ECONOMICANDO
Por João Mosca
Este texto refere como alguns conceitos têm sido utilizados (manipulados) de forma diversa e por vezes contraditória nos discursos nestes últimos tempos. Discursos da governação, de algumas organizações internacionais e de organismos que teoricamente deveriam possuir independência do poder político como é o caso do Banco Central. Foram seleccionados apenas alguns conceitos e afirmações recentemente proferidas.
Inflação
Moçambique tem tido, nos últimos anos e com excepção de 2009, uma inflação de entre 8 e 10%. Em 2009 baixou para cerca de 3%. Os discursos referem ou têm subjacente:
• Ser a inflação inferior a dois dígitos um bom indicador.
• Que a redução da inflação em 2009 foi positiva.
• Que a inflação retomará em 2010 o valor aproximado ao que se verificava antes da crise, cerca de 8%.
Ora, nem os níveis de inflação são bons e nem a descida verificada revela algum sinal positivo. Uma inflação de perto dos 10% implica taxas de juro elevadas, dificultando o investimento, o crescimento, o emprego, e efeitos não positivos sobre toda a economia a curto e longo prazo. Excepto, se a inflação for resultante de uma oferta monetária (ou da gestão de outras magnitudes económicas), acima da desejável na expectativa de criar maior demanda interna e investimento para fazer crescer a economia. Por outro lado, esta opção não é considerada desejável por muitos economistas, devido aos efeitos positivos serem apenas de curto prazo (devido ao efeito de anulação através da inflação gerada), não sustentáveis, por não serem resultantes nem gerarem necessariamente aumentos da eficiência e competitividade e porque são os mais pobres os que suportam o “imposto da inflação”. Quanto à redução da inflação em 2009, ela resultou basicamente da descida da demanda interna (o que não é positivo), da sustentação de alguns preços através de subsídios e, por via destes, da inflação do conjunto da economia.
Défice orçamental
Os responsáveis financeiros do governo têm dito que o défice orçamental não é grave. Que as receitas cobrem as despesas correntes. Se o orçamento é financiado em cerca de 50% por recursos externos, está-se a falar de que défice? O défice real não é aquele que a economia não é capaz de cobrir e cuja acumulação da dívida não se torna suportável sem hipotecar as futuras gerações? Se assim é, o défice é na realidade superior a 50% quando, as práticas aceitáveis, indicam exagerado um indicador superior a 3%. Segundo, na análise do défice, como diferenciar os gastos correntes e de investimento? É possível a opção de eliminar o investimento público em situação de crise? Não há gastos correntes utilizados nos custos de investimento?
Crescimento económico
Ouve-se agora que a economia moçambicana não pode crescer aos ritmos anteriores (cerca de
Crescimento e desenvolvimento
Também se tem dito que em Moçambique tem havido crescimento mas ainda não há desenvolvimento. Mas tem sido assim quase sempre na nossa história! O que revelam os indicadores da pobreza, as desigualdades na distribuição do rendimento, o Índice de Desenvolvimento Humano, os estudos de nutrição, os indicadores da saúde, e tantos outros? Porquê agora esse discurso? Será que o discurso prepara algum a publicação de algum documento oficial onde está evidente que a pobreza se agravou nos últimos anos? Seria interessante que quando se diz não haver desenvolvimento, também se explicitasse o que significa esse conceito. E como se concretiza. Slogans económicos contraditos pela prática da política económica e suportados por máquinas de propaganda e caixas de resonância já existem suficientes.
Investimento na agricultura
Diz-se que há pouco investimento na agricultura. Mas porquê agora quando essa realidade tem mais de duas décadas, o que é contrário ao discurso político que refere a agricultura como base do desenvolvimento? E se for retirado o investimento nas culturas de exportação (açúcar, algodão, tabaco e florestas) o que resta não alcançará os 3 ou 4% do investimento total. Qual a prioridade da produção alimentar e dos camponeses que produzem a quase totalidade dos alimentos? E o combate à pobreza passa necessariamente por mais produção de alimentos? Qual dos endinheirados e capitalistas moçambicanos já investiu seriamente na produção de culturas alimentares?
Modelos do ajustamento estrutural
Já se diz que é preciso rever o modelo do ajustamento estrutural aplicado a partir de finais dos anos oitenta. Há tantos estudos sobre diversas economias que revelam claramente que em grande parte dos casos o ajustamento das instituições de Bretton Woods produzem pobreza, desigualdades sociais, debilidade do Estado, assimetrias espaciais, secundarização da agricultura e do meio rural, atrofiamento do mercado interno, dependência económica e tanto mais? E não foi isso que aconteceu em Moçambique nos últimos vinte anos? Mas qual será essa revisão?
Resumo
Algumas análises económicas parecem estarem a sair, por razões óbvias, da categoria de matéria tabu. Quiçá produzindo outros tabus e slogans. Em relação a uns quantos assuntos, começa-se a aceitar que afinal a economia não vai assim tão bem. Em outros aspectos persiste-se na manipulação e por vezes com afirmações tecnicamente erradas. A mudança ou o ajustamento do discurso pode ainda reflectir o reconhecimento das realidades se estarem a tornar incontornáveis e não mais camufláveis. Estamos perante discursos mais realistas ou de discursos preparatórios da opinião pública e do posicionamento governamental perante as evidências das realidades?
SAVANA – 23.04.2010