NUMA altura em que o Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, efectua mais uma visita oficial a Portugal, um dos aspectos mais aclamados e que agora é cuidadosamente conservado nos anais da História portuguesa contemporânea, é a definição da FRELIMO, após a sua fundação em 1962, que identifica o inimigo dos moçambicanos como sendo o regime colonial-fascista português e não o seu povo.
Aliás, o mesmo regime também colonizava e oprimia o seu próprio povo.
Hoje, volvidos 35 anos após a proclamação da independência de Moçambique, as excelentes relações de amizade e cooperação que unem os moçambicanos e portugueses são prova inegável de que essa definição, ou seja, a tese da FRELIMO passou de simples verbo para uma realidade visível e tangível, mesmo para aqueles que, na altura das trevas coloniais-fascistas, não acreditavam nela e pensavam que se tratava de apenas um slogan político para os enganar.
Entre os que nunca deram crédito a essa proclamação da FRELIMO, são os milhares de portugueses que saíram de Moçambique precipitadamente, logo depois do golpe de Estado que derrubou o regime colonial-fascista de António de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano, em Portugal, em 1974, que abriu o caminho para a descolonização de Moçambique, e viria a se consumar com a proclamação da independência moçambicana no ano seguinte.
Tais portugueses só começaram a acreditar que o inimigo dos moçambicanos era o regime colonial e não o povo português quando, já em Lisboa, ou noutras partes do mundo onde se fixaram, viram que o primeiro Governo moçambicano formado pelo saudoso Presidente Samora Machel integrava moçambicanos de todas as raças residentes em Moçambique, incluindo brancos, como eram os casos de Jacinto Veloso, António Branco, Aranda da Silva, José Luís Cabaço, entre outros.
Para a maior surpresa daqueles que se haviam deixado impingir com a ideia de que a FRELIMO era só de pretos e que estava contra os brancos é o facto de alguns dos brancos que passaram a integrar o Executivo de Samora terem participado na luta armada organizada pela FRELIMO.
Entre tais brancos constam os nomes de Jacinto Veloso e de João Ferreira.
A inclusão de brancos e pessoas de outras raças, como Jorge Rebelo e Óscar Monteiro no Executivo de Samora colheu de surpresa as pessoas que acreditavam que se tratava de uma luta de gente de cor negra contra os de cor branca ou de outras que não se encaixavam na raça negra.
O que deu mais peso e credibilidade à FRELIMO, é que nessa altura contavam-se aos dedos os países africanos que se davam, digamos assim, ao luxo de nomear brancos como seus ministros, ao mesmo tempo que era quase impossível um negro ser nomeado ministro num país da Europa, da América do Norte, como nos EUA, ou mesmo da Ásia.
Mesmo hoje ainda são poucos os países europeus e da América do Norte que integram negros nos seus governos.
Por isso, foi notícia quando o então presidente George Bush filho nomeou Colin Powell como seu Secretário de Estado, o mesmo tendo se repetido quando o substituiu por Condoleezza Rice. Tal foi notícia porque era a primeira vez em mais de 200 anos de História independentista dos EUA que negros passavam a integrar o Governo do seu país.
Mas a FRELIMO já havia ultrapassado a fronteira do racismo, numa altura em que nos EUA ainda se discriminava o negro de forma oficial e se proclamava a supremacia da raça branca. Todos os que ousavam lutar contra a segregação, corriam o risco de morte, como sucedeu com o maior herói da luta anti-segregação racial nos EUA, o Dr. Martin Luther King.
Também não foi por acaso que a eleição de Obama fez vibrar a América e o resto do mundo. Tal aconteceu porque era o mesmo que impossível tornar-se possível.
Tudo isto mostra que a FRELIMO nesta matéria de anti-racismo já estava tão avançada que agora merece que seja premiada e conste no Guinness Bookde recordes.
Alguns dos estudiosos da trajectória da FRELIMO dizem que o mérito foi do Dr. Eduardo Mondlane e de outros membros da sua equipa, que também integrava Armando Guebuza, quem incutiu nos restantes camaradas a visão correcta para que jamais confundissem um povo com os regimes que amiúde se vão apoderando do poder ou passam a governar um determinado país.
Uma das provas que aponta Eduardo Mondlane como uma grande revelação de que não era racista é o facto de se ter casado com uma cidadã norte-americana de raça branca, para além de ter recebido muitos brancos moçambicanos nas fileiras da FRELIMO.
