necessidade de libertação e independência destes dois ditadores mundiais.
Não há necessidade de arsenais nucleares num mundo em que os países e seus governos cultivam o respeito, a tolerância e a transparência internacionais.
E isso não se faz ou se alcança com medidas proteccionistas para os “países amigos” e exclusão dos países tidos como inimigos.
Há uma urgente necessidade dos governos democratizarem o seu relacionamento e da emergência de um novo entendimento sobre o que se pretende que a ONU seja.
O mundo não se pode permitir continuar a ser regido por interesses estratégicos que só respeitam os pontos de vista das ditas potências numa situação completamente anti-democrática. A civilização humana não pode continuar refém de interesses corporativos e empurrada para guerras que sacrificam milhões de pessoas.
Washington, Moscovo, Pequim, Londres, Paris tem de acordar para uma nova realidade mundial e para uma discussão cada vez mais inclusiva dos reais problemas mundiais.
Querem consensos no domínio nuclear, no clima global, nas finanças e economia mundial mas recusam-se a aceitar novas regras de relacionamento internacional.
Isto só se pode chamar de hipocrisia e visão francamente pobre sobre os problemas mundiais.
Globalizar tem de ser melhor que colonizar.
Sem coragem de discutir e aceitar os outros como iguais e com os mesmos direitos continuaremos a ter um mundo inseguro por mais tecnologia militar que se tenha.
Desenvolver um mundo mais seguro e viável vai requer muito mais de todos os governos.
Continuar com agendas encobertas é semear e propagar o terrorismo e a intolerância... (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 20.04.2010