Marco do Correio, por Machado da Graça
Bom-dia, Yussuf
Como estás tu e a tua família? Do meu lado tudo bem.
Onde me parece que há coisas que não andam nada bem é em Nampula, essa tua bela terra.
Há dias fiquei muito chocado com uma notícia que nos chegou daí. Segundo a Rádio Moçambique, houve um choque entre dois “chapas”, na estrada entre a cidade de Nampula e Angoche, em que, logo no local, morreram 14 pessoas. Um autêntico horror!
Mas o que mais me surpreendeu foi que, além desses mortos, houve mais de 50 feridos. Sim, estás a ler bem, mais de 50 feridos.
Ora mais de 50 feridos mais 14 mortos significa que, naqueles dois “chapas” seguiam mais de 64 pessoas. Isto é mais de 32 pessoas em cada “chapa”.
O que significa que, à partida, essas pessoas viajavam amontoadas umas em cima das outras. Pior do que num transporte de gado.
E a que velocidade seguiriam os dois “chapas”, ou, pelo menos, um deles para o desastre ter provocado aquela matança horrorosa?
Mas, nesta série de perguntas a que eu gostaria que alguém desse respostas, há mais uma que quero fazer: não havia Polícia de Trânsito a controlar aquela estrada, naquele dia?
Se não havia, isso é muito mau.
Se havia, isso ainda é pior.
Se não havia, isso quer dizer que, numa estrada entre dois dos principais centros populacionais do país, não há controlo nenhum sobre a forma como as pessoas viajam.
Se havia, a conclusão a tirar é que a Polícia deixou esses dois “chapas”, com gente amontoada, continuar a sua viagem, numa grande correria para a morte.
E, como todos sabemos o que a casa gasta, não custa perceber que os polícias deixaram os “chapas” seguirem porque algumas notas do Banco de Moçambique passaram de umas mãos para outras.
E eu continuo com a minha série de perguntas:
Num caso como este quem é que é chamado a assumir as suas responsabilidades?
O(s) dono(s) dos “chapas”?
O(s) condutor(es)?
O(s) cobrador(es)
O(s) polícia(s) corrupto(s)?
Porque houve 14 mortos, ou mesmo mais porque havia feridos muito graves.
Porque houve mais de 50 feridos, com diferentes graus de gravidade. Talvez até com mutilações.
E não se pode dizer que foi tudo uma fatalidade, porque não foi. Há aqui culpados:
Ou os donos dos “chapas” que, por pura ganância, dão instruções aos seus trabalhadores para meterem o maior número de passageiros, seja lá como for,
para os rendimentos serem maiores. Ou os donos que dão ordens para as velocidades loucas a fim de que a viatura possa fazer mais viagens no mesmo tempo.
Ou os condutor(es) que cumprem essas ordens, carregando no acelerador, muitas vezes animados com umas boas cervejas, que vão bebendo pelo caminho.
Ou os cobrador(es) que cumprem as ordens dos donos, metendo as pessoas nos carros em condições completamente desumanas, em termos de comodidade e, como estamos a ver, de segurança.
E, por fim, os polícias que deviam impedir que tudo isto acontecesse mas não impedem. Que mandam parar um “chapa”, percebem perfeitamente que eles levam mais do dobro dos passageiros a que estão autorizados e são calados com uma nota metida nos sujos bolsos das suas brancas camisas.
Que se apercebem da velocidade enorme a que os “chapas” vão e, por vezes, vão atrás deles nas suas motas poderosas. Para os multar e impedir de
continuarem a dirigir daquela forma? Não, para meterem mais uma nota no mesmo bolso.
Tudo isto só é possível porque a maioria dos que viajam de “chapa” não tem o mínimo conhecimento dos seus direitos. Se todas estas entidades de que te tenho estado a falar fossem metidas no tribunal e condenadas a pagar pesadas indemnizações às vítimas, muito disto deixaria de acontecer.
Mas não é isso que acontece entre nós. Por cá enterram-se os mortos, curam-se os feridos dentro do possível e tudo continua na mesma.
E vai continuar a haver montes de mortos na berma das estradas e gente estropiada por todo o lado.
Para que uns infames continuem a enriquecer à custa do sangue derramado pelos outros.
São piores que os vampiros, Yussufo. Muito piores.
Um abraço para ti do
Machado da Graça
CORREIO DA MANHÃ – 30.04.2010