De um modo geral, mesmo os estudiosos portugueses da trajectória dos então movimentos de libertação destacam que uma das razões foi o facto de a FRELIMO ter tido, desde o início, líderes cultos e com uma visão tão iluminada que lhes permitiu separar correctamente o trigo do joio, que era o regime colonial-fascista de um lado, e o povo português, do outro.
Nesses estudos, o Dr. Eduardo Mondlane é descrito de uma maneira que, claramente, se atribui a ele a visão anti-racista, como os seus próprios compatriotas e camaradas de luta o atribuem o mérito de ter sido o pai do nacionalismo e da unidade dos moçambicanos.
Um dos estudos a que tive acesso aqui em Portugal diz o seguinte de Mondlane: Dirigente nacionalista e primeiro presidente da FRELIMO, ele foi o unificador dos vários movimentos e organizações que deram origem àquela frente. Homem do sul, culto, professor universitário nos EUA, casado com uma cidadã americana e funcionário das Nações Unidas, Mondlane dedicara o melhor dos seus esforços a manter unidas as tendências dos grupos e a promover, pela educação, a preparação de quadros para o futuro de Moçambique independente, dentro de uma linha anglo-saxónica de acesso à independência das colónias, que passava pela formação de uma esclarecida consciência nacional anti-racista e anti-tribal.
Os estudiosos vão mais longe ainda dizendo que quando a FRELIMO perdeu Eduardo Mondlane na sequência do seu assassinato por agentes da PIDE/DGS o seu sucessor, Samora Machel, elevou estes valores que havia aprendido do Dr. Eduardo Mondlane ao expoente máximo.
Samora Machel é definido como tendo sido uma força da natureza que libertava energia e tinha um carisma que contagiava e fazia os outros agir também por sua conta e risco depois.
Quem conheceu Samora Machel não tem como senão que concordar inteiramente com esta sua caracterização.
O facto de já nessa altura a FRELIMO ter chamado para as suas fileiras moçambicanos de todas as raças e tribos, mais o facto de após a independência ter formado um Governo que integrava moçambicanos de todas as raças que havia no país, fez com que fosse encarado com respeito pelas pessoas de todas as partes do mundo, granjeando muitas simpatias, muita solidariedade e muitos apoios de todo o mundo.
Tudo isso aconteceu numa altura em que o grosso da humanidade ainda vivia envolto no manto negro do racismo mais primitivo.
Há que destacar que no início da década de 60, quando Eduardo Mondlane fundou a Frelimo, vindo dos EUA, o racismo era mantido e defendido a nível oficial, e os negros ainda eram tratados como bestas de carga e muito menos integravam o Governo naquele país da América do Norte.
Contudo, a FRELIMO aceitava os moçambicanos de todas as raças como seus membros, lutando lado-a-lado contra o colonialismo português.
Além disso, quando capturava soldados portugueses de raça branca tratava-os com todo o carinho e respeito, e depois os entregava à Cruz Vermelha Internacional para que fossem devolvidos ao seu país. Por outro lado, os guerrilheiros da FRELIMO que caíam nas mãos do Exército português eram brutalizados antes de serem fuzilados.
O tratamento humano que a FRELIMO dava aos soldados portugueses e outros actos surpreenderam positivamente o mundo inteiro, e fizeram com que somasse muitos pontos, porque acabou vendo a justeza da sua luta, conquistando muita solidariedade dos povos de todo o mundo, incluindo das nações ocidentais que eram diariamente bombardeados pela propaganda de que a FRELIMO era uma organização terrorista que estava contra os brancos.
Uma vez chegado aqui, e tal como me dizia na terça-feira passada um velho português de nome Freitas e que foi um dos que abandonou precipitadamente Moçambique em 1974, porque havia ficado mentalmente envenenado pela maliciosa propaganda do regime fascista de que a FRELIMO era contra os brancos, chegou a hora de a FRELIMO ser absolvida pelas pessoas que a rotulavam de terrorista e inimiga dos portugueses.
Segundo Freitas, chegou a hora de absolver a FRELIMO para que tenha o seu nome definitivamente limpo nos anais da História contemporânea deste país tão pequeno, mas com um povo tão humilde e trabalhador, que se chama Portugal, e que a partir de ontem recebe de mãos e coração abertos o terceiro Chefe do Estado de Moçambique independente, depois de ter feito o mesmo em relação a Samora Machel e Joaquim Chissano.
- Gustavo Mavie, da AIM em Lisboa